
Tem dias que penso ter sido mulher em situa��o de rua em outras vidas. Ou, talvez, Bia D�ria, ou a socialite Val Marchiori, que odeiam essa parcela da popula��o e dizem coisas indiz�veis, como “n�o tem que dar marmita para a popula��o de rua”.
Devo ter desprezado, esnobado essa gente invis�vel. Sabem por qu�? Nunca precisei de intermedi�rio para conversar com as pessoas em situa��o de rua. Sempre tive compaix�o e amor por essa parcela exclu�da da sociedade. Sempre conversei de igual para igual com eles.
Devo ter desprezado, esnobado essa gente invis�vel. Sabem por qu�? Nunca precisei de intermedi�rio para conversar com as pessoas em situa��o de rua. Sempre tive compaix�o e amor por essa parcela exclu�da da sociedade. Sempre conversei de igual para igual com eles.
N�o tenho medo, afinal, nunca me roubaram nada, se bem que eu nunca tive nada para que roubassem. Sempre tive um olhar que v� com o cora��o, talvez eles enxerguem o meu olhar e sintam o que trago na alma.
Talvez, em vidas passadas, tenha vivido experi�ncias de falta e desamor. Ali�s, a falta � t�pica do ser humano. Nesta vida j� passei por faltas materiais, emocionais, mas das coisas da alma sou bem entendida. A minha postura diante desse povo da rua, �s vezes, at� me surpreende.
Com os pensamentos afiados e muita revolta por tanta indignidade, passei por uma viatura da PM. O policial, gentil como poucos que conhe�o, me disse que ele tinha morrido ali, onde montou os seus trapos e cabana improvisada.
O policial me disse que estava esperando o carro do IML (Instituto M�dico Legal) para levar o corpo de um ser humano que morreu em uma esquina qualquer da vida, que ele era conhecido como “Coroa”. Sem nome, identidade, endere�o e dignidade, ele morreu ali, no meio de um lugar qualquer.
Com certeza, vai ser enterrado como indigente, em uma cova rasa, como j� poetizou Jo�o Cabral de Melo Neto – ou como cantou Chico Buarque de Holanda “morreu na contram�o atrapalhando o tr�nsito”.
O policial me disse que estava esperando o carro do IML (Instituto M�dico Legal) para levar o corpo de um ser humano que morreu em uma esquina qualquer da vida, que ele era conhecido como “Coroa”. Sem nome, identidade, endere�o e dignidade, ele morreu ali, no meio de um lugar qualquer.
Com certeza, vai ser enterrado como indigente, em uma cova rasa, como j� poetizou Jo�o Cabral de Melo Neto – ou como cantou Chico Buarque de Holanda “morreu na contram�o atrapalhando o tr�nsito”.
N�o me falem que morrer assim � normal, que ningu�m tem nada com isso. Todos somos respons�veis por mortes assim. Se ele bebia, usava drogas, n�o sei nem quero saber. N�o me importa. S� eles bebem e usam drogas.?
Fiz uma s�rie de reportagens no jornal Estado de Minas, com o t�tulo “Castelos de P�”, que mostrava justamente como a classe alta e m�dia e intelectual estava consumindo coca�na.
N�o tem outro jeito de estar na rua, sujeito a todo tipo de humilha��o, viol�ncia em uma sociedade que odeia pobre. Tem que beber, fumar e consumir o que puder anestesiar a dor de ser desprezado, vilipendiado, maltratado.
Fiz uma s�rie de reportagens no jornal Estado de Minas, com o t�tulo “Castelos de P�”, que mostrava justamente como a classe alta e m�dia e intelectual estava consumindo coca�na.
N�o tem outro jeito de estar na rua, sujeito a todo tipo de humilha��o, viol�ncia em uma sociedade que odeia pobre. Tem que beber, fumar e consumir o que puder anestesiar a dor de ser desprezado, vilipendiado, maltratado.
Em outras vidas, com certeza, fui algu�m que despreza essa sociedade vil, endurecida pelo dinheiro. Se n�o bastasse, passei por outra pessoa em situa��o de rua que me chamou aten��o. Na entrada do antigo Othon Palace l� estava ele, rodeado de esculturas de arame, cada uma mais bonita que a outra.
Parei e perguntei o pre�o. Com sotaque estrangeiro, ele me disse que era R$ 20. Pedi que ele me esperasse porque ia ao banco tirar dinheiro. Demorei um pouco e quando voltei, dei o dinheiro e ele me entregou a bela escultura de arame que era Jesus.
Levantou-se e disse para os que passavam. “Essa mulher tem palavra. Falou que ia ali e voltava. Voltou, voc�s acreditam???”. Disse que tinha 62 anos e saiu do Uruguai, sua terra natal h� anos, que era um n�made criativo. Um artista.
Parei e perguntei o pre�o. Com sotaque estrangeiro, ele me disse que era R$ 20. Pedi que ele me esperasse porque ia ao banco tirar dinheiro. Demorei um pouco e quando voltei, dei o dinheiro e ele me entregou a bela escultura de arame que era Jesus.
Levantou-se e disse para os que passavam. “Essa mulher tem palavra. Falou que ia ali e voltava. Voltou, voc�s acreditam???”. Disse que tinha 62 anos e saiu do Uruguai, sua terra natal h� anos, que era um n�made criativo. Um artista.
Em seguida, me detive no cartaz no ch�o, onde estava escrito, com v�rios erros ortogr�ficos insuport�veis: “Melhor um morador de rua criativo que faz arte, do que o inconsciente, perigoso e imperialista. Malditos produtores de mis�ria”. � claro que corrigi os erros.
Achei o cartaz perfeito e sa� de l� com o Cristo de arame em m�os. Um Cristo feito por quem entende que Jesus foi revolucion�rio, subversivo, nasceu em uma manjedoura e tentou salvar os seres humanos, sem sucesso. Os homens o crucificaram.