
O debate sobre a “desescolariza��o da sociedade” n�o � novo. Ele voltou agora: pela pandemia, que limitou radicalmente a presen�a f�sica da comunidade nas institui��es escolares; pela inten��o de muitas escolas voltarem, no p�s-pandemia, com uma proposta de “ensino h�brido”, e pelo questionamento � obrigatoriedade da escolariza��o tal e como est� posta, trazido � cena pelo conservador movimento do direito (a) ao “ensino domiciliar” (homeschooling).
Embora com interesses diferentes e muitas vezes conflitantes, todos eles carregam uma caracter�stica comum: menos presen�a f�sica na escola. O tema vale mais do que um bom debate!
Completam-se agora 50 anos do livro que colocou em pauta, de forma vision�ria e contundente, essa quest�o: “Sociedade sem escolas”, de Ivan Illich. Illich, nascido em Viena, fez estudos em Floren�a e na Universidade Gregoriana de Roma, e exerceu como padre em Nova York.
Ap�s um per�odo como vice-reitor da Universidade Cat�lica de Porto Rico, em 1961 fundou o Cidoc (Centro Intercultural de Comunica��o) em Cuernavaca, M�xico. O Centro foi fechado em 1976, ap�s in�meros conflitos com o Vaticano.
A partir de 1980, e ap�s deixar o minist�rio de padre, lecionou filosofia e ci�ncia, tecnologia e sociedade nas universidades de Bremen, Alemanha, e Pensilv�nia, nos Estados Unidos. Faleceu em 2002, em Bremen, de um c�ncer no rosto, que ele chamava de “minha mortalidade”.
Illich foi um pensador vigoroso, autor de uma s�rie de cr�ticas �s institui��es da cultura moderna, seja a educa��o (“A escola e a repress�o dos nossos filhos”), a medicina (“N�mesis da Medicina: a expropria��o da sa�de”), a conviv�ncia humana (“A convivencialidade”), o trabalho (“O direito ao desemprego criador”), ecologia e g�nero (“A celebra��o da consci�ncia”), entre outros.
Realmente, um aut�ntico pol�mata, que, al�m do mais, era fluente em 10 l�nguas. Illich foi um autor vision�rio e criador de um acervo impressionante, que merece ser (re)visitado por educadores, pedagogos, psic�logos, soci�logos e outros profissionais das diversas �reas.
O seu livro mais famoso, “Deschooling society”, foi publicado em 1971. Traduzido ao portugu�s com o t�tulo de “Sociedade sem escolas”, j� gerou cr�ticas desde o in�cio, pois a tradu��o mais correta deveria ser “Desescolarizando a sociedade” ou, ainda, “Sociedade desescolarizada”.
O trabalho � uma cr�tica contundente ao sistema educacional das sociedades contempor�neas e provocou estupefa��o e debates no meio educacional.
O trabalho � uma cr�tica contundente ao sistema educacional das sociedades contempor�neas e provocou estupefa��o e debates no meio educacional.
Disse ele: “A educa��o universal por meio da escolaridade n�o � poss�vel. Nem seria mais exequ�vel se se tentasse mediante institui��es alternativas criadas segundo o estilo das escolas atuais. Nem novas atitudes dos professores para com os seus alunos, nem a prolifera��o de novas ferramentas e m�todos f�sicos ou mentais..., nem mesmo a inten��o de aumentar a responsabilidade dos pedagogos at� o ponto de incluir a vida completa dos seus alunos teria como resultado a educa��o universal. A busca atual de novos canais educativos dever� ser transformada na procura do seu oposto institucional: redes educativas que aumentem a oportunidade de cada um transformar cada momento da sua vida num outro de aprendizagem, de partilha e de interesse”.
Illich se mostra favor�vel � autoaprendizagem, apoiada em rela��es sociais intencionais, fluidas e informais. Segundo ele, a institucionaliza��o da educa��o acaba favorecendo a institucionaliza��o da sociedade. Por isso, desinstitucionalizar a educa��o pode ser um ponto de partida para desinstitucionalizar a sociedade. Al�m das cr�ticas, ele prop�e criar “redes de aprendizagem”, apoiadas em tecnologias avan�adas, que lembram muito a internet atual.
Essa autoaprendizagem forneceria foco para o estudante, tornando-o sujeito ativo, e quebraria a rigidez dos “roteiros preestabelecidos” pelo professor e pela institui��o escolar para todos os seus alunos.
“A escola � um rito inici�tico que introduz o ne�fito � carreira sagrada do consumo progressivo”, diz ele. Ou ainda, “a escola parece estar destinada a ser a igreja universal de nossa cultura em decad�ncia”.
“A escola � um rito inici�tico que introduz o ne�fito � carreira sagrada do consumo progressivo”, diz ele. Ou ainda, “a escola parece estar destinada a ser a igreja universal de nossa cultura em decad�ncia”.
A ideia de que ensinar/aprender n�o est� mais restrito ao monop�lio das escolas, e , sim, deve permear a sociedade toda, foi consolidada, embora com um vi�s mais gerencial, pelos ide�logos da chamada “Sociedade do Conhecimento”. Nomes de intelectuais como Alvin Toffler (“A terceira onda”), Peter Drucker (“Sociedade p�s-capitalista”) e Peter Senge (“Escolas aprendem: A quinta disciplina”) se posicionam nesse sentido.
Christian Laval adverte, por�m, do perigo que esse posicionamento carrega, afirmando categoricamente que “a escola n�o � uma empresa”. Mas, de uma ou outra maneira, as paredes escolares foram arrombadas e os limites da atividade educacional alargados, como ficou claramente demonstrado no ensino superior com a consolida��o da educa��o a dist�ncia (EAD), j� comum mundo afora.
Christian Laval adverte, por�m, do perigo que esse posicionamento carrega, afirmando categoricamente que “a escola n�o � uma empresa”. Mas, de uma ou outra maneira, as paredes escolares foram arrombadas e os limites da atividade educacional alargados, como ficou claramente demonstrado no ensino superior com a consolida��o da educa��o a dist�ncia (EAD), j� comum mundo afora.
Hoje, j� se fala de um modelo de “escola figital” (f�sico + digital emocional e social), onde esses campos convivam de forma harm�nica e com �nfase ora num, ora noutro. O modelo levanta in�meras perguntas, que respondem a in�meros desafios novos:
– Se converter� “a escola f�sica” num espa�o dial�gico de encontro e sociabiliza��o, lazer e cultura, inova��o e artes, esporte e autoconhecimento, na diversidade e riqueza da comunidade escolar? Ser� tamb�m lugar e momento de revis�o, reorganiza��o e orienta��o presencial e troca de saberes?
– Como ser� “a escola conectada”, para onde realmente as formas de ensino e aprendizado parecem migrar, de forma mais criativa e l�dica, atraente e participativa para os estudantes? Nessa escola, expandida pelo digital e ub�qua, as formas de aprender se multiplicam em lugares, espa�os, modelos e tempos; a qualquer hora, em qualquer lugar, o tempo todo.
– Qual peso e valor ter� “a dimens�o socioemocional da escola” na forma��o pessoal e para a cidadania dos seus integrantes, no respeito ao pluralismo e � democracia, na emo��o do encontro com o outro e com a natureza, na empatia e na constru��o de liberdade e justi�a? Qual ser�, o novo papel do professor e dos agentes formativos?
A ideia, pois, n�o � desescolarizar a sociedade. Pelo contr�rio, � o resgate de uma escola aberta, dial�gica, estrat�gica (o qu� e quando) e desenhada para aprender o tempo todo e em qualquer lugar. Uma escola que ilumine a sociedade e tenha como ponto de partida n�o as respostas, mas as perguntas complexas do mundo atual. Como ela ainda n�o existe, o desafio e a tarefa � ajudar a constru�-la!
*Diretor educacional do Col�gio Guidon, em Contagem