
Muito se fala sobre o Cruzeiro sobreviver. Por tr�s da constru��o desse falacioso discurso midi�tico e/ou aristocrata existem duas motiva��es: a ignor�ncia quanto � hist�ria do clube criado pelos trabalhadores de Belo Horizonte e/ou o desejo de quer�- lo mal. Simples e direto assim.
Enquanto houver ao menos um dos 9 milh�es de cruzeirenses nessa Na��o Azul, JAMAIS se deve conjugar “sobreviver” com “Cruzeiro”. O Palestra/Cruzeiro construiu sua hist�ria centen�ria, nos momentos bons ou ruins, conjugando outro verbo, o qual, numa an�lise superficial, pode at� parecer sin�nimo de “sobreviver”, mas que na ess�ncia � antag�nico. Falo de “resistir”. Verbo �pico, grandioso e apaixonante, como ser cruzeirense.
No in�cio do s�culo XX, os imigrantes italianos e outros trabalhadores enfrentaram a repulsa da aristocracia belo-horizontina. Fundaram a Societ� Sportiva Palestra Italia exatamente para resistir a isso. Foram hostilizados e perseguidos com viol�ncia, mas rapidamente incomodaram. Levantamento feito pelo designer Romero Marconi, um dos maiores estudiosos do Cruzeiro pr�-Mineir�o, mostra que, de 1921 a 1945, o Palestra It�lia conquistou o mesmo n�mero de t�tulos (oito) do ent�o rival, Atl�tico de Lourdes. Tamb�m foi o primeiro a ter jogadores contratados por clubes do exterior (a trinca genial da Fam�lia Fantoni: Nin�o, Nininho e Niginho) e o clube mineiro, nesse per�odo, com o maior n�mero de convocados para a Sele��o Brasileira: Niginho (duas vezes) e Juvenal.
Mas foi no meio disso tudo uma das maiores resist�ncias da qual n�s, cruzeirenses, devemos nos orgulhar: a de 1942. Em plena II Guerra e uma onda de vandalismo e agress�es contra os imigrantes em Belo Horizonte e no pa�s, a ditadura de Get�lio Vargas, que pouco tempo antes havia exaltado Adolf Hitler, imp�s a proibi��o de qualquer alus�o a pa�ses do Eixo, como a It�lia.
O Palestra tinha duas op��es: sumir ou resistir. No dia 7 de outubro de 1942, mudamos de nome para Cruzeiro. Aquela “Resist�ncia Palestrina” deu a Minas Gerais a chance de, anos depois, ter um gigante no futebol capaz de apresent�-la para o Brasil e para o mundo.
O nosso momento agora � de, mais uma vez, evocar essa tradi��o por resistir. Enquanto outros sobrevivem do sentimento de nos desejar o mal, n�s, palestrinos de nascen�a e cruzeirenses de forja, resistimos. Sem nunca deixar de cobrar jogadores, diretoria e conselheiros, n�s, torcedores, devemos nos unir por amor.
Numa viagem a Canudos, sert�o da Bahia, local do maior movimento brasileiro de resist�ncia popular, escrevi parte de um dos meus livros, Jardins da arara de lear. Nele, h� uma cr�nica de nome Ser-T�o-resistente. Aqui, divido trechos dela, pedindo a voc�, palestrina e palestrino, que leia, trocando “sert�o” por “Cruzeiro” e “sertanejo” por “cruzeirense”.
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“Andam dizendo ser a terra do nada. H� quem imagina o sol como o �nico a n�o querer abandonar o sert�o. Juram de p� junto ser o lugar est�ril, onde n�o se planta p� de felicidade, pois ali n�o brota. Ensinam fome e sede como sin�nimo de sertanejo.
Mas como explicar a quantidade de quer�ncia num lugar que s� do bicho-homem tem uns 20 milh�es? O sert�o, mo�o, pode at� parecer a regi�o do nada, mas � mesmo a terra de um tudo. Camuflado, para se esconder do mal, dos esp�ritos ruins, do cabra da peste, do tinhoso e da morte.
Afinal, qual o tamanho do sert�o? Qu�o � cantado, saqueado, praguejado e explorado?
Resiste. Homem, bicho e mato. L� � assim. Se vai, mas se volta. Se luta onde quase sempre se falta. Para se viver nesse lugar, s� na valentia.
Engana-se quem pensa que o sertanejo, homem, bicho, ful�, luta para sobreviver. Ele luta � para nunca viver sem amor. Quem apenas sobrevive n�o tem escolhas. J� quem resiste, escolhe um territ�rio para amar. O sertanejo insiste, quase morre pelo seu sert�o. Porque homem forte n�o pede clem�ncia. Ele luta por sua honra.
Se morre, morre lutando.”