
�s 6 em ponto da tarde de 23 de fevereiro de 1981 come�ava a vota��o nominal para a investidura de Leopoldo Calvo-Sotelo como presidente do governo da Espanha. Cerca de 20 minutos depois, um grupo de guardas civis, encabe�ado pelo tenente-coronel Antonio Tejero Molina, irrompeu no plen�rio do Congresso espanhol. “Quieto todo el mundo!”, gritou Molina, e mandou que se deitassem no ch�o. Ali presente, o vice-presidente do governo, o general Guti�rrez Mellado, repreendeu-o e ordenou que os invasores depusessem as armas. A resposta foi uma rajada de carabinas. Tudo sendo filmado para o mundo.
Pouco depois, sublevou-se em Val�ncia o comandante da II Regi�o Militar, general Jaime Milans del Busch, que declarou “estado de exce��o” e p�s nas ruas algumas companhias de blindados. �s 9 da noite, o Minist�rio do Interior informava a forma��o de um governo provis�rio. � meia-noite, o subchefe de Estado-Maior do Ex�rcito, general Alfonso Armada, apresentou-se com duplo objetivo: convencer o tenente-coronel Tejero a depor as armas e assumir ele pr�prio o papel de chefe do Governo, sob as ordens do rei, em atitude claramente anticonstitucional.
Os principais lideres pol�ticos do pa�s, entre os quais Suarez Gonz�les, ainda presidente; Felipe Gonzales, o l�der da oposi��o; e Santiago Carrillo, l�der do Partido Comunista, eram ref�ns dos invasores. No entanto, para Molina, Almada n�o era a “autoridade competente” esperada e foi despachado. O plano come�ou a fracassar quando o general de divis�o Torres Rojas, governador militares da Corunha, foi impedido de mobilizar a Divis�o Coura�ada Brunete pelo seu comandante, general Juste.
A virada se deu uma hora depois, quando o rei Juan Carlos I, vestindo o uniforme de capit�o-general, condenou o golpe e ordenou que as For�as Armadas voltassem aos quart�is, num pronunciamento pela tev� espanhola. Mais tarde, o Conselho Supremo da Justi�a Militar viria a condenar 29 oficiais golpistas. Molina, Bosch e Amada receberam penas de 30 anos. At� hoje, ningu�m sabe qual dos tr�s ou se um quarto elemento seria o “Elefante Branco”, o chefe da conspira��o. O general Rojas foi condenado a 12 anos e, depois, indultado.
� muito grave o envolvimento do coronel Jean Lawand Junior, ent�o subchefe do estado-maior do Ex�rcito, na conspira��o para destituir o presidente Luiz In�cio Lula da Silva, que resultou na invas�o do Pal�cio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), em 8 de janeiro.
As mensagens trocadas entre o ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro, coronel Mauro Cid, e Lawand mostram que a escalada golpista estava bastante avan�ada e havia de fato uma conex�o com outros oficiais da ativa, comandantes de tropas, que precisa ser investigada. Quando nada porque temos um hist�rico de rebeli�es militares liderada por oficiais, de tenentes a coron�is, sem falar em generais. Lawand seria o pr�ximo adido militar adjunto em Washington (EUA).
Narrativa golpista
O que ocorreu na Espanha serve de exemplo. � preciso identificar e punir os golpistas, exemplarmente. O relat�rio da Pol�cia Federal sobre o envolvimento de Mauro Cid na conspira��o golpista teve o sigilo retirado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator das investiga��es no Supremo. As revela��es s�o estarrecedoras. Na documenta��o armazenado no celular, as justificativas para decretar a GLO, autorizar estado de s�tio e afastar ministros do STF s�o as mesmas usadas na campanha de Bolsonaro, para defender a anula��o do resultado do primeiro turno das elei��es.
O roteiro do golpe era coerente com a narrativa de que o resultado das elei��es foi alterado por decis�es do Judici�rio. De posse das informa��es, os comandantes militares deveriam nomear um interventor com plenos poderes, que poderia anular a elei��o de Lula. O plano come�ou a ser arquitetado em 25 de outubro de 2022, �s v�speras do segundo turno, com o argumento de que as For�as Armadas seriam o “poder moderador”, que resolveria os conflito entre os tr�s Poderes.
A tese fora defendida em artigos e entrevistas pelo jurista Ives Gandra, ao interpretar o artigo 142 da Constitui��o Federal. Uma das alega��es para o golpe seria de que medidas dos ministros do Supremo que fazem parte do TSE prejudicaram o pleito. Por conta disso, a trama envolvia o afastamento dos ministros Alexandre de Moraes, C�rmen L�cia e Ricardo Lewandowski. Os substitutos seriam Nunes Marques, Andr� Mendon�a e Dias Toffoli. Supostamente, tudo “dentro das quatro linhas da Constitui��o”, termo muito usado por Bolsonaro e outros militares para criticar decis�es do STF e do TSE.
Conclus�o da Pol�cia Federal: “A an�lise parcial dos dados armazenados no aparelho telef�nico pertencente a Mauro Cesar Barbosa Cid evidenciou que o investigado reuniu documentos com o objetivo de obter o suporte ‘jur�dico e legal’ para a execu��o de um golpe de Estado”. Em nota ao Correio Braziliense, o Ex�rcito informou: “Opini�es e coment�rios pessoais n�o representam o pensamento da cadeia de comando do Ex�rcito Brasileiro e tampouco o posicionamento oficial da For�a”. Reafirmou que “prima sempre pela legalidade e pelo respeito aos preceitos constitucionais”, como institui��o de estado, apartid�ria.
A defesa de Bolsonaro tenta fazer do lim�o uma limonada: os di�logos comprovariam “que o presidente Bolsonaro jamais participou de qualquer conversa sobre um suposto golpe de Estado”. Nesse sentido, digamos, sua viagem aos Estados Unidos, dois dias antes da posse de Lula, foi providencial. Na verdade, teriado sido convencido a n�o assinar o famoso decreto de interven��o no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e cair fora do pa�s por alguns ministros palacianos, que n�o estavam na conspira��o golpista. Mas havia generais no Pal�cio do Planalto que pensavam o contr�rio.