Trabalhador negro tem a roça ao fundo em quadro de Portinari

Detalhe do quadro 'Mesti�o', pintado em 1934 por Candido Portinari

Projeto Portinari/divulga��o

'O negro foi tema constante em toda a obra do meu pai. Assis Chateaubriand chegou a escrever um texto dizendo que Portinari era o maior pintor de negros das Am�ricas'

Jo�o Candido Portinari, diretor do Projeto Portinari



Um recorte da obra de Portinari (1903-1962) at� certo ponto �bvio, por�m pouco explorado, d� o tom da exposi��o que ser� aberta nesta segunda-feira (22/5), em Paracatu, cidade do Noroeste de Minas, antecipando em quatro meses a estreia do festival liter�rio da cidade, previsto para 23 a 27 de agosto.
 
“Portinari negro” re�ne 42 reprodu��es selecionadas por Jo�o Candido, filho do pintor e curador da mostra, tamb�m diretor-geral do Projeto Portinari. As imagens, que retratam a popula��o afrodescendente do Brasil, ser�o exibidas em estruturas de dois a tr�s metros de altura, na pra�a da Matriz de Santo Ant�nio, dando a ideia de museu a c�u aberto.

Entre os destaques est�o as pinturas “Retirantes” e “Cana-de-a��car”, sobre a dura vida dos trabalhadores rurais, muitos deles negros, explorados durante s�culos no pa�s. Outras obras tratam da cultura afro-brasileira, como “Samba” e “Festa de S�o Jo�o”. O racismo estrutural est� presente em “Caf�”, de 1935.
 
Jo�o Candido Portinari diz que a ideia da mostra surgiu quando o produtor Afonso Borges, realizador dos festivais liter�rios de Itabira e Arax�, lhe falou sobre Paracatu.
 
“Ele comentou que a maioria da popula��o da cidade � negra, e lembrei que o negro foi tema constante em toda a obra do meu pai. Assis Chateaubriand chegou a escrever um texto dizendo que Portinari era o maior pintor de negros das Am�ricas”, afirma.
 
Quadro Café, de Portinari, mostra trabalhadores em roça de café

'Caf�': retrato da desigualdade social que castiga o trabalhador negro brasileiro

Projeto Portinari/divulga��o
 

O m�ltiplo Portinari

O curador explica que seu pai pintou o negro n�o apenas em cenas de trabalho, mas tamb�m com olhar l�rico, flagrando casamentos na ro�a, brincadeiras de crian�a e fazeres art�sticos. Segundo ele, a multiplicidade de representa��es guiou sua curadoria, a partir da imers�o no acervo de 5,4 mil pe�as sob a guarda do Projeto Portinari.
 
“Gostaria que um curador negro tivesse assumido a fun��o, o que n�o foi poss�vel por quest�es log�sticas e de tempo. Existe a cr�tica que se faz hoje em dia, e acho muito pertinente, de que uma coisa � o olhar do branco sobre o negro – e eu sou branco –, e outra � o olhar do negro sobre si mesmo”, pontua o filho de Portinari.
 
 
 Jo�o observa que o Google Arts & Culture mant�m pequeno conjunto de obras de seu pai com o recorte na figura do negro, mas diz ter “quase certeza” de que esta � a primeira vez em que uma exposi��o f�sica � realizada com foco nesse aspecto do legado de seu pai. 
 
O curador destaca que se trata de lacuna not�vel, dada a presen�a marcante do afrodescendente na produ��o de Portinari.
 
Casal no quadro Namorados no balcão, de Portinari

Detalhe do quadro 'Namorados no balc�o": lirismo modernista

Projeto Portinari/divulga��o
 
 
Na d�cada de 1940, o pintor foi procurado pelo diretor da galeria de arte da Howard University, em Washington D.C., historicamente voltada para a educa��o dos negros nos EUA.
 
“Ele o convidou a expor, disse que sabiam da posi��o do meu pai em rela��o � quest�o racial”, comenta. A segrega��o racial, na �poca, era institucionalizada nos Estados Unidos, situa��o que passou a se reverter a partir da d�cada de 1960.
 
A mostra foi realizada, e a primeira pessoa a visit�-la foi a ent�o primeira-dama americana Eleonore Roosevelt. “Essa � uma hist�ria pouco contada, quase ningu�m sabe”, diz Jo�o Candido. 
 
Na esfera �ntima, afirma, esse talvez n�o fosse um assunto colocado de maneira expl�cita pelo pai, fato que atribui ao ambiente em que o pintor circulava.
 
“Tem a ver com a gera��o com a qual ele conviveu, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, M�rio de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Villa-Lobos, Luiz Carlos Prestes, todos brancos. Mas ele teve um grande amigo, o poeta cubano Nicol�s Guill�n, negro, com quem acho que discutia muito essas quest�es. Guill�n chegou a fazer um poema, 'Un s�n para Portinari', posteriormente musicado, que entrou para o repert�rio de Mercedes Sosa.”

Influ�ncia quilombola

Curador do 1º Festival Liter�rio de Paracatu (Fliparacatu), o jornalista Tom Farias ressalta que “Portinari negro” dialoga com o tema do evento, “Arte, literatura e ancestralidade”. E lembra a presen�a de v�rias comunidades quilombolas naquela regi�o de Minas.
 
“Percebemos a demanda por essa discuss�o para que possamos refletir sobre todo o imagin�rio, toda a quest�o da escravid�o, que foi muito marcante na cidade. A exposi��o de Portinari complementa demais essa tem�tica. S�o trabalhos que fazem uma leitura bem ampla da quest�o racial ao longo do s�culo passado”, aponta.
 
A mostra servir� de base para um concurso de reda��o, que ter� edital lan�ado com o tema do festival e pr�mios em dinheiro para crian�as e jovens da rede p�blica de ensino.

“PORTINARI NEGRO”

Reprodu��o de pinturas de Candido Portinari. De hoje (22/5) at� 3 de agosto, na Pra�a da Matriz de Paracatu.