Duas das consequ�ncias da globaliza��o est�o sendo o aprofundamento das desigualdades e o esgar�amento das democracias no mundo. Num cen�rio de revolu��o tecnol�gica, em que a moderniza��o da economia passou a ser uma condi��o para o crescimento econ�mico, a reinven��o dos Estados nacionais tornou-se um imperativo. � a� que certas contradi��es se acirram profundamente; o Brexit e a vit�ria do conservador Boris Jonhson nas elei��es brit�nicas de ontem confirmam essa tend�ncia.
Aqui no Brasil, a pol�tica reflete de maneira particular essas contradi��es. Desde a abertura comercial do governo Collor, decorr�ncia do esgotamento do modelo de substitui��o de importa��es, o Brasil vive uma crise de financiamento de sua infraestrutura, que se tornou um grande gargalo para a retomada do crescimento. Nossa voca��o natural de pa�s exportador de commodities agr�colas e minerais nos garante um papel relevante na divis�o internacional de trabalho, mas isso n�o basta, porque outra face dessa integra��o � economia mundial est� sendo a desindustrializa��o, a concentra��o de renda e o desemprego em massa.
A tentativa de enfrentar essa contradi��o com uma pol�tica industrial inspirada no velho modelo de substitui��o de importa��es e com o capitalismo de estado, no segundo mandato do ex-presidente Luiz In�cio Lula das Silva e no governo Dilma, a pol�tica de “campe�es nacionais” e a “nova matriz econ�mica” fracassou. Somente agora, muitos lentamente, gra�as a medidas tomadas durante o governo de Michel Temer e a aprova��o da reforma da Previd�ncia, al�m de algumas a��es do governo Bolsonaro, a economia come�a a dar sinais de recupera��o. Entretanto, ainda estamos muito longe de resolver os gargalos da infraestrutura, do desemprego e das desigualdades.
Falta ao Brasil de hoje um projeto de Na��o. Desde a Independ�ncia, sob a lideran�a do patriarca Jos� Bonif�cio, sempre houve uma parcela da elite nacional empenhada em construir um projeto de pa�s. Na Rep�blica, em alguns momentos, isso ocorreu por uma via autorit�ria, como no Estado Novo e durante o regime militar; em outros, por uma via democr�tica, como nos governos Vargas e Juscelino Kubitscheck. A aus�ncia desse projeto, de certa forma, alimenta os fantasmas do positivismo autorit�rio. E certo saudosismo reacion�rio em rela��o � superexplora��o megal�mana de nossas riquezas naturais.
Esgar�amento social
A aus�ncia de projeto de na��o � um terreno f�rtil para a desesperan�a e a segrega��o da sociedade, o que favorece a radicaliza��o pol�tica e ideol�gica e a emerg�ncia de projetos de natureza autorit�ria. Uma projeto de na��o, nas condi��es atuais, n�o pode ser a recidiva do nacional-desenvolvimentismo, que tanto serve � esquerda como � direita radicais. Nas condi��es atuais, significa a constru��o de um novo modelo de desenvolvimento, economicamente robusto, tecnologicamente inovador e socialmente mais justo.
Isso exige um amplo debate, pois nenhuma for�a pol�tica, isoladamente, seja no governo ou na oposi��o, ser� capaz de construir um novo consenso nacional, com o necess�rio engajamento social. O quadro de desigualdades regionais, iniquidades sociais e radicaliza��o pol�tica gera estranhamento da maioria da popula��o em rela��o aos partidos pol�ticos e �s institui��es governamentais. � uma situa��o em que Estado brasileiro, para grandes parcelas da sociedade, � considerado muito mais um estorvo do que um agente transformador das condi��es de vida da popula��o para melhor.
Qual � a identidade do brasileiro atual? A crise exacerba os conflitos sociais e regionais, por falta de um objetivo mobilizador da sociedade. O Brasil perdeu a utopia do pa�s do futuro, a sacada genial de Stefan Zweig, o escritor, romancista, poeta, dramaturgo, jornalista e bi�grafo austr�aco de origem judaica que escreveu um livro dedicado ao ufanismo nacional. Nesse v�cuo, a sociedade perde a perspectiva do avan�o, o brasileiro enxerga com lente de aumento as suas diverg�ncias e j� n�o se reconhece plenamente como um povo s� e indivis�vel. Essa � a maior amea�a.
Feliz natal – O colunista se ausentar� desse espa�o por breve per�odo.