
Uma das caracter�sticas de pa�ses de dimens�es continentais como o Brasil � a dificuldade de dar um cavalo de pau do rumo das coisas. � mais ou menos como a diferen�a da capacidade de manobra do jet-ski para a de um graneleiro de grande porte, que vira de proa lentamente e, por causa da in�rcia, precisa da ajuda de rebocadores para atracar com seguran�a nos portos. Governos podem mudar de prioridades abruptamente, mas isso � muito raro, porque pode ser considerado um estelionato eleitoral.
O Plano Real foi um cavalo de pau na economia, mas havia uma necessidade real, por causa da hiperinfla��o, e um certo consenso nacional de que algo de novo deveria ser experimentado, diante do fracasso de sucessivos planos econ�micos, desde o Plano Cruzado, no governo Jos� Sarney. O Plano Collor fora um grande fracasso e o presidente Itamar Franco, que assumira a Previd�ncia, diante da falta de horizonte, decidiu inovar. Com a transfer�ncia do ent�o ministro de Rela��es Exteriores, Fernando Henrique Cardoso, para o Minist�rio da Fazenda, montou-se uma das melhores equipes econ�micas de que se tem conhecimento.
Seu maior m�rito foi a audaciosa estrat�gia de transi��o de moeda, realmente inovadora, com a cria��o do Real. Como deu certo, Fernando Henrique Cardoso tornou-se candidato a presidente da Rep�blica e foi eleito sucessor de Itamar. Promoveu uma reforma banc�ria, um duro ajuste fiscal e as privatiza��es da maior parte do setor produtivo estatal. Ap�s reeleito, foi obrigado a fazer uma desvaloriza��o cambial que pegou o povo de surpresa e foi considerado um estelionato eleitoral.
O presidente Luiz In�cio Lula da Silva foi eleito com uma plataforma centrada nos programas de seus governos anteriores, entre os quais o Bolsa Fam�lia e o Plano de Acelera��o do Crescimento (PAC), que ser� relan�ado hoje. Para isso, precisou mudar o regime de Teto de Gastos adotado no governo Michel Temer para controlar a infla��o herdada do governo Dilma Rousseff, cuja “nova matriz econ�mica” fora um desastre anunciado e lhe custara o mandato. Lula herdou do governo de Jair Bolsonaro uma pol�tica de terra arrasada nas �reas ambiental e sociais, principalmente sa�de e educa��o; uma pol�tica de seguran�a p�blica inspirada na “lei do mais forte”; e um in�dito isolacionismo externo, pautado pelas rela��es ideol�gicas do ex-presidente Bolsonaro com a extrema-direita mundial. H� mais coisas ruins, mas essas eram as mais evidentes.
Ap�s assumir, Lula teve de enfrentar uma situa��o pol�tica complexa, em que houve uma tentativa de golpe de Estado, de um lado, e uma amea�a de recess�o provocada pela pol�tica de combate � infla��o do Banco Central (BC). Ou seja, duas prioridades imprevistas. Derrotara o ex-presidente Bolsonaro e seus partid�rios por uma estreita margem de votos, enfrentava uma situa��o econ�mica dif�cil e n�o tinha uma base parlamentar consolidada no Congresso, tendo que negociar com o Centr�o para garantir o m�nimo de governabilidade. N�o fosse o Supremo Tribunal Federal (STF), a democracia estaria muito amea�ada.
Viol�ncia
A aprova��o da nova pol�tica economia (novo arcabou�o fiscal e reforma tribut�ria) e a atra��o do Centr�o para o governo, para garantir uma base parlamentar mais est�vel, afastam os principais perigos de desestabiliza��o do governo. S�o um cavalo de pau bem sucedido. Abrem espa�o para a implementa��o efetiva das pol�ticas ambientais e de defesa dos direitos humanos. A pol�tica externa volta ao leito natural, ap�s o fracasso da busca exagerada de protagonismo nas negocia��es do fim da guerra na Ucr�nia. O Itamaraty navega de vento em popa na quest�o ambiental, por muitas raz�es, entre as quais a necessidades objetiva de preserva��o da floresta e o apelo que essa quest�o desperta na opini�o p�blica mundial.
Mant�m-se a centralidade da quest�o democr�tica. A aproxima��o com a R�ssia de Putin, a Venezuela de Maduro e a Nicar�gua de Ortega teve um pre�o muito alto, pois abriu o flanco de Lula para outros presidentes da regi�o, entre os quais Lu�s Lacalle Pou, do Uruguai; Gabriel Boric, do Chile; e Gustavo Petro, da Col�mbia, fizessem um contraponto que enfraquece sua lideran�a regional. Os dois primeiros em rela��o aos regimes autorit�rios da regi�o; o terceiro, em rela��o � quest�o ambiental na Amaz�nia.
Entretanto, a recente C�pula da Amaz�nia mostrou que a quest�o ambiental no Brasil � muito mais complexa. Por exemplo, Lula precisa dar mais aten��o � seguran�a p�blica na regi�o. O assassinato do candidato a presidente do Equador Fernando Villavic�ncio por traficantes colombianos, em plena campanha eleitoral, mostra que a quest�o ganhou outra dimens�o pol�tica.
A seguran�a p�blica n�o pode ser tratada como um problema estadual, tanto nas cidades brasileiras e quanto nas florestas da Amaz�nia. Exige a presen�a forte do governo federal, inclusive pelas implica��es pol�ticas. Em contrapartida, a viol�ncia policial nas periferias de cidades das regi�es metropolitanas de S�o Paulo, Rio de Janeiro e Bahia exige uma pol�tica de seguran�a p�blica que respeite os direitos humanos. S�o velhas prioridades.