
Comentei com um amigo que a coluna anterior, sobre a morte da Fabi, tinha provocado um tsunami de amor, expresso nas milhares de mensagens que recebi ao longo da semana. E que isso havia me comovido a tal ponto, que me achava desidratado de tanto chorar. Agora, disse a ele, estava sentado em frente � p�gina em branco sem saber como continuar.
Precisava voltar ao tema do futebol, ao assunto que afinal ocupava, at� outro dia, os 10% da minha cabe�a animal (percentual que a gente efetivamente usa, segundo o Raul Seixas) – o Clube Atl�tico Mineiro, o espa�oso inquilino das nossas mentes e cora��es, esse MST assentado em nossa massa cinzenta.
“Fale de banalidades”, aconselhou o amigo palmeirense, uni�o sinistra que ningu�m segura. Um bom cronista � artista especializado na escultura das ideias a partir de banalidades diversas, do comezinho da vida, do trivial que nos escapa. O Ant�nio Prata, corintiano, � de longe o meu preferido da atualidade. Um incr�vel ordenhador de pedras, um Krajcberg da conversa fiada. Eu adoro esse cara.
Na minha particular obsess�o sobre o tema que desejava inutilmente evitar, pensei aqui com meus bot�es: n�o h� qualquer originalidade em se morrer, e a morte, nesse sentido, � a maior banalidade da vida – a �nica certeza, como diz o outro. No entanto, ela agora me comove mais do que mil luas, mais do que mil conhaques que pudesse beber o Drummond.
Tento explicar � terapeuta a qualidade do meu choro. “Ele n�o � de desespero nem de revolta. Eu choro de emo��o.” Sim, eu sou emocionado, sou um homem que chora, e agora, ent�o, tenho preferido o Gatorade ao conhaque, de modo a repor o l�quido perdido. “Vou te contar uma coisa sobre a rela��o entre a minha pessoa e o meu time de futebol”, digo, sempre confiante de que todos sabem que 11 homens de listrado correndo atr�s da bola � a mais perfeita met�fora da vida. Vou em frente, corajoso.
“Quando eu era pequeno, as derrotas do Galo me feriam de tal forma, que eu chorava desesperado, um choro profundamente do�do, sufocante, como que a expurgar todas as injusti�as do mundo, dos homens e de Deus. De repente, calculo que ali pelos meus 30 anos, e sem nenhum motivo que eu possa me recordar, passei a chorar apenas nas vit�rias. A derrota me faz indiferente. A vit�ria me arranca a mais desbragada das emo��es. Eu choro o gol no final, a catarse da minha torcida, o t�tulo imposs�vel que eu sempre sonhei.”
Chorar pacifica tudo, d� um soninho bom, restaurador, se puder entregar-se � pestana que se sucede ao colapso nervoso. Sem querer parecer um idiota, mas j� parecendo, volto ao futebol: depois de chorar os t�tulos mais importantes das nossas vidas, eu me entreguei ao que nem era mais a pestana, mas um estranho per�odo de hiberna��o.
Por longos meses, n�o conseguia mais me emocionar. Depois de 2013, por cerca de 8 ou 9 meses fui secretamente um falso torcedor, acometido por aquela falta de sensibilidade do isent�o, aquele inabal�vel cora��o de pedra, um Michel Temer das arquibancadas. A virada sobre o Flamengo na Copa do Brasil de 2014, o 4 a 1 eterno, veio me resgatar desse desalmado estado de torpor.
Depois de 21, passei todo o ano de 22 sem qualquer sentimento sobre o Atl�tico. Eu era a Gal cantando “socorro, n�o estou sentindo nada, nem medo, nem calor, nem fogo. N�o vai dar mais pra chorar, nem pra rir. Socorro, alguma alma mesmo que penada me entregue suas penas. J� n�o sinto amor, nem dor, j� n�o sinto nada”.
Socorro! Ent�o veio 23, e por motivos que t�m a ver com a Fabi, estou comovido como o diabo. Todas as mensagens que me chegaram, uma maioria de atleticanos, uma gente t�o maravilhosa, me fez chorar com o Galo depois de tanto tempo. Quando a gente ganhou a Libertadores de 2013, escrevi da arquibancada do Mineir�o, morrendo de chorar: “Queria ter bra�os gigantes para abra�ar toda essa gente”. Fa�o isso agora, em nome da Fabi e de toda a minha fam�lia.
O Galo � uma m�quina de fazer homem chorar. O Galo nunca ganha quando a gente n�o se comove. Pois agora eu acho que a gente vai ganhar � tudo. Vai passar na quarta-feira, vai ganhar o Mineiro. E levaremos todos ao Mundial os nossos cora��es de pedra. Socorro! Vamo, Galo, pelamordedeus.