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Estado de Minas COLUNA TIRO LIVRE

Isabel foi a voz de milhares de n�s, mulheres. A ela, meu muito obrigada

Isabel era muito mais do que a palavra musa tem de significado para quem a rotulou assim. Era uma mulher de fibra, que ainda tinha muitas causas a defender


17/11/2022 19:00 - atualizado 17/11/2022 19:18

Isabel, ex-jogadora e ex-treinadora de vôlei
�cone do v�lei, Isabel morreu aos 62 anos, deixando um legado (foto: Reprodu��o de v�deo)
Esta cr�nica � um agradecimento a uma das mulheres mais inspiradoras que o esporte brasileiro - e mundial - j� teve. Uma mulher que levantou a bandeira feminista com tamanha for�a e de formas t�o diversas, t�o intuitiva, que talvez n�o tivesse consci�ncia do impacto que teve na vida de tantas de n�s. Maria Isabel Barroso Salgado Alencar foi m�e de cinco e voz de milhares. Mais do que atleta e treinadora de v�lei, uma cidad� que deixou in�meros legados, dentro e fora das quadras.

Quem escreve esta cr�nica � uma f� de Isabel. Indiretamente, ela � uma das respons�veis por estas linhas. Isabel foi uma das mais fortes influ�ncias da minha inf�ncia, algu�m que ajudou a direcionar meu olhar para o esporte. O v�lei foi o primeiro amor, e aquela gera��o da d�cada de 1980 (que tinha ainda outros �cones como Vera Mossa e Jaqueline) despertou um sonho. Aos 12, 13 anos, esta jornalista queria ser uma delas. 

Era uma �poca de amadorismo, sem a organiza��o, os sal�rios mais robustos e as conquistas (consequentes) que viriam anos mais tarde. O jogo daqueles tempos (como quase tudo na vida pr�-internet) tinha outro ritmo, mais cadenciado. A menina aqui assistia aos jogos deslumbrada. Ganhou rede e bola de v�lei em um Natal e nada mais queria saber da vida. Era v�lei de manh�, de tarde e de noite. No col�gio, na rua, no clube. As imitava no estilo (o t�nis, da marca Rainha, tinha de ser como o delas) e no saque viagem.

At� que veio o primeiro teste de verdade, sob o olhar de um treinador de base do Minas T�nis. Ele elogiou a desenvoltura, a t�cnica... Mas a estatura, que ent�o mal passara do 1,60m, fechou as portas.

O amor pelo esporte continuou, dividido por outras modalidades, e a maneira que aquela adolescente encontrou para continuar a nutri-lo vida afora foi pelo jornalismo. N�o admitia outro caminho: queria escrever, falar, vivenciar o esporte e seus �dolos. E assim o destino se cumpriu, at� chegarmos a esta coluna.

Nesse enredo h� in�meras imagens e declara��es de Isabel. Um grito de independ�ncia feminina vista desde a gravidez que ela viveu nas quadras. At� hoje, cena muito, muito rara: de barrig�o, l� estava Isabel, fazendo o que sabia e gostava, na maior naturalidade. Sem medos. E chocando quem achava que lugar de mulher - ainda mais 'prenha' - era dentro de casa. Foi, e continua sendo, um marco de empoderamento.

Isabel foi vanguardista na ess�ncia. Primeira jogadora de v�lei brasileira a se aventurar no exterior, aos 20 anos foi jogar na It�lia, onde recebeu sal�rio pela primeira vez como atleta. No in�cio dos anos 1990, foi pioneira no v�lei de praia.

Ainda trabalhou como treinadora, de quadra e praia, fun��o que raramente � exercida por mulheres, inclusive no comando de equipes femininas. Algo em que ainda precisamos evoluir.

Ela rompia barreiras. Lutava pelos direitos de todas. Batia de frente com quem estava em cargos de chefia - geralmente (ainda hoje) homens. Foi chamada, por isso, de indisciplinada, rebelde. Afinal, ela se atrevia a questionar, exigir condi��es melhores de trabalho.

Posicionava-se politicamente sobre assuntos dos mais simples aos mais complexos com argumentos, conhecimento. Combatia a ignor�ncia com firmeza e eleg�ncia. Recentemente, encabe�ou o movimento Esporte pela Democracia, ao lado de nomes como Ana Moser e Casagrande, entre outros. 

Em setembro de 2020, publicou uma carta aberta em que expressava indigna��o com o tratamento ao setor cultural do Brasil no governo Bolsonaro.

"Essa carta � s� pra dizer que eu me sinto muito ofendida, senhor Bolsonaro. N�o sou uma intelectual, sou uma cidad� brasileira que acredita que a cultura � essencial para qualquer pessoa. Ela s� existe se for plural, em todas as formas de express�o. Por meio dela, formamos a nossa identidade. Se esse governo n�o gosta do nosso cinema, da nossa m�sica, dos nossos escritores, eu quero dizer que eu e uma enorme parte dos brasileiros gostamos. N�o aguento mais assistir a tantos absurdos calada. Voc�s est�o ofendendo uma grande parcela do povo brasileiro", escreveu em um dos trechos.

O velho machismo a elevou ao posto de musa. Ora, Isabel era muito mais do que a palavra musa tem de significado para quem a rotulou assim. Era uma mulher de fibra, � frente do seu tempo, que ainda tinha muitas causas a defender, muitos exemplos a nos dar.

Isabel morreu, repentinamente, em 16 de novembro de 2022. Deixou uma legi�o de f�s, como eu, tristes. Mas tamb�m nos deixou como heran�a que � preciso lutar, incessantemente, pelos ideais que acreditamos. Por tudo isso, obrigada, Isabel.

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