J�ssica Balbino

Da minha tela em branco, penso em como come�ar essa coluna. Eu poderia, aqui, tentar virar seu voto, mas eu j� fiz isso na mais recente - e espero que tenha dado certo. Ali�s, espero que todas as tentativas, at� a musiquinha chata de ‘vira vira vira voto vira’ estejam dando resultado em prol da democracia e que, nesta guerra de status de WhatsApp, ou zap, como condenamos nossas tias mais velhas de falarem e agora falamos, esteja convertendo eleitores para nos afastarmos da autocracia que nos amea�a, com seu rabo pontudo e seus chifres, baforando no nosso cangote a todo instante.
N�o, n�o t� falando de ritual sat�nico na ma�onaria ou da distribui��o da ‘mamaseita do bode’ para as nossas crian�as nas escolas. Estou falando do que ultrapassa os limites inclusive da virtualidade. N�o � novidade que se mata em nome da pol�tica. Um breve levantamento no google mostra mais de 2 milh�es de resultados para a express�o “bolsonarista mata”.
E mata mesmo. Mata de forma ardilosa. Um pouco por dia. Todo dia. H� quatro anos. E ainda que ven�amos nas urnas no pr�ximo dia 30, temos que vencer o autoritarismo que ganhou espa�o no cora��o de tanta gente, seja por identifica��o, atrav�s da igreja, atrav�s do pr�prio trabalho ou do WhatsApp e das redes sociais.
Todos n�s viramos ‘tias do Zap’ nos �ltimos dias. Disc�pulos de Janones ou n�o, mas, lutando, voto a voto, no espa�o que antes estava ali, abandonado. O status. Dali saem stories e mais stories, em foto, v�deo e cards bem elaborados mostrando - praticamente implorando, sejamos sinceros - os motivos pelos quais Bolsonaro n�o pode ser reeleito.
� gente morrendo por causa da ‘Picanha do Mito’, tal qual a temida Venezuela que tanto evitamos nos tornar e, num domingo de elei��o, nos tornamos, ao ver uma pessoa morrer por tentar comprar um peda�o de carne estragada, � o cristianismo sendo atacado, s�o as mulheres sendo atacadas, o presidente debochando dos mortos por COVI-19, imitando pessoas com falta de ar.
A lista � extensa e vai desde o mais inofensivo meme ao v�deo do presidente afirmando que quase ‘comeu um �ndio’, s� n�o o fez por falta de apoio e companhia da pr�pria comitiva. Canibalismo com pinceladas de imagens dele, o presidente, atado a um pol�grafo - m�quina que detecta mentiras - dizendo que praticava sexo com animais.
O verdadeiro Freud, corre aqui � o Brasil. Que se recusa a deitar no div�. Que faz birra para n�o olhar para os pr�prios prontos. Que se deixa engolir pelo desejo absoluto de ter um pai.
N�s viramos ‘tias do Zap’ isso causou ainda mais ruptura em 2018, quando bloqueamos todo mundo, xingamos e passamos muitos natais distantes - at� a pandemia nos aproximar, ou separar pra sempre, no caso de quem perdeu pessoas pela m� gest�o do presidente, que arbitrariamente atrasou a compra de vacinas, prevaricou e tentou ganhar 1 d�lar a cada dose. � fato que, agora, as brigas est�o mais intensas.
Parece um disparate que em 2022, p�s-pandemia, quase 700 mil mortos, 33 pessoas passando fome, um presidente que nega e a exist�ncia dessas pessoas - enquanto algumas capitais parecem campos de refugiados - que corta 97% do or�amento da educa��o, quase 50% do da sa�de e tudo isso para alimentar o or�amento secreto - a gente ainda tenha que justificar o motivo de um voto que n�o � nesse projeto de morte e destrui��o.
No meio dessa justificativa, que atire o primeiro like quem n�o se irritou, n�o precisou reclamar no grupo de amigos, na terapia ou bloquear algu�m. E, ainda: quem � que n�o recebeu um �udio descompensado de algu�m amea�ando romper a amizade, tirar o nome do testamento, apagar da agenda. Quem � que n�o foi bloqueado?
Por aqui, meu pai no auge dos 83 anos recebeu uma liga��o para inform�-lo que eu posto meus nudes na internet. Para os leitores desta coluna, nenhuma novidade: os nudes est�o por aqui. E estar�o enquanto meu corpo for um corpo amea�ado. Enquanto eu tiver que lutar pra existir. Enquanto eu tiver que lutar pra que outros corpos possam existir: pretos, ind�genas, LGBTQIA+, deficientes, gordos, etc.
Minhas fotos estar�o por a�, como forma de forjar minha mem�ria, quando inclusive meu corpo j� n�o estiver mais. E estar�o para dizer que fui parar em grupo de incel, em grupo de bolsonaristas, que enfrentei ataques aos meus perfis e que isso extrapola, e muito, o que julgamos ser apenas uma guerra digital.
A guerra � real e os tent�culos do fascismo s�o imensos. Eles nos agarram desprevenidos, num domingo � tarde, em forma de liga��o e, na impossibilidade de virarem votos, tentam destruir fam�lias, reputa��es, pessoas. Parece grave quando escrevo assim. E �.
Imagine o qu�o desocupada - e desesperada - precisar estar uma pessoa para tentar manchar uma reputa��o junto a um idoso de 83 anos. Mas isso n�o � t�o dif�cil de ser visto. Minha amiga sofreu uma interven��o. Toda fam�lia se reuniu e algu�m foi escolhido para ligar para ela e questionar ‘o que est� acontecendo com voc�?’.
Em outro grupo, um amigo sofreu ofensivas por parte de primos, que atacaram a sexualidade dele e amea�aram expor no grupo da fam�lia. Uma conhecida foi amea�ada pelo patr�o: “se n�o votar no candidato autorit�rio, corre o risco de perder o emprego”. E segue sendo monitorada pelas redes sociais. Nada de fazer o “L” nem mesmo no bar, com os amigos. A vigil�ncia � intensa.
O desespero escapa aos dedos, ao status, �s fake news. H� um projeto em curso que tenta destruir pessoas.
Para al�m dos ataques a jornalistas - que j� sofri - dos ataques �s pessoas nas ruas, da guerra n�o declarada. Temos essa, sutil. Que vem em forma de alerta, de declara��o de afeto, mas que tem como objetivo destruir as pessoas que n�o votam no candidato autorit�rio. Ou votam, ou s�o destru�das.
Qual fam�lia est� inteira? Todos os dias, meus amigos se lamentam. H� sempre um irm�o, uma prima, uma tia, um pai, algu�m que n�o compreende. Que n�o pacifica o ponto. Que, mesmo depois de quatro anos - uma pandemia, 33 milh�es de pessoas com fome, etc - ainda luta por um sistema fascista e se orgulha disso. E se vinga de quem n�o concorda.
Novamente, que atire o primeiro like quem nunca rompeu uma amizade ou uma rela��o familiar por causa de pol�tica. Mas que tamb�m se junte a n�s quem partilha dos mesmos ideais, que defende coisas absurdas como o fim da fome, o acesso � educa��o, a amplia��o das universidades e a democracia.
Que possamos ficar juntos com as pessoas que a pol�tica nos deu. E que sejam estas as pessoas incr�veis que nos cercam. Nossos amigos que n�o s� defendem pautas identit�rias, mas que n�o se incomodam com o fato de sermos quem somos e que lutam todos os dias para que possamos existir.
No Natal deste ano, a Janja vai ter que p�r mais pratos � mesa e nos receber. Essa luta nos custa muitas rela��es, afetos e sa�de mental. Mas tamb�m nos d� a certeza de que, como nos lembra sempre S�rgio Vaz: briga tem hora para acabar, a luta � para uma vida inteira.
Tia do zap que me tornei, t� cheia de frases prontas e cart�es de bom dia. Lutemos, pois, evocando a querid�ssima Concei��o Evaristo, que a gente diga combinando de n�o morrer, por mais que tentem nos matar.