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Estado de Minas COLUNA

O protocolo do longo adeus

Quando voc� fala com uma pessoa e ela n�o ouve o que voc� diz, ela precisa de um protocolo qualquer para viver em sociedade


18/12/2022 04:00 - atualizado 18/12/2022 08:05

ELIZABETH II
(foto: AFP)

Transi��es s�o comuns � vida. Quando ela ocorre e pessoas e institui��es n�o ficam paralisados, � que se tem a dimens�o da maturidade dos personagens envolvidos.

Durante mais de 70 anos no trono ingl�s, a rainha Elizabeth come�ou a sair de cena muito antes de morrer. Paulatinamente, se afastou dos compromissos internacionais, transferiu para o marido a responsabilidade de in�meros atos oficiais, distinguiu dois dos quatro filhos como sucessores capazes de assumir o trono e, assim, preparou o Reino Unido para a sua aus�ncia.

Tony Blair, o mais longevo primeiro-ministro ingl�s, quando viu sua popularidade despencar anunciou sua sa�da sete meses antes de deixar o cargo. Criou melhores condi��es para o partido trabalhista fazer a sucess�o sem mais traumas do que os de sempre. Ao passar o poder para Gordon Brown, deixou no Gabinete uma carta de boas-vindas. O mesmo fez Brown, anos depois. Ao renunciar, ap�s a derrota trabalhista nas elei��es, entregou o posto com igual altivez para o conservador David Cameron.

Minutos ap�s o fechamento das urnas e anunciado o vencedor, a candidata de extrema-direita francesa, Marine Le Pen, ligou para o vitorioso Emmanuel Macron cumprimentando-o pela vit�ria. E consolou seus apoiadores: “Com 41% dos votos, obtivemos uma vit�ria marcante. Milh�es de compatriotas compreenderam nossa mensagem. Eu n�o tenho ressentimentos. Nesta derrota, n�o posso deixar de sentir uma esperan�a”.

Quanto de educa��o uma pessoa suporta diante da realidade de uma decep��o? Quanto de simpatia se deve oferecer a algu�m despreparado para enfrentar frustra��o? Sofrer com um fracasso � normal. Levar o sofrimento � depress�o pode ser anormal. Especialmente se sugere um tipo de depressivo que quer ser infeliz para legitimar a depress�o.

Quando o l�der pacifista e da independ�ncia da �ndia Mahatma Ghandi foi assassinado, enquanto agonizava em sua casa, em Nova D�lhi, perguntou � sua filha e sucessora quem era o atirador. Ao saber que n�o era um estrangeiro, paquistan�s, mas um compatriota e hindu, se acalmou e disse: “Melhor assim, n�o temos como culpar ningu�m de fora”.

S�o fatos e atos regulares que tornam a democracia plena, falha ou imperfeita. O protocolo, as leis preestabelecidas e suas regras conhecidas, o acordo de conviv�ncia, s�o in�meras as formas existentes em todos os pa�ses para o governante evitar trope�ar na realidade. E encontrar desculpa para se comportar de maneira inflex�vel diante de situa��es novas.

Os termos da transi��o das rela��es de sa�da do Reino Unido da Uni�o Europeia – em virtude do Brexit – exigiram paci�ncia e determina��o inimagin�veis. Consultas e contatos, procedimentos, orienta��es pormenorizadas, formalidades aplic�veis aos dois lados n�o teriam chegado ao texto comum se n�o houvesse responsabilidade p�blica nacional e internacional dos negociadores. Ao ser solenemente assinado, o Memorando de Entendimento consagrou a vit�ria da civilidade, mais do que, talvez, do com�rcio e dos impostos. Pois mesmo havendo conflitos, at� hoje insuper�veis – nascidos do div�rcio amig�vel entre na��es, ap�s meio s�culo de casamento, por raz�es econ�micas, comerciais e culturais –, o protocolo protege a liturgia do interesse p�blico e privado, iguala o desajeitado e castiga o deseducado.

Ruim mesmo, para quem gosta e pode viajar, foi voltar a valer o passaporte, o documento oficial da desconfian�a entre as na��es, dando � burocracia poder sobre o livre tr�nsito de pessoas entre os dois lados do Canal da Mancha. Um retrocesso enorme para a popula��o. Que fazer? Decis�o de plebiscito, em elei��o livre.

Protocolo � mais simples do que cortesia, etiqueta ou pompa. Descreve a condi��o que cerca um fato e possui liga��o com sua natureza. Organiza a cerim�nia de maneira formal, ritual. At� para desfile de carnaval tem protocolo. S�o regras para quem quer evitar aborrecimento e frear os fantasmas do insatisfeito. O protocolo � feito para acalmar.

Mesmo que a pessoa tenha uma opini�o muito forte sobre si mesma, como ocorre com vaidosos, militares e reis, o caminho que a humanidade trilhou para se tornar hospitaleira � longo e ainda n�o chegou ao fim. Diante do protocolo de Estado, a personalidade da pessoa � apenas parte do seu programa de vida, n�o um impasse.

Quando voc� fala com uma pessoa e ela n�o ouve o que voc� diz, ela precisa de um protocolo qualquer para viver em sociedade. Foi o que fizeram os Estados e os governos quando se tornaram democr�ticos. Assim como nada na vida fica parado, a alma das pessoas guarda segredos.

N�o � diferente no Brasil. O governante que n�o respeita protocolo est� em confronto com o adeus ao cargo, n�o com o protocolo.

* Paulo Delgado, soci�logo

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