
Bela Kosoian reside em Laval, na Grande Montreal, n�o em Parais�polis. Dias atr�s, a Corte Suprema do Canad� mandou que lhe paguem C$ 20 mil (cerca de R$ 63 mil), cotizados entre a prefeitura da cidade, a empresa de transporte e um policial arbitr�rio. A senten�a precisa ser lida por Jo�o Doria e os comandantes da PM paulista.
O caso ocorreu em 2009. Bela foi multada, algemada e presa numa esta��o de metr� por n�o obedecer � ordem de um policial de segurar o corrim�o da escada rolante e, em seguida, recusar-se a exibir um documento de identidade. Dois tribunais rejeitaram sua a��o por danos morais. Ela apelou � inst�ncia superior e triunfou. A decis�o � um marco civilizat�rio.
Os r�us se defenderam mostrando fotos da placa que estimula o uso do corrim�o. Explicaram, ainda, o treinamento oferecido aos policiais, no qual passa-se a impress�o de que a advert�ncia de seguran�a tem for�a legal. N�o colou. Os ju�zes escreveram que “um policial sensato” n�o interpretaria a desobedi�ncia como uma viola��o da lei e sustentaram o direito de Bela de desobedecer a uma “ordem ilegal”. O trecho crucial da senten�a deveria ser emoldurado e pendurado nas delegacias e quart�is das pol�cias brasileiras:
"Para conduzir sua miss�o de proteger a paz, a ordem e a seguran�a p�blica, policiais s�o chamados a limitar os direitos e liberdades dos cidad�os usando o poder coercitivo do Estado. Porque � ineg�vel o risco de abusos, � importante que sempre exista um fundamento legal para as a��es adotadas pelos policiais; na aus�ncia de tal justificativa, as condutas deles s�o ilegais e n�o podem ser toleradas”.
A criminosa ofensiva policial no baile funk de Parais�polis deve ser avaliada sobre o pano de fundo do epis�dio do metr� de Laval. As investiga��es talvez contem a hist�ria inteira. Mas, antes delas, qualquer pessoa cuja alma n�o tenha sido destro�ada pelo preconceito sabe que “policiais sensatos” renunciariam a uma persegui��o em meio � multid�o reunida na rua.
Doria n�o aguardou as investiga��es para defender a a��o em Parais�polis. Das suas palavras s�rdidas j� se extrai a conclus�o de que a miss�o da PM era, de fato, reprimir o baile – e que isso “vai continuar”. No Canad�, o policial pagou apenas um ter�o da indeniza��o de Bela.
As perguntas precisam subir a ladeira que conduz ao comando da PM e ao governador. Que tipo de treinamento recebe a PM paulista? Qual � a b�ssola pol�tica que mostra o rumo aos respons�veis pela seguran�a p�blica? Qual � a diferen�a – pr�tica, n�o ret�rica – entre Doria e Witzel?
O governador lamentou as mortes, etc. e tal, mas prometeu “manter o protocolo”. No primeiro semestre, a pol�cia foi respons�vel por um ter�o das mortes violentas no estado. Diante desse n�mero, Doria declarou que n�o existe obrigatoriedade para a redu��o de v�timas em interven��es policiais. O “protocolo” � matar � vontade – com a condi��o de que os alvos n�o incluam frequentadores do Iguatemi. O “protocolo”, al�m de tudo, afronta os “policiais sensatos”, rebaixando a pol�cia ao estatuto de mil�cia.
“As condutas deles s�o ilegais e n�o podem ser toleradas”. Os ju�zes canadenses referiram-se aos policiais insensatos. Por aqui, a frase aplica-se aos “homens de bem” – moralistas, profundamente religiosos, defensores da fam�lia – sentados nos pal�cios do Planalto, dos Bandeirantes e da Guanabara. O programa deles n�o � a redu��o da letalidade. � o “excludente de ilicitude” de Moro, um verniz legal para a “lei do abate”.
Acima, dei de barato que ocorreu mesmo a persegui��o alegada pela PM. As testemunhas dizem coisa diferente. Moradores da favela contam hist�rias incont�veis de a��es policiais imotivadas e violentas. A canadense Bela n�o mora em Parais�polis. L�, o que seria dela se n�o obedecesse a uma ordem ilegal ou recusasse identificar-se a um policial?