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Estado de Minas Entre linhas

Mitos e her�is na cena eleitoral brasileira, de 1808 a Bolsonaro e Lula

A apropria��o afetiva do outro apontada por Buarque � respons�vel pela 'fulaniza��o' da pol�tica brasileira


28/04/2022 04:00

Sergio Moro pode recuperar o espaço que ocupava no campo da chamada terceira via
Sergio Moro pode recuperar o espa�o que ocupava no campo da chamada terceira via (foto: EVARISTO S�/AFP)

O mito de que o brasileiro � um “homem cordial” vem de um senso comum, desconstru�do por S�rgio Buarque de Holanda em sua obra seminal “Ra�zes do Brasil”.  A express�o cordial � um “tipo ideal” que n�o indica apenas bons modos e gentileza, vem da palavra latina “cordis”, que significa cora��o. Segundo Buarque, o brasileiro precisa viver nos outros, um artif�cio psicol�gico incorporado ao nosso processo civilizat�rio. A cordialidade muitas vezes � mera apar�ncia, “det�m-se na parte exterior, epid�rmica, do indiv�duo, podendo mesmo servir, quando necess�rio, de pe�a de resist�ncia.” Mais atual imposs�vel.

A apropria��o afetiva do outro apontada por Buarque, em grande parte, � respons�vel pela “fulaniza��o” da pol�tica brasileira, apesar de termos institui��es seculares bastante consolidadas, alguma das quais com origem na chegada de Dom Jo�o VI e sua corte ao Brasil, como o Supremo Tribunal Federal (STF). O exerc�cio efetivo do poder central em todo o territ�rio nacional, por exemplo, deve-se ao Judici�rio, muito mais do que �s For�as Armadas, cujo protagonismo pol�tico, na Rep�blica, por duas vezes se deu em duradoura contraposi��o ao Estado de direito democr�tico, na Revolu��o de 1930 e no golpe militar de 1964.

N�o por acaso, gra�as � pol�tica de concilia��o da segunda metade do imp�rio, tamb�m temos um Congresso forte, embora nossos partidos pol�ticos, contraditoriamente, sejam fracos por causa da “fulaniza��o” da pol�tica e da constru��o de acordos interpessoais de natureza fisiol�gica, corporativa e/ou patrimonialista. De certa maneira, as redes sociais potencializaram essa “fulaniza��o” da pol�tica e desnudaram a outra face do “homem cordial”, que agora protagoniza a radicaliza��o pol�tica.

O ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro exacerbam essa caracter�stica da pol�tica brasileira. Ambos t�m um vi�s populista; constroem suas alian�as a partir de rela��es afetivas e, ao mesmo tempo, pragm�ticas.  N�o � outro o sentido da alian�a de Bolsonaro com Waldemar Costa Neto, presidente do PL; a escolha do ex-governador Geraldo Alckmin como vice por Lula tem o mesmo significado.

No conceito de Buarque, o “homem cordial” � sin�nimo de passionalismo, personalismo e irrever�ncia, um transgressor das normas institucionais. Age mais pela emo��o do que pela raz�o, sua cordialidade est� associada ao dom�nio da esfera privada na vida brasileira. O Estado � sua segunda casa, povoada por familiares e amigos. N�o � preciso um grande esfor�o retrospectivo para constatar esse fen�meno na vida pol�tica brasileira, muito menos revisitar as p�ginas de “Ra�zes do Brasil”, quase centen�rias, e resgatar a nossa heran�a colonial lusitana.

Terceira via


O semideus grego da “Il�ada” de Homero tinha uma exist�ncia verdadeira, voltava para casa, tinha uma vida normal, at� que a situa��o exigisse outro gesto glorioso e individual. A fil�sofa judia alem� Hanna Arendt associava-o ao que hoje muitos chamariam de “lugar de fala”. Sua disposi��o de agir e falar pode mudar o curso na hist�ria. O her�i pode ser um indiv�duo comum que se insere e se destaca no mundo por meio do discurso, se move quando os outros est�o paralisados. Precisa fazer aquilo que outro poderia ter feito, mas n�o fez; ou melhor, o que deixaram de fazer.

O “homem cordial”, na atual cena eleitoral, se apresenta como o her�i semideus da “Il�ada” de Homero, cujos pilares s�o a grandiosidade e a singularidade, al�m da aspira��o � imortalidade. Em 2018, Bolsonaro saiu do leito da morte para o Pal�cio do Planalto sem fazer campanha; nestas elei��es, Lula deixou a cadeia e pavimentou a estrada para voltar ao poder sem deixar os ambientes fechados. Agora, outro candidato a semideus prepara sua volta � cena eleitoral: o ex-juiz Sergio Moro, personagem central da ascens�o e queda da Opera��o Lava-Jato.

Moro se tornou uma personalidade nacional gra�as � Lava-Jato, na qual s� se pronunciava nos autos. Mas era aplaudido e cumprimentado nas ruas. Representava os �rg�os de controle do Estado e a �tica da responsabilidade, que zelam pela legitimidade dos meios empregados na a��o pol�tica. Cumpriu um papel estrat�gico na luta em defesa da �tica na pol�tica, vetor decisivo para o resultado das elei��es passadas. Contra Moro, Lula n�o teve a menor chance; seria preso, como foi, pelo juiz dur�o.

Depois das elei��es, convidado por Bolsonaro para ser ministro da Justi�a, Moro deixou de ser o juiz “imparcial”. Esse atributo foi posto em xeque pela revela��o das mensagens que trocou com os procuradores da Lava-Jato, em Curitiba. O cristal foi trincado por conversas banais nas redes sociais. Moro virou um pol�tico, sujeito a todos os ritos da luta pol�tica e do jogo democr�tico. Filiou-se ao Podemos, trocou-o pelo Uni�o Brasil, sem garantia de legenda. Agora, ensaia uma volta � ribalta, como um her�i noir,  em disputa pela Presid�ncia. Moro pode recuperar o espa�o que ocupava no campo da chamada terceira via.
 

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