A Rua Guajajaras, nos quarteir�es pr�ximos da sede do Cruzeiro Esporte Clube, no bairro italiano do Barro Preto, estava tomada por um mar azul. Vinte mil torcedores em sil�ncio absoluto. Em todas as faces, sinais de apreens�o. Em algumas, os dentes rangiam. Olhos fixos no port�o por onde entraram, durante 100 anos, ta�as, conquistas e g�nios do futebol arte.
De repente, se iniciou um barulho ritmado e ensurdecedor. Milhares de palmas, sem nenhuma palavra de apoio ou viol�ncia. Essa foi a rea��o quando um homem deixou o interior do pr�dio, postou-se na cal�ada, abriu o livro de atas e passou a ler as decis�es tomadas, ali h� pouco, ao final da derradeira reuni�o do Conselho Deliberativo. Soltou a voz:
“Gra�as a voc�, Na��o Azul, eles foram obrigados a decidir por:
1 – Os conselheiros envolvidos no processo de destrui��o moral e patrimonial do clube, finalmente, est�o definitivamente banidos do Cruzeiro Esporte Clube. Tanto eles, quanto seus descendentes, est�o impedidos, de forma vital�cia, de pisarem em qualquer metro quadrado de patrim�nio da institui��o.
2 – Todos os conselheiros presentes, sejam eles c�mplices, inertes ou mesmo bem-intencionados, mas convenientemente passivos, entregaram seus cargos. A partir de hoje, o Conselho Deliberativo, no modelo de castas, est� oficialmente extinto, j� que eles ter�o o mesmo peso do que qualquer outro torcedor que sustenta o clube nas arquibancadas e em outras cidades do mundo.
3 - A proposta de mudan�a do estatuto, escrita a sete chaves e sem transpar�ncia para com o torcedor, foi rasgada e, daqui em diante, ser� reconstru�do democraticamente a partir de assembleias realizadas nas arquibancadas do Mineir�o e nas pra�as p�blicas dos munic�pios do interior de Minas Gerais.
O estalar de palmas e as bocas silenciadas e salgadas pelas l�grimas que desciam at� elas, foram cortados por um garoto vestido de azul. Com o punho erguido, fone ao ouvido, ele gritou: “Gol! Vencemos mais uma peleja!”. O triunfo selava uma sequ�ncia de 10 vit�rias seguidas, que garantia a volta antecipada do Cruzeiro � S�rie A, coroando o epis�dio que ficou conhecido como “A Retomada”.
Ele aconteceu numa tarde em que, cansado de esperar, o povo cruzeirense, fam�lias inteiras marcharam at� a Toca da Raposa II e a tomaram pacificamente. Ali, instalaram uma Diretoria Popular e Transparente de Futebol e lan�aram uma cartilha para diretores, empres�rios e jogadores. Nela, uma lista das proibi��es e deveres quanto ao acesso ao centro de treinamento do �nico gigante de Minas Gerais, como:
1 – Para vestir o manto sagrado do Cruzeiro � preciso ter “vergonha na cara” e ser temente �s arquibancadas.
2 - Todo e qualquer contrato ou pagamento de comiss�es deve ser divulgado publicamente antes de ser assinado ou pago, com valores, nomes e fichas criminais dos empres�rios checados e validados.
3 – Profissionais e amantes de videogame, likes de rede social e holofotes est�o proibidos de entrar na Toca da Raposa II. Aqui o instrumento de futebol � a bola, e n�o o smartphone ou a vaidade.
Conselho destitu�do e tomado pelo torcedor de arquibancada; novo estatuto escrito de forma popular; canalhas da gest�o Wagner Nonato Pires Machado de S� definitivamente presos; jogadores sem vergonha na cara expulsos (medalh�es desinteressados ou jovens arrogantes e ranzinzas) sem qualquer tipo de clem�ncia e a cria��o de uma Diretoria Popular, Transparente e Democr�tica de Futebol.
Esse seria o 7 de outubro de 2020 dos meus sonhos, se eu ainda tivesse for�a para sonhar.
***
ERREI: Na cr�nica da �ltima semana, informei que entre 1921 e 1945, o Palestra/Cruzeiro possu�a o mesmo n�mero de t�tulos do Atl�tico de Lourdes. Na verdade, naquele per�odo, ele conquistou um a menos. O que n�o muda o contexto da compara��o da sua grandiosidade. O erro foi meu e por isso, pe�o desculpas ao estudioso Romero Marconi por ter sido citado na passagem da cr�nica e ao mesmo tempo, ter sido v�tima de cr�ticas de pessoas infelizes.