
Nicolas Chauvin foi um soldado franc�s condecorado por Napole�o Bonaparte por sobreviver a v�rios combates, severamente mutilado, depois de ser ferido 17 vezes. Tornou-se uma lenda para os franceses, at� que as com�dias escrachadas de vaudeville come�aram a ridicularizar sua ingenuidade e fanatismo, dando origem ao termo que hoje � muito utilizado para caracterizar o sentimento ultranacionalista que leva os indiv�duos a odiar as minorias e perseguir os estrangeiros. Na d�cada de 70, as feministas dos Women's Lib deram uma conota��o mais abrangente ao termo, ao chamar os machistas de “porcos chauvinistas”.
Por causa de seu discurso de ontem na Assembleia Geral da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU), o presidente Jair Bolsonaro entrou para o rol dos l�deres pol�ticos chauvinistas da atualidade, o que n�o � bom para nenhum chefe de Estado nem para o Brasil, em particular. Seu discurso nacionalista n�o chegou a ser histri�nico, mas fugiu � verdade e ignorou a realidade, sendo muito contestado interna e externamente. Al�m do chauvinismo, Bolsonaro revelou tamb�m certa xenofobia, ao culpar os caboclos e �ndios pelos inc�ndios na Amaz�nia e Pantanal.
Xenofobia � outra palavra muito feia. Refere-se ao sentimento de hostilidade e �dio manifestado contra pessoas por elas serem estrangeiras ou serem enxergadas como estrangeiras. Trata-se de um preconceito social muito comum no mundo por causa do fluxo de migra��es. �rabes e mu�ulmanos sofrem com isso na Europa, mexicanos e latinos nos Estados Unidos. Geralmente, a xenofobia est� associada ao racismo. A forma como Bolsonaro trata os �ndios no Brasil sempre teve essa conota��o xen�foba, a novidade � o preconceito que revelou na ONU em rela��o aos caboclos brasileiros.
Certos fen�menos da vida brasileira n�o se explicam pela sociologia ou pela ci�ncia pol�tica, somente podem ser compreendidos quando nos socorremos da antropologia. A elei��o de Bolsonaro, por exemplo, sua capacidade de se amalgamar aos evang�licos e capturar o sentimento de preserva��o da fam�lia unicelular patriarcal nas camadas mais pobres da popula��o, amea�ada pelas dificuldades econ�micas e as mudan�as de costumes. Em contrapartida, Bolsonaro n�o consegue entender o nosso sincretismo religioso e o peso da miscigena��o na forma��o da identidade brasileira. Se entendesse, n�o trataria com tanto preconceito os ind�genas e os caboclos da Amaz�nia.
Miscigena��o e sincretismo
O caboclo tem uma cultura de selva, adquirida dos �ndios, por�m, manteve a l�ngua, a religiosidade e certos costumes dos portugueses, ao longo de secular abandono, comportamento semelhante ao do mo�ambicano branco, mas muito diferente do b�er sul-africano, que renegou as origens, inventou uma nova l�ngua e se considera a grande tribo branca da �frica. Todos ficaram insulados ap�s a expuls�o dos holandeses do Nordeste brasileiro. Explico: quando os holandeses chegaram em Recife, em 1630, para controlar o a��car, perceberam que o que dava dinheiro n�o era s� plantar cana e fazer o a��car, mas tamb�m vender africanos para os senhores de engenho. Sa�ram de Recife em 1641 para atacar Angola e controlar o tr�fico negreiro para o Brasil. Quando come�ou a guerra de guerrilhas em Pernambuco para expuls�-los, Salvador de S� organizou uma expedi��o do Rio de Janeiro para expulsar os holandeses de Angola, em 1648. Cerca de 2 mil portugueses, por�m, ficaram largados na Amaz�nia, para onde haviam sido enviados em 1637, para explorar o cacau e a castanha, produtos de grande valor comercial.
Apesar dos esfor�os portugueses para manter o controle da regi�o, notadamente do Marqu�s de Pombal, ap�s o Tratado de Madri (1750), para manter o controle da regi�o, com a fortifica��o de suas fronteiras — Bel�m, Gurup�, Manaus, Santar�m, Almeirim, �bidos, Tabatinga, S�o Gabriel da Cachoeira, Guapor�, Macap� e outros—, a integra��o � economia nacional somente veio a ocorrer no s�culo 19, com o Ciclo da Borracha (1870-1912), quando aproximadamente 300 mil nordestinos migraram para seus seringais. Mas a cultura amaz�nida do caboclo j� estava dada.
Al�m do preconceito �tnico, h� tamb�m um vi�s de intoler�ncia religiosa muito forte na fala de Bolsonaro, porque o caboclo � uma “entidade” do sincretismo religioso entre africanos e �ndios. Nas religi�es ou seitas afro-brasileiras, � a designa��o gen�rica dos esp�ritos de ancestrais ind�genas brasileiros que supostamente surgem nas cerim�nias rituais e que foram idealizados, j� no s�culo XX, segundo os modelos de orix�s da teogonia jeje-nag� e do indianismo liter�rio rom�ntico. Na Umbanda, s�o guerreiros en�rgicos, procurados pelos conselhos sensatos e passes poderosos. Bolsonaro mexeu com Ubirajara, Tupiara, Cobra Coral, Pena Branca, Sete Flechas, �guia Dourada, Sete Espadas, Espada Flamejante, Sete Lan�as, Tabajara, Tamoio, Sete Ondas, Sete Matas, Caboclo Pantera Negra, Tupuruplata, Rompe-Mato, Caboclo Apeiara, Arariboia, Rompe-Ferro, Pena Vermelha, Beira Mar, Cai�ara e Sete Caminhos.
