
A filosofia � um procedimento humano que afirma, sem deixar d�vidas, a liberdade de pensar. Nesse sentido, a filosofia se identifica com a hist�ria do pensamento humano e, portanto, do pr�prio ser humano.
Muitas vezes esquecida nas pol�ticas p�blicas ou, quando muito, reduzida a um “conte�do formal”, com um hor�rio m�nimo dentro do curr�culo das escolas, a filosofia como ci�ncia teve e tem um papel preponderante na sociedade, pois se relaciona com o processo de emancipa��o intelectual do ser humano.
A grandeza da hist�ria do pensamento humano � incontest�vel. Basta destacar, a modo de lembrete, o fulgor dos grandes pensadores gregos e romanos; os debates eclesi�sticos da idade m�dia; as escolas especulativas; a apropria��o do indiv�duo no racionalismo; a apertura para os arcanos e o cosmos; a filosofia social, as lutas e os grandes movimentos de massas; o pensamento cient�fico, tecnol�gico e algor�tmico; a desconstru��o do ser dependente e a ilus�o de “sermos como deuses”.
A crise dos conceitos filos�ficos b�sicos, significou o decl�nio da filosofia especulativa; com o avan�o do s�culo 20, tamb�m os empiristas tiveram que admitir o seu fracasso.
Vencidas as posi��es aprior�sticas e empiristas, chegou-se � necessidade de conceber o conhecimento como um processo construtivo, seja no n�vel individual (do nascimento � morte) ou social (desenvolvimento da ci�ncia moderna).
O conhecimento, base da vida de , tem se convertido hoje na base do poder. Por�m, a situa��o atual trouxe de volta a centralidade do humano e, com ela, in�meras perguntas vitais, acompanhadas de inseguran�a e ang�stia. Essa “nova realidade” ir� exigir da filosofia um protagonismo necess�rio, assim como o trabalho dos fil�sofos dever� estar diretamente relacionado com a compreens�o do que est� acontecendo, com a necessidade de dar sentido ao viver e apontar aquilo em que erramos.
Quais os pontos de aten��o sobre os quais dever� a filosofia deitar o seu olhar? Quais ser�o os novos compromissos nesse contexto? Destaquemos alguns, dentre outros poss�veis:
* Refletir sobre a vida e a morte. Esses temas, sempre presentes na filosofia, foram agu�ados pela pandemia e a sua letalidade (f�sica e ps�quica). A morte j� foi vista na filosofia com indiferen�a, como um bem ou at� como aniquila��o. A filosofia deve nos ajudar a entender que somos mortais durante toda a vida, n�o apenas no final dela. Aprender a morrer �, na realidade, aprender a viver. Outro assunto em pauta hoje, � a perda de seres queridos e como encarar essa dor da separa��o e desgarro daqueles que faziam parte substancial da nossa vida.
* Apoiar a “import�ncia da investiga��o cient�fica”, que trabalhe e se desenvolva a favor de todos os seres humanos sem exce��o. Isso significa exigir dos poderes p�blicos, nacionais e internacionais, um compromisso inquestion�vel com o financiamento da ci�ncia b�sica, de qualidade e universal, para que os benef�cios redundem em prol da coletividade.
* Denunciar o “exibicionismo moral”: discursos exagerados, moralistas, querendo mostrar uma falsa e anacr�nica indigna��o e que t�m como objetivo n�o o enriquecimento do confronto de ideias, mas sim firmar a ideia de que n�s somos os que estamos do lado certo. Isso fortalece a intoler�ncia com o pensamento dos outros e a polariza��o, dando vantagem aos mais agressivos e persistentes. Esse conceito, conhecido como “grandstanding”, foi elaborado por Justin Tosi e Brandon Warmke (2016).
* Fortalecer “a cidadania digital”. Interagimos cada vez mais atrav�s de espa�os digitais. � uma cidadania digital privatizada, embora dependamos das grandes corpora��es que dominam o digital. Falamos de uma tecnologia situada, por analogia com o conhecimento situado. Significa entender o contexto e as necessidades locais concretas e dar respostas adequadas, para evitar o distanciamento humano, a manipula��o e o aumento das brechas da injusti�a.
* Apostar no “cosmopolitismo”. O v�rus deixou em total questionamento alguns conceitos que d�vamos como consolidados: fronteiras, na��es, classes sociais, papel do Estado. A filosofia, que vem de uma tradi��o universalista, tem li��es a dar desde os seus prim�rdios. J� na sua �poca, dizia Di�genes: “sou cidad�o do mundo”; ou o estoico Hi�rocles: “nas nossas rela��es com os outros, vamos construindo c�rculos conc�ntricos que nos aproximam dos outros, at� dos desconhecidos”.
* Criticar a “invas�o epist�mica”, que acontece quando um experto num tema ultrapassa os limites das suas compet�ncias. O termo foi elaborado pelo fil�sofo norte-americano Nathan Ballantyne. No seu �ltimo livro, Conhecendo os nossos limites (2019), se pergunta: “Como mudar de ideia? como ser mais abertos, tolerar conflitos, avan�ar na investiga��o coletiva e enxergar outras perspectivas nesse mundo complexo?” Ballantyne defende uma abordagem interdisciplinar da epistemologia, misturando teorias filos�ficas com insights das ci�ncias sociais e cognitivas e desenvolve um m�todo para distinguir entre nossas opini�es razo�veis e irracionais, que nos leve a uma maior abertura intelectual.
Se concordamos com Foucault que “escrevemos para transformar o que sabemos e n�o para transmitir o j� sabido”, e o aplicamos � educa��o, teremos que concluir que � na constru��o do indiv�duo cr�tico, solid�rio, competente e cidad�o que a filosofia, a �tica, a pedagogia e a pol�tica se abra�am.
Francisco Morales Cano
Professor e consultor
Diretor da Doxa Educacional