Um Reino Unido atordoado vai �s urnas em dezembro. Boris Johnson, o primeiro-ministro conservador, definiu sua campanha como um levante do "povo", pelo Brexit, contra a "elite" que impede uma ruptura radical com a Uni�o Europeia (UE).
Os liberais brit�nicos – isto �, a maioria do Partido Conservador e o Partido do Brexit, de Nigel Farage – transformaram-se numa seita anti-Europa. � mais um sintoma da degrada��o do pensamento liberal.
Os liberais brit�nicos giraram 180 graus. Entre 1985 e 1994, quando o franc�s Jacques Delors conduziu as negocia��es que conclu�ram a arquitetura do Mercado �nico Europeu, eles ocuparam a linha de frente na batalha contra as resist�ncias protecionistas nacionais. Hoje, renegam o que fizeram, entrincheirando-se num nacionalismo de n�tida colora��o populista.
No Foro da Liberdade, meses atr�s, escutei as raz�es de um fan�tico do Brexit, o economista Andy Duncan. Ele acusava a ent�o primeira-ministra Theresa May e o l�der opositor Jeremy Corbyn de subservi�ncia � "elite europeia". E, desafiando o que sugere o registro hist�rico, assegurava que Margaret Thatcher teria completado sem demora o servi�o do Brexit. Tive, ent�o, que recordar � plateia brasileira o primeiro plebiscito sobre o Brexit, realizado em 1975, quando a conservadora Thatcher defendeu a ades�o � Comunidade Europeia e o trabalhista Corbyn adotou posi��o contr�ria.
O economista ultraliberal reproduziu os discursos de campanha de Farage, que classificou como seu "her�i". Estados grandes representariam, invariavelmente, amea�as �s liberdades dos cidad�os. A Europa ficaria melhor se fragmentada em microestados como Andorra, Liechtenstein ou Monaco. A UE seria um superestado opressor, uma burocracia "globalista" determinada a suprimir as liberdades brit�nicas.
Duncan se situa numa franja extrema do espectro partid�rio, mas seus argumentos esclarecem a gram�tica pol�tica que impulsiona o Brexit. A "liberdade" dos modelares microestados de Duncan � a liberdade de circundar impostos: os tr�s s�o para�sos fiscais.
O Brexit veicula a utopia reacion�ria de rebaixar os padr�es sociais e ambientais brit�nicos, pela ruptura com as regras comuns europeias. Na sua nova encarna��o, os liberais sonham com uma Inglaterra bucaneira: um Chipre com armas nucleares.
Os grandes Estados europeus s�o diversos e relativamente abertos � imigra��o. A campanha do Brexit concentrou-se na ideia de retomar o controle das fronteiras, abolindo o livre tr�nsito de cidad�os europeus e erguendo uma muralha frente aos fluxos imigrat�rios. A "liberdade" de Farage e Johnson � a liberdade de definir a na��o � base do sangue. O Brexit veicula a utopia nativista de um retorno aos tempos dourados de uma Pequena Inglaterra exclusivamente branca e anglicana.
A prote��o das liberdades p�blicas e pol�ticas foi a mola que, l� atr�s, quando assentava a poeira da guerra mundial, impulsionou o projeto europeu. Na origem da UE encontram-se os imperativos de evitar o ressurgimento do nacionalismo alem�o e de tra�ar uma fronteira geopol�tica diante do bloco sovi�tico.
A Europa fragment�ria idealizada pelos man�acos do Brexit � o cen�rio estrat�gico perfeito para a R�ssia, o maior dos Estados europeus. Em 2014, Farage nomeou Vladimir Putin como "o l�der mundial que mais admiro". H� um claro motivo pol�tico para o voto pr�-europeu de Thatcher em 1975.
O Reino Unido navega rumo a �guas turbulentas do Brexit, um ato volunt�rio de autoagress�o poucas vezes visto na hist�ria das na��es. Os liberais convertidos ao nacionalismo xen�fobo pilotam o navio, mas partilham a responsabilidade com os trabalhistas, que se recusaram a tentar mudar o curso. � que Corbyn, o l�der esquerdista do partido, votou pelo Brexit em 1975 por enxergar o projeto europeu como uma monstruosidade inventada pelos liberais...