
Ao final da peleja matem�tica contra o Vasco, meu corpo era pequeno para abarcar a avalanche de sentimentos. Eu havia acertado o placar. Tive a premoni��o do gol do Luvannor, e, quando ele aconteceu, ontem, eu n�o chorei.
Abracei forte meu irm�ozinho de alma, Bernardo, e tantas outras pessoas que vieram dividir comigo o quanto as minhas palavras havia lhes tocado o cora��o. Isso foi ontem e eu n�o chorei.
J� era madrugada. Permaneci est�tico na arquibancada, perplexo com a festa. Dopado por tanto amor emanado por uma multid�o azul e estrelada, lembrei de cada cap�tulo dos meus 46 anos de Cruzeiro. Desde a primeira vez no est�dio, levado pelo meu velho pai, e de todas as vezes que, mesmo longe do campo, tive a paci�ncia alheia pela minha constante aus�ncia por estar me dedicando a fazer pelo Cruzeiro. Mas grato por tudo, ontem, eu n�o chorei.
Quando o escrete se reuniu no c�rculo central para a tradicional sauda��o do acesso, ouvi do rapaz ao meu lado, em prantos: “Isso � para o meu av�. Ele morreu. Eram sobre o Cruzeiro as nossas mais lindas conversas”. Meus olhos ficaram perto de marejar, mas, ontem, eu n�o chorei.
Agora, um dia ap�s a catarse azul estrelada, ao rabiscar essas mem�rias, me veio a clarivid�ncia do porqu�. N�o chorei, pois meus olhos precisavam estar l�mpidos para decifrar as tantas l�grimas ao meu redor.
O senhor vestido com uma touca celeste, me olhou. Movimentou freneticamente os punhos erguidos. N�o disse uma palavra sequer. Nenhum delas seria necess�ria, pois eu vi sua l�grima limpar-lhe do rosto a revolta por passar tr�s anos escutando blogueirinhos e Bilion�rios do Brasil Mis�ria tratando a queda do Cruzeiro com o deleite de um escravocrata s�dico, de um estuprador frio, de um corrupto s�rdido, de um imbecil fascista.
Na escadaria, o rapaz ajoelhado. As palmas das m�os juntas, em posi��o de s�plica. Tinha o rosto quase colado ao ch�o encharcado. Era imposs�vel ouvir seus sussurros. N�o era preciso, pois eu vi sua l�grima arrancar-lhe da face a dor pelo p�nalti chutado para fora em 2019 ou das humilhantes derrotas de 2020 e 2021.
A formosa menina de cal�a branca cruzou o caminho. Gritava versos desconexos. Entend�-los n�o faria diferen�a, pois eu me atentei � sua l�grima a livrar-lhe da vergonha de torcer por times montados com amontoados de refugos.
O pai com o filho “de cavalinho” no pesco�o, lhe batucando a cabe�a, alheio ao motivo da festa das outras 60.000 crian�as de todas as idades em �xtase. O orgulho por dividir aquele instante com seu rebento provocou-lhe a l�grima e ela lhe lavou o solu�o preso pelos quase dois anos de pandemia sem poder entrar num est�dio para estender as m�os e a voz, acudir um Cruzeiro ferido quase de morte.
A noite foi de milhares de l�grimas a limpar tamb�m saudades (ah, Salom�...) e esperas. A multid�o chorou a recompensa por sua pr�pria luta.
H� 101 anos, esse povo se juntou e decidiu criar um time para chamar de seu. Agora, ap�s os tr�s piores anos da vida dessa linda criatura vinda das ruas, chamada Cruzeiro/Palestra, esse mesmo povo – pelos seus bra�os, colos, vozes e l�grimas – a ergue novamente.
Do povo, o Cruzeiro veio. Pelo povo, o Cruzeiro voltou.
E a sua l�grima de ontem lavou o qu�? Seja pelo que for, venho aqui para lhe dizer “muito obrigado” por doar sua l�grima para devolver o nosso Cruzeiro ao lugar de onde nunca deveria ter sa�do.
Dito isso, agora, finalmente, eu me permitirei chorar as minhas.