O sol na cara, a Giovana toda de branco, megafone na m�o, dando salve, a fot�grafa pedindo para subir no ombro do bombeiro, muitos gritos, livros nas m�os; o calor teimando em acontecer num dia de outono, dia dos namorados; o estacionamento de carrinhos de beb�s na arquibancada, muitos sotaques e uma euforia generalizada de quem sabe estar fazendo algo grandioso: registrar, historicamente, as mulheres que escrevem no agora.
Se me perguntarem do que lembro do GRANDE DIA - calma, eu vou explicar logo menos do que se trata -, essas v�o ser algumas das cenas que vou descrever. Mas tamb�m posso dizer dos abra�os que dei em pessoas que eu senti muita saudade durante a fase mais aguda da pandemia, em pessoas que gostaria muito de encontrar pessoalmente e, finalmente, encontrei.
At� aqui, parece s� um dia comum, n�o � mesmo? Mas se me perguntarem, direi que esse foi, sim, um grande dia. E que vai reverberar por muito tempo.
Posso, inclusive, dizer da sensa��o de pertencimento. De sentir que eu estava exatamente onde deveria estar: ao lado de tantas outras pessoas que fazem o mundo um lugar minimamente melhor e mais habit�vel em meio a tanta coisa.
A hist�ria da foto e a foto hist�rica
H� pouco mais de tr�s semanas, encontrei a escritora Giovana Madalosso num evento liter�rio. Ela me contou dos planos de criar, agora, uma foto como a que ficou conhecida como “Um Grande Dia no Harlem”. A imagem feita por Art Krane num dia de ver�o de 1958, embaixo da fachada de um pr�dio baixo, mostra os m�sicos de jazz da �poca e eles somam 57.
Confesso que n�o conhecia a foto, mas n�o consegui disfar�ar o brilho que me atingiu quando ela disse: quero fazer uma com as escritoras do agora, afinal, se este n�o � o maior movimento que estamos vivendo na atualidade, com tantas mulheres que escrevem, qual seria?
Assim, ela juntou-se a Nat�lia Timerman e Paula Carvalho na organiza��o do nosso Grande Dia, que contou tamb�m com apoio de Paulo Werneck e do evento “A feira do livro” que ocorreu no estacionamento do Est�dio do Pacaembu no �ltimo domingo (12/06).
Na hora do clique, a escadaria Patr�cia Galv�o, programada para receber as autoras com suas obras ficou pequena. Foram mais de 400, segundo a contagem oficial. Na minha cabe�a, megaloman�aca, �ramos umas mil escritoras. Otimista, talvez. Mas, veja bem: faltou tanta gente.
E por falar em falta, Giovana me acionou para que eu ajudasse no salve �s mulheres pretas e perif�ricas. Me empenhei em lembrar de todas que eu conhe�o e que tinha o telefone. Fiz o convite. Apareceram poucas, perto da literatura que fazem. No entanto, se fizeram presentes e ali, na organiza��o, tomaram a linha de frente da arquibancada do est�dio, para onde a foto precisou ser transferida, em raz�o do grande n�mero de pessoas.
Ali, entregaram cartazes que alertam: o primeiro romance publicado no Brasil foi escrito por uma mulher preta. “�rsula”, de Maria Firmina dos Reis. E est� l�, na foto, os cartazes segurados pelas escritoras perif�ricas, que se posicionaram ao lado das pretas, tamb�m na primeira fila. Espero, honestamente, que mais pessoas tomem conhecimento desse dado. E que leiam Maria Firmina. E que leiam mulheres pretas e perif�ricas.
A grande foto
Entre muitos cliques, quem conseguiu a GRANDE FOTO foi Armando Prado. Segundo Giovana Madalosso, ele apontou a lente, mas quem apertou o obturador foi bell hooks. N�o duvido. E agora, pra eternidade, estamos nessa hist�ria. Nessa arquibancada. Nesse momento. No hoje.
Marina Vieira tamb�m fez v�rios cliques. Como eu disse, at� nas costas de um dos bombeiros ela subiu, � procura da foto perfeita. Elas sa�ram no jornal.
Daqui, fica a lembran�a. A hist�ria que contaremos para al�m dos nossos livros. A hist�ria que, provavelmente, estar� nos livros de hist�ria. E, claro, aquela GRANDE HIST�RIA, que ser� a de cada uma das 400 mulheres ao se lembrarem e narrarem o nosso GRANDE DIA. Que del�cia estar viva neste momento.
A Grande Foto neste Grande Dia aconteceu tamb�m em pelo menos mais uma dezena de cidades no Brasil, entre elas Belo Horizonte, e no mundo afora.
Vale dizer que, da arquibancada, houve um coro pedindo “Fora Bolsonaro” e muitas vozes puxando um “Lula L�”, barrados pela gest�o do est�dio, que, privatizado, amea�ou n�o aprovar a foto caso bandeiras n�o fossem guardadas e gritos n�o fossem interrompidos. “Sem manifesta��o pol�tica”, disseram. Mas, tudo bem. Sabemos que, por si, nossa exist�ncia j� � pol�tica. N�o importa o que falemos. O que gritemos. Estar ali, vivas, em nossos m�ltiplos corpos e, entrando para a hist�ria do nosso pa�s, j� garante isso.
Como bem escreveu Ana Rusche, num post sobre o grande dia: “(...) O futuro, quando essas mulheres tecer�o os fios narrativos das milh�es de hist�ria que est�o no ar. Agora”. Que seja.