Outro dia, mencionei aqui a impress�o de que voltamos no tempo. N�o fosse o espelho, implac�vel ao revelar todo dia novas mechas de barba, cabelo e bigode brancos, estaria certo de que tal regress�o est� mesmo em curso.
Ando escutando o velho punk rock. C�lera, Olho Seco, Garotos Podres, Lixomania, Ratos de Por�o, Psykoze, Fogo Cruzado, Replicantes, Condutores de Cad�veres, Restos de Nada. Certifico-me de n�o haver ningu�m por testemunha, e exer�o o libertador direito ao pogo, a dan�a de �ltimos moicanos como eu.
As letras, acess�veis apenas para ouvidos treinados no tiro, porrada e bomba, falam de guerra e fascismo, mis�ria e fome. Infelizmente, parecem ter sido conservadas em formol, mas com aspecto ainda mais atual do que o cora��o inchado de Dom Pedro I, o imperador escravista e, portanto, sem cora��o.
Na quinta-feira passada, tava o Lula pedindo voto no “Jornal Nacional”, que d�j� vu. � imagem deste escriba, avolumam-se os cabelos brancos do Willian Bonner, a ponto de claramente estar se transmutando em Cid Moreira. Aquela voz rouca, aquela l�ngua presa de sindicalista da CUT, aquelas met�foras de futebol. Desembarc�vamos sem d�vida em 1989, eu tinha acabado de gravar uma fita do Ten Years After. Traidor do movimento, eu e o Jo�o Gordo.
O voto � secreto, mas a c�psula do tempo, confesso, fez as l�grimas escorrerem em minha face. (Pude ouvir ao fundo o Vilibaldo Alves narrando as semanas finais da campanha presidencial como quem narra o finalzinho de Atl�tico e Botafogo em 1971: “Quareeeeeeenta e cinco minutos! As l�grimas escorrem em minha face” e por a� vai.)
At� que Lul�o da Massa lembrou de outra polariza��o, a do n�s contra eles, PT e PSDB.
Eita, pensei comigo, essa � a prova de que estamos morando dentro de “Dark”, a s�rie: como petralhas, passamos uma vida perseguindo o 45, FHC, Serra, A�cio e tal. Como atleticanos, c� estamos n�s de novo – perseguindo o 45. Sim, n�o adianta tapar o sol com as queimadas amaz�nicas: como outrora, em tempos que ach�vamos idos, mas que de repente s�o vindos, o neg�cio � perseguir os 45 pontos e exorcizar o fantasma do rebaixamento. T� desse jeito.
Certamente, t�m raz�o aqueles que me apontar�o o dedo e me acusar�o de derrotista, gera��o de fracassados que s� reclama do Wright e do Arag�o. N�o tenho como negar esta verdade: a cada quarta-feira sentado no sof� vendo Palmeiras e Flamengo, mais me assemelho ao Bolsonaro diante da performance de seus concorrentes no “Jornal Nacional”: a corcunda se arqueia, o peito, antes de um chester, afunda-se em si mesmo, a revelar o chassi de frango. A pele do rosto se derrete, escorre a gosma da derrota.
Assim como no caso do Bozo, a esperan�a do atleticano reside no cada vez mais improv�vel segundo turno. Ele, Bozo, previu a virada em junho, depois julho, depois agosto, agora setembro. Igualzinho a gente. Ele o Bozo, n�s os palha�os.
Cansados, pois, da palha�ada, integrantes da Galoucura foram cobrar provid�ncias.
Lembrei-me de uma �poca em que a minha produ��o para o jornal no qual trabalhava n�o estava l� essas coisas. Ao chegar � reda��o, leitores cercaram meu carro: “E a�, mano, vai ficar de corpo mole nessa porra? A gente sempre leu seus artigos, caralho, se n�o t� satisfeito mete o p�. Escreve por amor ou escreve por terror”.
Apavorado, sentei na minha mesa e sa� escrevendo pelos cotovelos. Na semana seguinte, meus furos tinham derrubado um presidente e no final ganhei o Pr�mio Pulitzer. Funciona. Um amigo engenheiro, tendo passado por situa��o semelhante, come�ou a construir com tamanha vol�pia e determina��o que o edif�cio em que trabalhava rompeu as nuvens e alcan�ou a estratosfera. � verdade esse bilete.
Ah, tempos idos, sejam bem-vindos! At� porque, estamos a viver tamb�m no feliz ano velho em que a gente ganhava sempre do Am�rica. De modo que amanh� tem! Agora � perseguir o 45. � n�is contra eles. Reinaldo acima de tudo, Galo acima de todos!