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Estado de Minas CORA��O DE M�E

Cristo de Arame

Um Cristo feito por quem entende que Jesus foi revolucion�rio, subversivo, nasceu em uma manjedoura e tentou salvar os seres humanos, sem sucesso


02/08/2020 08:30 - atualizado 02/08/2020 08:33

(foto: Reprodução/Internet/justificando.com)
(foto: Reprodu��o/Internet/justificando.com)
Tem dias que penso ter sido mulher em situa��o de rua em outras vidas. Ou, talvez, Bia D�ria, ou a socialite Val Marchiori, que odeiam essa parcela da popula��o e dizem coisas indiz�veis, como “n�o tem que dar marmita para a popula��o de rua”.

Devo ter desprezado, esnobado essa gente invis�vel. Sabem por qu�? Nunca precisei de intermedi�rio para conversar com as pessoas em situa��o de rua. Sempre tive compaix�o e amor por essa parcela exclu�da da sociedade. Sempre conversei de igual para igual com eles.

N�o � agora que estou no Canto da Rua Emergencial, na Serraria Souza Pinto, que me aproximei deles. Sempre tive um olhar de afeto para essas pessoas, sempre me sentei ao lado deles nas esquinas e pra�as de Belo Horizonte.

N�o tenho medo, afinal, nunca me roubaram nada, se bem que eu nunca tive nada para que roubassem. Sempre tive um olhar que v� com o cora��o, talvez eles enxerguem o meu olhar e sintam o que trago na alma.

Talvez, em vidas passadas, tenha vivido experi�ncias de falta e desamor. Ali�s, a falta � t�pica do ser humano. Nesta vida j� passei por faltas materiais, emocionais, mas das coisas da alma sou bem entendida. A minha postura diante desse povo da rua, �s vezes, at� me surpreende.

Com os pensamentos afiados e muita revolta por tanta indignidade, passei por uma viatura da PM. O policial, gentil como poucos que conhe�o, me disse que ele tinha morrido ali, onde montou os seus trapos e cabana improvisada.

O policial me disse que estava esperando o carro do IML (Instituto M�dico Legal) para levar o corpo de um ser humano que morreu em uma esquina qualquer da vida, que ele era conhecido como “Coroa”. Sem nome, identidade, endere�o e dignidade, ele morreu ali, no meio de um lugar qualquer.

Com certeza, vai ser enterrado como indigente, em uma cova rasa, como j� poetizou Jo�o Cabral de Melo Neto – ou como cantou Chico Buarque de Holanda “morreu na contram�o atrapalhando o tr�nsito”.

N�o me falem que morrer assim � normal, que ningu�m tem nada com isso. Todos somos respons�veis por mortes assim. Se ele bebia, usava drogas, n�o sei nem quero saber. N�o me importa. S� eles bebem e usam drogas.?

Fiz uma s�rie de reportagens no jornal Estado de Minas, com o t�tulo “Castelos de P�”, que mostrava justamente como a classe alta e m�dia e intelectual estava consumindo coca�na.

N�o tem outro jeito de estar na rua, sujeito a todo tipo de humilha��o, viol�ncia em uma sociedade que odeia pobre. Tem que beber, fumar e consumir o que puder anestesiar a dor de ser desprezado, vilipendiado, maltratado.

Em outras vidas, com certeza, fui algu�m que despreza essa sociedade vil, endurecida pelo dinheiro. Se n�o bastasse, passei por outra pessoa em situa��o de rua que me chamou aten��o. Na entrada do antigo Othon Palace l� estava ele, rodeado de esculturas de arame, cada uma mais bonita que a outra.

Parei e perguntei o pre�o. Com sotaque estrangeiro, ele me disse que era R$ 20. Pedi que ele me esperasse porque ia ao banco tirar dinheiro. Demorei um pouco e quando voltei, dei o dinheiro e ele me entregou a bela escultura de arame que era Jesus.

Levantou-se e disse para os que passavam. “Essa mulher tem palavra. Falou que ia ali e voltava. Voltou, voc�s acreditam???”. Disse que tinha 62 anos e saiu do Uruguai, sua terra natal h� anos, que era um n�made criativo. Um artista.

Em seguida, me detive no cartaz no ch�o, onde estava escrito, com v�rios erros ortogr�ficos insuport�veis: “Melhor um morador de rua criativo que faz arte, do que o inconsciente, perigoso e imperialista. Malditos produtores de mis�ria”. � claro que corrigi os erros.

Achei o cartaz perfeito e sa� de l� com o Cristo de arame em m�os. Um Cristo feito por quem entende que Jesus foi revolucion�rio, subversivo, nasceu em uma manjedoura e tentou salvar os seres humanos, sem sucesso. Os homens o crucificaram.

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