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Estado de Minas PANDEMIA

Os riscos de se transformar a doen�a em um espet�culo

Em cada leito de hospital h� uma vida e uma equipe que merece e deve ser respeitada


07/08/2020 06:00 - atualizado 07/08/2020 07:11

(foto: Pixabay)
(foto: Pixabay)

Quem nunca tirou uma foto de um prato que cozinhou ou que acabou de chegar na mesa do restaurante? Quem, hoje, consegue passar por um acidente sem ter o impulso de querer registrar a cena para compartilhar a situa��o inesperada que acabou de presenciar?

O acesso facilitado aos meios de comunica��o e as tecnologias atuais nos transformaram em verdadeiros produtores de conte�do - basta um smartphone na m�o e qualquer momento do dia pode ser capturado e compartilhado -, mas nem sempre isso ser� ben�fico para o indiv�duo que registra e para a sociedade como um todo e, principalmente, para quem � registrado.

Hoje, n�o vou falar dos malef�cios que as telas causam na nossa sa�de f�sica, mas de um assunto t�o importante quanto: os danos que o excesso de registros e compartilhamentos causam no contexto hospitalar.

Pare e pense quantas vezes voc� j� viu nas redes sociais um post de algu�m com soro na veia e um emoji doente? Como m�dico, posso dizer das in�meras vezes que presenciei pacientes ou acompanhantes registrando momentos s�rios e delicados dentro dos hospitais. 

As pessoas passaram a se expor de forma exacerbada. Alguns amigos estudiosos da Comunica��o apontaram que um dos efeitos da midiatiza��o � dar a capacidade de cada um se tornar n�o apenas um produtor de conte�do, mas tamb�m ator e editor do que vivenciam.

Infelizmente, � exatamente isso que tenho observado nos �ltimos meses. A pandemia da COVID-19 mudou toda a forma de pensarmos e agirmos e o isolamento social aumentou ainda mais o uso das tecnologias para comunica��o. Hoje, cozinhamos com o chef do outro lado da tela, junto com o home office iniciou-se as festas on-line, bebemos, comemos, comemoramos tudo virtualmente

Os v�deos, memes e fotos viralizaram nas redes sociais t�o r�pido quanto a COVID-19 no mundo, rapidamente todos j� sabem o que est� fazendo sucesso em qualquer canto do continente.

Voc� mesmo j� deve ter compartilhado algo em um grupo e, quando olhou nas mensagens anteriores, j� tinham enviado o mesmo conte�do tr�s ou quatro vezes.

Quem n�o se lembra dos memes associados ao ritual de Gana? Os negros carregando caix�es que a internet colocou trilha musical, dan�as, gifs e figurinhas j� perderam espa�o nos grupos e redes sociais.

Voc� percebeu que a medida que a doen�a se aproxima de cada um de n�s ou que a sua cidade est� mais prejudicada pela COVID-19, esses memes perdem a gra�a? O humor de trag�dia � engra�ado somente quando n�o est� perto de n�s - ali�s � engra�ado? Confesso que se voc� entender a beleza do ritual f�nebre acredito que ficaria feliz, mas vamos ser sinceros? Voc� n�o estava elogiando o ritual de despedida africano.

Atendo em um Pronto Atendimento da Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte que est� recebendo casos de COVID-19 e lidamos de perto com as adversidades da doen�a, do sistema de sa�de e dos profissionais.

� uma experi�ncia �nica perceber como todos n�s nos transformamos diante dos perigos iminentes e das vit�rias alcan�adas. O espet�culo da cura � m�gico – as altas hospitalares est�o sendo aplaudidas, v�deos com o sol radiante, m�sicas de fundo e frases de supera��o est�o ganhando espa�o nos hospitais.

Vencer a COVID-19 � sim um motivo de comemora��o e � o que queremos ver. Por�m, diariamente, h� um fluxo de pacientes graves sendo tratados, remanejados e transferidos por diversos hospitais.

Os mais corajosos poderiam fazer um v�deo do transporte. O roteiro n�o � dif�cil de imaginar: a chegada da equipe de sa�de empurrando a maca com o paciente cheio de aparelhos, dispositivos de suporte e medica��es, em volta os profissionais com seus equipamentos de prote��o: macac�o, luva, �culos, m�scara e medo, medo de ser o pr�ximo, medo de n�o dar conta.

O amigo corajoso pode filmar tudo - desde a descida nos andares, passando pela entrada na ambul�ncia com luz do giroflex que ofusca a c�mera at� a chegada no novo hospital. A busca da cura seria ao som de velozes e furiosos? Ou talvez ao som do carnaval de Salvador com todos juntos gritando "diga que valeu o … nosso amor ..."

O que me me assusta um pouco � que esse roteiro mirabolante n�o me parece t�o imposs�vel.

Esta semana me espantei mais uma vez com uma situa��o que n�o foi a primeira e, certamente, n�o ser� a �ltima. Familiares de uma paciente com COVID-19 que estava sendo transferida fizeram desse momento – que � extremamente delicado e perigoso do ponto de vista de contamina��o – um espet�culo. Muitas c�meras filmando e fotografando pacientes em ventila��o mec�nica, sedados e em situa��o de extrema vulnerabilidade.  

Esse direito que os familiares acreditam que o assistem � complicado. Lembre-se voc� est� filmando um paciente que n�o autorizou e uma equipe que tamb�m n�o autorizou.

N�o use de um direito que voc� acha que existe para validar o seu ego�smo e desrespeito sem tamanho com a vida humana e com o profissional de sa�de que est� realizando o atendimento.

Na maca, sempre estar� uma pessoa que tem uma vida pr�pria, com rela��es sociais e profissionais que dizem respeito somente a ela. “Mas Dr.,e se o paciente � minha m�e ou meu marido?”  Antes de ser m�e, pai, marido, esposa, filho ou tio, o paciente � uma pessoa que deve ser tratada com respeito

O bom senso n�o � algo natural, ele deve ser treinado. O que eu desejo para todos n�s � sa�de f�sica e mental e tranquilidade para trabalhar na linha de frente diante do perigo di�rio.

Os profissionais de sa�de j� viviam isso a cada plant�o assumido, mas agora a intensidade tem piorado. O pensamento �: hoje vou me contaminar? Ser� que estou assintom�tico? N�o sou contra o uso das redes sociais, seria uma hipocrisia total visto que tamb�m tenho meus v�deos, minhas fotos e meu Instagram, mas cautela e delicadeza nunca ser�o exageros.

Que os profissionais de sa�de continuem fazendo seus TiktTok, montagens engra�adas, dan�as, m�sicas, edi��es amadoras e profissionais. Multipliquem as coisas boas, as risadas, a felicidade.

Que sejam mais v�deos de sol radiante, piano e violino tocando, mas que todos entendam que viver em sociedade � complicado, delicado e deve ser respeitoso. H� situa��es que s�o para ser vividas e n�o registradas.

O que voc� gostaria de ver neste espa�o? Escreva pra mim: [email protected] 

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