Di�rio da quarentena
Bem-vindo � luta
J�lia Tizumba
Cantora e atriz

As palavras do momento t�m sido aceita��o e f�. Experimento ser como as �guas doces dos rios, que seguem o fluxo, entregues. Passam por rochas, pedras, galhos, folhas, quedas fortes de cachoeira e seguem fluidas, sem se deter por nada, sem controlar, na certeza de que seu destino � o mar. Assim atravesso este momento: ancorada na espiritualidade e sob a guian�a de minha m�e Oxum.
Em casa, na ro�a, com o companheiro Belisario, nossa primog�nita Iara M�e D’�gua e a ca�ula Serena na barriga. Gr�vida, prenha, carregando a esperan�a no ventre.
Para quem sabe, desde muito crian�a, que vidas negras importam, que a hist�ria deste pa�s foi constru�da de forma cruel, desigual, e que sofremos os reflexos de tudo isso at� hoje, n�o h� novidade.
Os acontecimentos nos EUA, o isolamento social e as tecnologias que nos permitem filmar e viralizar uma cena cruel de assassinato podem colocar uma lupa ou direcionar os holofotes para Jo�os, Migu�is, Amarildos e Cl�udias que morrem em grande quantidade, todos os dias, desde sempre e invisibilizados pelo sistema brasileiro racista, machista e elitista.
Mas n�o h� novidade. Ao assistir a notici�rios e analisar a realidade, me visitam sentimentos como tristeza, raiva, indigna��o, medo, impot�ncia. Isso tamb�m n�o � de agora, vem desde que me entendo por gente.
E desde que me entendo por gente, fiz duas escolhas: lutar por um mundo mais justo e ser feliz. Por isso, em honra aos que vieram antes de mim e preparando o terreno para os que chegam, esses sentimentos passam. O que fica, como sempre ficou, � a esperan�a, a miss�o de alma de contribuir para a transforma��o da realidade, o desejo revolucion�rio de contrariar as estat�sticas impostas pelo sistema e estar bem.
Tamb�m entendi, bem antes da quarentena, que apesar da minha vontade, n�o vou conseguir mudar o mundo inteiro. Decidi, ent�o, mudar o que posso, transformar o que for poss�vel no meu entorno, colocar o meu gr�o de areia para a constru��o de um mundo mais justo a partir das minhas escolhas e a��es di�rias, dos lugares que ocupo, da cria��o das minhas filhas, do meu trabalho, do que est� ao meu alcance.
Por ora, tenho repousado meu olhar e esquentado meu cora��o nas alegrias simples da vida, como fazer uma horta, sentir o sol batendo no rosto junto da fam�lia, olhar os p�ssaros e os macaquinhos nas �rvores, aprender com a sabedoria da natureza.
Quero acreditar que sairemos melhores l� na frente. Para quem acordou agora, bem-vindo � luta! Escolha sua arma, h� muitas: papel e caneta, livros, tambores, microfone, embate assertivo, diplomacia, cess�o de privil�gios, ocupa��o de espa�os de poder. Nesse time, voc� pode escolher a posi��o e o estilo de jogo: ataque, defesa, meio-campo, jogar por fora, por dentro.
O importante � fazer gol. Ganhar este jogo contra a desigualdade, o preconceito, o desrespeito � diversidade, a m� distribui��o, a falta de estrutura e contra tudo que viola os nossos direitos humanos.
Que as �guas n�o faltem e nos levem, nos lavem, nos curem, aben�oando nossa sa�de mental, f�sica e espiritual.
