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Estado de Minas ENTRE LINHAS

Lula volta ao poder com a cabe�a de Juno

Lula ganhou as elei��es gra�as � mem�ria popular da bonan�a de seu governo anterior, mas hoje enfrenta a onda reacion�ria que varreu o mundo


29/01/2023 04:00 - atualizado 29/01/2023 07:48

Lula em visita à Argentina
ege1azedo01 O presidente Lula disp�e de diagn�sticos das mudan�as em curso aqui e no mundo, mas ainda n�o se livrou completamente de dogmas da antiga sociedade industrial (foto: Luiz Robayo/AFP - 23/1/23 )

Jano (do latim Janus ou Ianus) era um ser mitol�gico romano com duas cabe�as. Simbolizava o passado e o futuro, o dualismo relativo de todas as coisas. No seu templo, as portas ficavam abertas em tempos de guerra e eram fechadas durante a paz. Era o deus tutelar de todos os come�os, patrono de todos os finais. O busto Ianus Geminus est� no Museu do Vaticano, em Roma. Jano foi escolhido para representar o primeiro m�s do ano do calend�rio romano (janeiro, do latim januarius), pelo imperador Numa Pomp�lio (715-672 a.C.). Estamos no final do m�s de Jano.

O fato de suas faces estarem viradas para lados opostos contribui para a dualidade desse deus, uma representa o novo e a outra, o velho; as transi��es, o espa�o entre dois pontos e o caminho entre os extremos. O fil�sofo e soci�logo alem�o J�ngen Habermas, expoente da famosa Escola de Frankfurt, em novembro de 1984, numa palestra no parlamento espanhol, invocou a imagem de Jano para falar sobre o car�ter inacabado da modernidade.

Habermas dedicou a vida ao estudo da democracia, desenvolveu as teorias do agir comunicativo, da pol�tica deliberativa e da esfera p�blica. �quela �poca, estudava a crise do Estado de bem-estar social e o esgotamento das energias ut�picas, tema que abordou no seu discurso, intitulado a “Nova obscuridade” (Editora Unesp, 2011). Muitas de suas previs�es se confirmaram. Houve uma mudan�a de paradigma da sociedade do trabalho para a sociedade da comunica��o, o que explica muito do que est� acontecendo no mundo e no Brasil.

Para ele, a raz�o instrumental desencadeada pelas for�as produtivas e a raz�o funcionalista traduzida nas capacidades de organiza��o e planejamento “deveriam abrir caminho para a vida humana digna, igualit�ria e ao mesmo tempo libert�ria”. Essa fora a ilus�o da sociedade do trabalho, que hoje se reproduz em rela��o �s novas tecnologias, 40 anos depois. � falsa a ideia de que a desregulamenta��o da internet e dos meios digitais, controlados pelo oligop�lio das big techs, seria a reden��o humana, a conquista definitiva da liberdade e da democracia.

Enquanto a esquerda brasileira pautou sua atua��o na centralidade do trabalho e nos projetos identit�rios, a direita mais reacion�ria apropriou-se das redes sociais de comunica��o pela internet e das frustra��es individuais. Quando o presidente Luiz In�cio Lula da Silva e o PT chegaram ao poder em 2002, a centralidade do trabalho j� estava ultrapassada pela sociedade da comunica��o e pela economia do conhecimento. Agora, mais ainda.

Com raz�o, a fil�sofa Hannah Arendt, na segunda metade do s�culo passado, dizia que as ideias centradas no trabalho levaram aos totalitarismos. Segundo ela, a condi��o humana est� relacionada ao “labor” (o processo biol�gico do corpo humano), ao “trabalho” (a cria��o de objetos e transforma��o da natureza) e, sobretudo, � “a��o” (a �nica atividade que independe da medi��o da mat�ria e se correlaciona com a condi��o humana da pluralidade). O que determina a condi��o humana � o agir e o pensar politicamente, da� a necessidade vital do espa�o p�blico e das liberdades.

Novas conting�ncias


Entretanto, Lula volta ao poder com a cabe�a de Juno. Disp�e de diagn�sticos das mudan�as em curso aqui e no mundo, mas ainda n�o se livrou completamente de dogmas da antiga sociedade industrial, do valor-trabalho na gera��o de riquezas e do velho nacional-desenvolvimentismo. No seu governo, jovens gestores p�blicos e velhos militantes pol�ticos tamb�m representam as faces de Juno.

Logo ap�s a queda do muro de Berlim e o fim da Uni�o Sovi�tica, que marcaram o colapso do chamado “socialismo real” europeu, Habermas comparou a Europa do fim da Guerra Fria a uma fotografia “descongelada” — aquela de Roosevelt, St�lin e Churchill, em fevereiro de 1945, na Crimeia, quando dividiram o mundo –, como se a hist�ria anterior � guerra fosse retomada de onde foi interrompida, na B�snia, na S�rvia e, agora, dir�amos, na Ucr�nia. Lula se comporta como mocinho de um filme cujas imagens estiveram congeladas.

A conjuntura tamb�m mostra as faces de Juno. O que � determinante para o nosso futuro, a retomada do programa de governo de Lula de 20 anos atr�s, que cumpriu seu papel em conting�ncias favor�veis? N�o � por a�. Lula ganhou as elei��es gra�as � mem�ria popular da bonan�a de seu governo anterior, mas enfrenta a onda reacion�ria que hoje varre o mundo e o risco de uma recess�o mundial. Logo na primeira semana de mandato, foi surpreendido por uma tentativa de golpe e uma crise militar. A onda reacion�ria ainda passa pelo Brasil, como ficou demonstrado no dia 8 de janeiro. O horizonte econ�mico � de incertezas, a “contabilidade criativa” da Americanas pode ser a ponta de um iceberg.

O carisma pessoal e as alian�as ao centro possibilitaram a vit�ria eleitoral dram�tica de Lula no segundo turno; o sucesso do seu novo mandato depende de um programa social-liberal exequ�vel e da preserva��o da ampla coaliz�o democr�tica que se formou, n�o de um “governo popular” com uma agenda sindical classista. A centralidade de seu governo est� na defesa da democracia, no compromisso com a sustentabilidade e no combate �s desigualdades, sem uma vis�o exclusivista, sect�ria e revanchista.
 

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