
Se tiv�ssemos que definir numa palavra o movimento interior humano que impulsionou e impulsiona o conhecimento humano, n�o duvidaria em afirmar que � “a pergunta”. Ela est� na raiz, e ao longo de toda a hist�ria, dos seres humanos e � ela a que nos impele a propor solu��es, procurar alternativas, resolver questionamentos e, por tanto, a caminhar e construir a realidade (pessoal e social). A pergunta �, ao mesmo tempo, evid�ncia de desconhecimento, busca pela verdade e vontade de supera��o pelo conhecimento. A boa pergunta � a alma da solu��o, desmitifica e torna o ser humano sujeito da sua hist�ria.
A pergunta j� � protagonista desde os prim�rdios do pensamento filos�fico. S�crates (circa 469ac – 399ac) nos prop�e o seu m�todo mai�utico, tamb�m conhecido como “ironia socr�tica”. A mai�utica, que significa “dar � luz”, “parir o conhecimento”, � um m�todo que pressup�e que, "a verdade est� latente em todo ser humano, podendo aflorar aos poucos na medida em que se responde a uma s�rie de perguntas simples, quase ing�nuas, por�m perspicazes". Arist�teles (384 ac–322 ac) tamb�m aborda o tema: “A admira��o sempre foi, antes como agora, a causa pela qual os homens come�aram a filosofar. Procurar uma explica��o e admirar-se � reconhecer-se ignorante”.
Descartes (1596–1650), considerado o pai do racionalismo e o primeiro fil�sofo moderno, defendeu a tese de que a d�vida met�dica � o passo inicial para se chegar ao conhecimento. Em duas das suas obras, Discurso sobre o m�todo e Medita��es, ele criou as bases do discurso cient�fico. Descartes quer provar que quem duvida � sujeito de algo. Da� o “penso, logo existo” (Ego cogito, ergo sum). Nesse sentido, Karl Jaspers (1883–1969) vai afirmar que “as perguntas s�o mais essenciais para a filosofia que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta”. Ou Merleau Ponty (1908–1961): “A verdadeira filosofia � reaprender a ver o mundo”.
Mais recentemente, Foucault (1926–1984) afirma que “a resposta n�o interessa tanto quanto a pergunta, muito mais fundamental para uma vida emancipada”. Foucault, reconhece os limites impostos pela soberania da raz�o burguesa, baseada na credulidade, na avers�o � d�vida, na parcialidade, na precipita��o nas respostas, no pedantismo cultural e no receio de contradizer, dentre outras causas.
Trazendo isso para a escola, fazemos uma constata��o simples e inquestion�vel: as crian�as pequenas, do Infantil ou do Fundamental I, perguntam mais, mas muito mais, do que os estudantes do Ensino M�dio, por exemplo. Por que ser�? Na inf�ncia tudo nos causa admira��o e, a partir da�, vamos construindo o nosso conhecimento. Na adolesc�ncia a pergunta vai perdendo f�lego, e na idade adulta as perguntas s�o cada vez mais mediatizadas pelos nossos problemas existenciais, ang�stias e posicionamentos pessoais. Funciona a autocensura de forma quase que permanente, em fun��o da imagem que queremos causar e as certezas se consolidam, fazendo crer que perguntar � sinal de incompet�ncia.
Num interessante di�logo entre Paulo Freire e o fil�sofo e educador chileno Ant�nio Faundez, ambos coincidem em “afirmar que a pergunta � o motor do conhecimento e prop�em uma pedagogia da pergunta” (Por uma Pedagogia da Pergunta, Paz e Terra, 1985). Afirmam eles que, tanto professor quanto aluno se esqueceram das perguntas e do axioma de que todo conhecimento come�a pela pergunta. Paulo Freire chama a isso de “curiosidade”, o que j� envolve uma pergunta. Hoje, o ensino � muito mais resposta do que pergunta, tendo resultado no que Freire chama de “castra��o da curiosidade”. Somente a partir de perguntas � que se deve partir em busca de respostas e conhecimento, e n�o o contr�rio.
Empurrados pela urg�ncia do momento hist�rico, somos convidados a embarcar numa avalanche de respostas, propostas, modelos e iniciativas novas, que apontam in�meros caminhos e solu��es de toda e qualquer pergunta. Mas, a quest�o que se nos coloca � esta: estamos realizando as perguntas pertinentes e adequadas? Elas tocam o cerne das necessidades e das urg�ncias hist�ricas? S�o capazes de ajudar a elaborar, desde a educa��o, outros modelos de sujeitos aut�nomos, de sociedades mais criativas e integradoras? Ou estaremos, apenas, tentando dar respostas novas, maquiadas, isso sim, a problemas mal formulados e modelos obsoletos e n�o integradores? Estaremos, com essas “novas respostas”, contribuindo com a verdadeira tarefa da educa��o, qual seja, a constru��o de indiv�duos aut�nomos, emancipados e cr�ticos, que colaborem na constru��o de uma sociedade igualit�ria, justa e inclusiva? Quais perguntas? Vale o apelo de Kant: “Sapere aude!”, atreve-te a conhecer!