Naquela confusa geografia do leste europeu, em que coabitam mapas imagin�rios de v�rias �pocas, Kaliningrado � um enclave russo no Mar B�ltico de frente para a Su�cia. Quando a cidade ainda pertencia � Pr�ssia, viveu ali o fil�sofo Immanuel Kant. De Kant se origina a influente tese da paz democr�tica. Segundo essa, quanto mais liberais, democr�ticos e republicanos forem os pa�ses, menos guerra haver�.
Democracias n�o entram em guerra umas com as outras. Por outro lado, � mais prov�vel que diferen�as ideol�gicas fa�am provoca��o e conflitos entre democracias e regimes autorit�rios. Muitos dos problemas se originam do autoritarismo humano – existente em todos os regimes – agravado pelo preconceito e problemas de comunica��o.
Democracias n�o entram em guerra umas com as outras. Por outro lado, � mais prov�vel que diferen�as ideol�gicas fa�am provoca��o e conflitos entre democracias e regimes autorit�rios. Muitos dos problemas se originam do autoritarismo humano – existente em todos os regimes – agravado pelo preconceito e problemas de comunica��o.
Caso t�pico do dilema de seguran�a em que a Otan, querendo aumentar seu sentimento de seguran�a, cause um aumento no sentimento de inseguran�a por parte de Moscou, que reage aumentando a inseguran�a dos pa�ses da Otan. Nos �ltimos seis anos, duas bases lan�adoras de m�sseis foram inauguradas pelos EUA em dois pa�ses do antigo Pacto de Vars�via (alian�a militar dos pa�ses socialistas, sob a tutela da extinta URSS, para se opor � Otan). A de 2016, na Rom�nia, fica de frente para a Crimeia (ocupada pela R�ssia em 2014). A outra, inaugurada m�s passado em Redzikowo, na costa b�ltica da Pol�nia, fica a 200 quil�metros da Kaliningrado de Kant, na reta de Moscou.
Qualquer que seja a explica��o militar, para defesa ou ataque, o certo � que todo escudo vira alvo. O mais popular xingamento na Ucr�nia n�o � ofender a m�e do outro. � praguejar: que Deus te d� um mau vizinho!. Ser� por qu�? Se a estrat�gia dos EUA – que n�o s�o vizinhos nem da Europa ocidental nem do leste europeu – for entupir os nacionalistas ucranianos de armas e submeter a R�ssia a san��es digitais, financeiras e comerciais jamais vistas, d� para entender que a Europa n�o se sinta protegida, muito menos os ucranianos. Ser� ruim para os russos – que se preparam para escalada de san��es desde 2014 –, mas � tamb�m ruim para todo mundo, inclusive para a lideran�a dos EUA num mundo livre e democr�tico.
Pobre Ucr�nia. Lugar onde brincam de guerra por causa de uma hist�ria de duas revanches desnecess�rias, mas friamente calculadas. Parte dos EUA quer dar um troco na R�ssia por conta de os russos ficarem tacando pedras no telhado de vidro americano – se enfiando em elei��es, guerras etc. Enquanto isso, Putin quer dar um troco por conta de seu passado de espi�o sovi�tico que n�o se conforma com o fato de que, ap�s a queda da URSS, a R�ssia foi enfraquecida e desprestigiada deliberadamente.
� um conflito ao mesmo tempo desajuizado e conveniente para quem assiste de longe e de que at� o Brasil quis tirar casquinha semana passada. Sobre a possibilidade de in�cio e manuten��o, em pleno s�culo 21, de conflitos e governos desajuizados que jogam o jogo do poder com perspectivas morais confusas, � s� lembrar a guerra esquecida e sem fim no I�men, que mata crian�as todo o dia, e ningu�m na ONU sabe o que fazer para dar um fim.
Agora, no Leste Europeu, o que ocorre � um experimento total do conflito contempor�neo. Guerra de desinforma��o; guerra de pequena vingan�a; guerra h�brida de treinamento; guerra por procura��o; guerra de redes; guerra a dist�ncia. Guerra de descaso com o cidad�o que pouco se interessa se vai ser ferrado por uma Otan expansionista ou por uma for�a��o de barra para fazer ressurgir um Pacto de Vars�via � la Putin. � uma face entre irrespons�vel e assassina do nacionalismo. Seja ele russo, ucraniano, ou dos valent�es de arquibancada da Otan que ficam incitando a confus�o.
Pretextos arranjados para se iniciar guerra sempre existiram. Quem n�o se lembra da S�ria e do Iraque? Ano passado, morreu Colin Powell, general que passou a �ltima d�cada de sua vida se arrependendo de ter chancelado a intelig�ncia enganosa que jogou a Organiza��o para a Proibi��o de Armas Qu�micas (OPAQ) no ch�o e custou a cabe�a do embaixador brasileiro Mauricio Bustani, que resistiu � invas�o do Iraque.
� evidente que a viola��o da soberania ucraniana por parte de Moscou ou de qualquer outra for�a � um absurdo. Mas a diplomacia pode fazer mais se Otan e R�ssia afirmarem a capacidade de um n�o guardar rancor do outro. Cortar a R�ssia do sistema global de pagamentos (SWIFT) e outras puni��es digitais e comerciais pode parecer culto e evolu�do, mas o efeito demonstra��o criar� mais fissuras de confian�a no mundo. A R�ssia j� est� alienada e briga justamente por conta disso. Alien�-la ainda mais s� vai fortalecer elementos retr�grados e autorit�rios que acham que as vidas ucranianas podem ser queimadas numa revanche desnecess�ria para testar sei l� o qu�. (Com Henrique Delgado)
PAULO DELGADO, soci�logo