
Os brasileiros est�o diante de uma grande travessia, como o jagun�o Riobaldo no romance Grande Sert�o: Veredas, de Guimar�es Rosa: “Viver � muito perigoso... Porque aprender a viver � que � o viver mesmo... Travessia perigosa, mas � a da vida. Sert�o que se alteia e abaixa...”. Essa forma de encarar a vida faz parte do nosso inconsciente coletivo, principalmente em raz�o da secular iniquidade social em que vive a maioria da popula��o, ou seja, est� entranhada na camada mais profunda e inata do nosso inconsciente social. Grande Sert�o: Veredas foi publicado em 1956, sem cap�tulos e com mais de 600 p�ginas. Guimar�es Rosa fundiu o experimentalismo lingu�stico e a tem�tica regionalista do movimento modernista numa obra universal e, ao mesmo tempo, capaz de capturar a alma dos caboclos mineiros, no relato de Riobaldo sobre suas lutas, seus medos e o amor reprimido por Diadorim.
A analogia faz todo sentido. � mais ou menos o que o que acontece nesta pandemia, que est� entrando numa segunda onda, com a maioria da popula��o se arriscando, estoicamente, para manter algum n�vel de atividade econ�mica e renda, enquanto outra parcela est� se expondo sem necessidade alguma, por pura irresponsabilidade e/ou negacionismo. A taxa de transmiss�o do novo coronav�rus do Brasil deu um salto, chegando a 1,30 na �ltima semana epidemiol�gica, o que equivale aos �ndices de maio passado, segundo o Imperial College de Londres. Isso significa que se formou uma segunda onda, na qual 100 infectados contaminam outras 130 pessoas. Como a pandemia estava em baixa, mas n�o havia acabado, essa segunda onda come�a de um patamar muito elevado. O resultado imediato s�o enfermarias dos hospitais come�ando a ficar lotadas, na maioria das cidades.
A situa��o � agravada pelo fato de o presidente da Rep�blica, Jair Bolsonaro, ser um negacionista, que paralisa as a��es do Minist�rio da Sa�de nas tr�s esferas em que deveria atuar: a preven��o (� contra o isolamento social), o diagn�stico (6 milh�es de testes est�o se deteriorando nos estoques do governo) e o tratamento (� respons�vel por apenas 5% dos leitos). Mesmo as vacinas que est�o em fase final de testes n�o t�m ainda um planejamento adequado para a compra do medicamento e a vacina��o em massa da popula��o.
N�o fosse o Sistema �nico de Sa�de (SUS), sob comando de prefeitos e governadores, a situa��o seria muito pior. Entretanto, temos um presidente da Rep�blica que responsabiliza-os pelos graves preju�zos causados pela pandemia, em vez de agradecer o esfor�o que fazem para proteger a popula��o. A �ltima de Bolsonaro foi afirmar que os testes de coronav�rus que est�o se deteriorando nos estoques do governo federal haviam sido distribu�dos para os estados e munic�pios, o que n�o ocorreu.
Vacina��o
Ontem, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski votou para que, num prazo de 30 dias, o Minist�rio da Sa�de apresente um plano de vacina��o em massa da popula��o. � uma miss�o complicada para o ministro Eduardo Pazuello, em raz�o das idiossincrasias do presidente Jair Bolsonaro, que transformou a aquisi��o de vacinas numa guerra pol�tica, embora o Brasil tenha parcerias para a futura produ��o de tr�s vacinas:
A ChAdOx1, desenvolvida pela AstraZeneca/Orford, que ser� produzida em parceria com a Funda��o Oswaldo Cruz, com investimentos previsto de R$ 1,9 bilh�o na produ��o de 100 milh�es de doses.
A CoronaVac, da farmac�utica chinesa Sinovac, que ser� adquirida pelo governo de S�o Paulo e produzida pelo Instituto Butantan, com chegada prevista de 120 mil doses para uso imediato, mas que depende de autoriza��o da Anvisa.
E a Sputinik V, do Instituto Gamaleya, da R�ssia, que est� sendo adquirida pelo governo do Paran�.
Segunda onda
Diante da segunda onda, com as finan�as do governo exauridas e o sistema de sa�de p�blica sob forte press�o, j� passou da hora de o presidente Jair Bolsonaro baixar a bola e deixar que os sanitaristas fa�am seu trabalho. “Uma coisa � p�r ideias arranjadas, outra � lidar com pa�s de pessoas”, diria Riobaldo. “Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma esp�cie de encanto”. Tudo que a popula��o deseja � acordar do pesadelo e tomar uma vacina eficaz contra o v�rus.