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Estado de Minas GORDOFOBIA

Tha�s Carla x Nikolas Ferreira: seu corpo, minhas regras

No pa�s em que deputados n�o precisam trabalhar, a mulher gorda n�o tem direito de existir


06/02/2023 16:13 - atualizado 06/02/2023 18:47

Influenciadora Thaís Carla
Tha�s Carla � uma mulher que possui muitos seguidores e, n�o se furta ao discurso de combate � gordofobia e a luta por melhorias para quem vive num corpo gordo. (foto: Reprodu��o/Redes sociais )
No domingo (5), durante a maior parte do dia, duas express�es predominaram no Twitter: ‘obesidade’ e ‘globeleza’. Ambas se referiam � dan�arina Tha�s Carla, que foi atacada gratuitamente e totalmente fora de contexto pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) num dos epis�dios mais tristes sobre gordofobia na internet

� doentio pensar que o deputado mais votado em 2022 em vez de trabalhar para os motivos pelo qual foi eleito - n�o que eu espere isso, que fique claro, sabendo de quem se trata - dedica-se a perseguir mulheres gordas e oprimi-las. E, n�o satisfeito, posta pedidos de desculpas falso e endossando o que pensa: que pessoas gordas n�o podem existir. 

Postou ainda imagens manipuladas, como se fosse gordo, dizendo ter, ent�o, ‘lugar de fala’. Essa � uma prova de que a extrema-direita brasileira n�o tem limites morais. O nome disso � m�todo: cortina de fuma�a. E � cruel. 

Ao fazer isso, Nikolas Ferreira se comunica diretamente com seu p�blico. Fala sobre liberdade de express�o. Diz que Tha�s romantiza a obesidade, enquanto ele romantiza a estupidez. Enquanto o deputado faz isso, normaliza o discurso de �dio em nome do conservadorismo, fam�lia e religi�o e se diz ‘perseguido’ pelo politicamente correto. � a cara do grupo ao qual ele pertence: a opress�o da luta dos dissidentes. 

Quando o deputado faz isso, ele ajuda a matar as pessoas gordas. Para quem n�o sabe, a cada 7 minutos, uma pessoa gorda morre no Brasil, sobretudo por causa da gordofobia - e n�o por causa do corpo, como o discurso de falsa preocupa��o com a sa�de tenta impor. 

Tha�s Carla � uma mulher que possui muitos seguidores e n�o se furta ao discurso de combate � gordofobia e � luta por melhorias para quem vive num corpo gordo. Ela trava embate, inclusive, com marcas. E fala sobre temas pol�micos. E faz isso com bom humor, divers�o e ostentando tudo que enlouquece uma sociedade gordof�bica: carisma, uma fam�lia linda, um estilo de vida confort�vel e a aus�ncia de medo para meter o dedo na ferida e dizer o que tem que ser dito, com pena de perder contratos e patroc�nios, mas sem se vincular a quem segue sendo gordof�bico. 

E veja: n�o � sobre ‘liberdade de express�o’ nem sobre chamar uma pessoa gorda de gorda. � sobre usar uma caracter�stica corporal de algu�m para dizer que ela n�o tem direito de existir e que, se ousar faz�-lo, dever� aguentar toda hostiliza��o que conseguir. � exaustivo repetir, mas vamos l�: liberdade de express�o n�o � sobre ferir direitos humanos! 

A grande quest�o �: ainda que ‘obesidade’ seja considerada doen�a, por que tratar pessoas gordas com hostilidade e crueldade? Se elas est�o doentes, por que culp�-las por isso? Por que as expor ao rid�culo? Por que desumaniz�-las? 

Se entendermos, como Nikolas prop�e, que obesidade � uma doen�a, por que fazer piadas com isso? Ou vamos come�ar a ofender pessoas com c�ncer, diabetes, etc. em nome da liberdade de express�o porque elas est�o doentes?

Penso que n�o � - e nunca foi - sobre cuidado com a sa�de de outras pessoas, mas sobre ditar regras sobre o corpo alheio. Nunca foi sobre ‘meu corpo, minhas regras’, mas sempre sobre ‘seu corpo, minhas regras’. E o mais triste: o julgamento n�o � s� deputado, que foi eleito para legislar, e n�o fiscalizar o corpo de uma mulher. � desesperador ver como muita gente, incluindo as mais progressistas, se valem das piadas para menosprezar uma mulher gorda que n�o fez absolutamente nada para ningu�m, s� est�, na rede social dela, existindo. 

A gordofobia � doentia e mata, muito mais que o corpo gordo de algu�m. Ela inviabiliza exist�ncias em qualquer �mbito que seja. E ‘rir junto’ com o deputado que deveria estar trabalhando em prol da popula��o � engrossar esse caldo. 

Recentemente, um jovem preto e gordo morreu na porta de um hospital por n�o existir maca do tamanho dele. O deputado, caso estivesse preocupado com a sa�de das pessoas gordas, como alega em v�deo, deveria ter pedido para investigar o caso por omiss�o de socorro e/ou ter criado projetos que beneficiem o acesso da popula��o gorda e n�o fazer piadinhas na rede social da qual deveria ter permanecido banido, afinal, n�o satisfeito em atacar Tha�s Carla, o deputado ainda criou uma fake news. 

A �nica deputada que fez isso foi Erika Hilton. Preocupada com a inacessibilidade dos corpos gordos, fez um pedido de informa��o e possui um canal para dialogar com pessoas gordas e tentar promover mais acesso a estes corpos. � isso que um parlamentar faz. N�o piada sobre o corpo dos outros. 

A grande quest�o �: quando o deputado vai come�ar a trabalhar? No processo de reconstru��o do pa�s, o jovem, que se diz evang�lico e aproveitou-se da penetra��o em uma igreja evang�lica para se eleger, usa o discurso de �dio contra qualquer caracter�stica f�sica que fuja da norma imposta. 

No dia da posse, atacou o presidente Lula, chamando-o de ‘nove dedos’, destacando uma caracter�stica f�sica, resultado do trabalho em f�brica (algo que o jovem deputado n�o conhece) como algo que remete a um defeito de car�ter. 

Vira e mexe o mesmo deputado faz piada com gays, com travestis e transexuais e n�o perde a oportunidade de ofender e incitar discrimina��o contra os corpos dissidentes, colocando sua branquitude e suposta heterossexualidade acima do bem e do mal e, reiterando que a passabilidade f�sica lhe garante o poder que sempre almeja. Veja, ele nem sequer precisa trabalhar. Basta usar as redes sociais como isca para polemizar e, assim, conquistar mais adeptos.

Como eu disse anteriormente, a luta contra a gordofobia talvez seja a �ltima porta a ser cruzada na batalha pela exist�ncia dos corpos dissidentes. Ela encontra agressores inclusive entre quem se pretende c�mplice. N�o raro, pessoas do campo progressista endossam o discurso de Nikolas de diferentes formas e compartilham posts do deputado rindo de pessoas gordas - e o mesmo conta, justamente, com isso. 

Perdi as contas de quantas pessoas que, assim como eu, ‘fizeram o L’, mas unem-se ao discurso raso e est�pido que permeia o pa�s e concordam com Nikolas quando o assunto � gordofobia, debochando de uma mulher gorda at� a exaust�o. 

A gordofobia � uma arma institucionalizada de opress�o. E consegue, como vemos, unir direita e esquerda em prol de uma pauta comum - e lament�vel: oprimir mulheres gordas que est�o s� existindo.

E a� v�o dizer: mas ela se expos, mas ela quis, mas se ela quisesse, emagrecia; ela � gorda porque quer; ela romantiza a obesidade; obesidade � doen�a; ela processa todo mundo, etc. Mas ningu�m vai dizer: como ser� que est� a cabe�a de uma mulher que postou uma recorda��o e foi atacada por 24h numa das principais redes sociais do pa�s e se tornou assunto, alvo de fakenews e foi massacrada por existir?

Qual seria a puni��o para Nikolas Ferreira? Sabemos que um processo faria pouca diferen�a. Um jornalista sugeriu a cassa��o. Embora represente o pior que exista num ser humano, sabemos que vivemos no Brasil. Quando um deputado seria cassado por gordofobia? 

Se ‘obesidade’ � um problema de sa�de p�blica, por que n�o criar projetos sobre, ao inv�s de fazer piada e massacrar pessoas?

A sensa��o que tenho, enquanto mulher gorda, � que um deputado magro e ‘padr�o’ pode tudo. J� � mulher gorda nega-se o direito � exist�ncia. A melhor coisa seria que Nikolas n�o existisse, assim como n�o nos permite existir. 

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