
“Mas na catraca a gente ganha”. Todo cruzeirense quarent�o ouviu esse resmungo da sofrida e prepotente Turma do Sapat�nis, na d�cada de 1990, a cada t�tulo levantando pelo nosso escrete. Fosse no recreio do col�gio, nos corredores da universidade, na reuni�o da firma, ouvindo a aldeia esportiva ou no almo�o familiar de domingo, com a presen�a dos “primos de Lourdes” e seus su�teres engomados.
Isso n�o � um fen�meno da �ltima d�cada do s�culo XX. Historicamente, a necessidade de se construir uma leviana superioridade sobre o Cruzeiro sempre foi uma maneira de manter o carcomido status quo dos clubes da elite belo-horizontina, que, inevitavelmente, pelo poderio econ�mico de suas oligarquias, detinham o monop�lio do discurso midi�tico. Resumindo, a estrat�gia milenar de “repetir uma mentira mil vezes at� que ela se torne uma verdade”.
Dos ingressos esgotados no Est�dio do Prado para a estreia do Palestra, em 1921, ao eterno recorde do Mineir�o, em 1997. Do primeiro t�tulo em 1926 � alforja de multicampe�o, em 2018, antes mesmo de completar 100 anos de hist�ria. Do “Cruzeiro Duro” das p�ginas heroicas do estadinho do Barro Preto � Academia Celeste a encantar o mundo. Dos italianos, oper�rios, perif�ricos e interioranos a uma boa fatia da elite que se rendeu ao clube que nascia para destronar os endinheirados. N�o � dif�cil entender o porqu� da necessidade – at� hoje – de falastr�es funcionais e detentores de fortunas se abra�arem ao Am�rica Mineiro para tentarem esconder a decad�ncia secular. S�o as mil mentiras necess�rias para se igualarem as dolorosas verdades do futebol mineiro escritas por Piorra, Fantonis, Bengala, Ismael, Alcides, Piazza, Tost�o, Dirceu Lopes, Boiadeiro, Marcelo Ramos, Alex e F�bio.
Crises financeiras? Foram in�meras. D�cadas de 1920 (o crash na economia global), 1940 (a persegui��o na II Guerra Mundial), 1950 (a quase extin��o do departamento de futebol), 1980 (a falta de dinheiro para pagar at� a conta de luz), 2000 (os desmontes dos p�s-t�tulos para saldar d�vidas) e o crime do qual o Cruzeiro foi v�tima em 2019. Em todas elas, duas singularidades sempre escamoteadas pelos detentores do discurso midi�tico e publicit�rio. A primeira: os n�meros provam o quanto a Fam�lia Palestrina e a Na��o Azul se mantiveram apaixonadas a todo tempo e em ritmo de crescimento constante, batendo recordes de m�dia de p�blico desde a d�cada de 1930 ao campeonato nacional Roberto Gomes Pedrosa, nos anos de 1960. A segunda e mais dolorosa para os “mentirosos das mil vezes”, a de que a combina��o “torcida cruzeirense e t�tulos” levou o clube a se tornar o �nico gigante de Minas Gerais.
Hoje, em tempos de redes sociais, interatividade, engajamentos, monetiza��o (termos intrag�veis para quem gosta de um ch�o duro de arquibancada) e a nova crise financeira, essa discuss�o se acende novamente. Como diria Jos� Sim�o, tucanaram o “torcedor de sof�”, e em tempos de pandemia e est�dios sem torcida, essas novas “catracas” tornam-se um mal necess�rio.
Cabe a n�s, cruzeirenses, nos adaptarmos a essa �nica forma poss�vel (por enquanto) de contribuir com #UmNovoCruzeiro (vide a Opera��o Fifa). Por outro lado, fica o alerta ao clube para ter sensibilidade e, principalmente, viv�ncia de arquibancada (e n�o s� de teclado e m�tricas) para n�o nos distanciarmos da verdade constru�da ao longo de 100 anos. � vital colocar a intelig�ncia tamb�m a servi�o de manter viva e apaixonada uma torcida onipresente no interior e amante dos est�dios.
N�o adianta apostar em estrat�gias como a de algum mecenas se passar por milhares de torcedores, comprando 100 mil camisas para – no m�nimo – transformar isso em marketing. Primeiro, porque n�o temos dinheiro para tal. E mesmo se tiv�ssemos, de mil mentiras como essa, das catracas rodadas ao vento ou de torcida de alto-falante, n�s, cruzeirenses, jamais nos sentir�amos envaidecidos. O nosso orgulho est� enraizado no fato de amarmos o time mineiro das verdades hist�ricas ditas uma vez s�.