
Reza a lenda que os pets s�o animaizinhos m�gicos. Eles t�m a capacidade de atrair para si energias negativas que estavam destinadas aos seus tutores. Eles se oferecem em sacrif�cio quando sentem que seus tutores est�o em perigo. Assim, adoecem e morrem "antes da hora". Isso os deixa felizes e realizados.
� como se tivessem cumprido seu papel na Terra como her�is. Os que deixam para tr�s um irm�ozinho com dificuldades neurol�gicas ficam duplamente felizes quando partem com a certeza de que o tutor saber� zelar com muito amor pelo irm�ozinho. Pode acreditar.
Mandei essas palavras para uma sobrinha que perdeu, atropelada, uma gatinha que havia adotado h� seis meses. Rebeca era o nome dela e Pink o do irm�o que tem problemas neurol�gicos. Problemas que o impedem de pular alto e, consequentemente, de ganhar o mundo externo.
Enquanto Pink se via obrigado a ficar entre os muros da casa, Rebeca explorava as ruas de Boa Vista, Roraima, onde mora minha sobrinha. A gata a esperava chegar do trabalho diariamente do lado de fora do port�o. S� entrava quando algu�m chegava no final do dia e lhe abria a porta, como se isso fosse necess�rio para ela poder entrar. Entendi que era uma forma de protesto por t�-los deixado sozinhos durante todo o dia.
At� que um dia Rebeca sumiu. Pelo grupo de WhatsApp do bairro, minha sobrinha soube do atropelamento e morte da gata. Ficou arrasada. Eu tamb�m, pois sempre que vou l�, dentro de meu projeto de oficinas de costura para refugiados venezuelanos, desfruto da companhia dos pets da casa, onde fico hospedada em meio � bicharada.
Por essas e outras, disse a ela, n�o quero mais t�-los. Meu marido me reprime, argumentando que dessa forma daqui a pouco n�o vou querer mais fazer novos amigos. Mas confesso que tenho traumas com animais. Um dia, saindo apressada de minha casa, atropelei e matei minha cadelinha. Como foi dif�cil processar isso! Falar sobre o ocorrido ainda � uma tortura para mim e olha que j� se passou mais de uma d�cada.
Para piorar, foi exatamente no dia em que eu comemorava anivers�rio. Na �poca, um amigo me contou a hist�ria que falei acima, sobre os pets se oferecerem em sacrif�cio. Por mais esot�rico e estranho que possa parecer, a ideia me serviu de consolo. Lidar com a culpa ainda nos � muito doloroso, por ser dif�cil de digerir o fato de que poderia ser evitado.
Mas refletir sobre tudo isso nos for�a a pensar que somos humanos, ou seja, capazes de errar, mas principalmente de consertar. E consertar n�o quer dizer refazer, mas fazer de outra maneira.