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Estado de Minas RAMIRO BATISTA

Discurso de Lula deveria ser escrito a quatro m�os com a centro-direita

Lula tem disposi��o sincera de abrir o leque para a centro-direita, mas n�o divide seu discurso impregnado do corporativismo da concep��o � esquerda de governo


10/05/2022 06:00

O ex-presidente Lula durante discurso
Lula estava cercado por pelos companheiros da velha guarda (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A press)
N�o duvido que Lula tenha um comprometimento sincero com uma alian�a de centro-direita para ganhar elei��o e governar. Est� convencido de que precisa dela para sair do isolamento � esquerda, arriscado na elei��o e pelo menos no in�cio do governo.

Seu problema � ser ref�m dos paradigmas do PT e da frente de partidos sat�lites, com os quais comunga afinidades hist�ricas, profundas e que permeiam de corporativismo seus pronunciamentos, como o de s�bado, no lan�amento de sua candidatura.

De forma que, por mais que se esforce para convenc�-los da necessidade de abrir o leque de alian�as para todas as fac��es poss�veis, permanece atado �s cren�as inconscientes desse seu habitat natural, um tanto quanto estranhas ao novo mundo em que quer penetrar.

No lan�amento de sua candidatura no s�bado, a �nica coisa concreta � centro-direita entre os estimados 7 mil militantes estava a quil�metros dali e em forma de tel�o — o vice Geraldo Alckmin, salvo de novos constrangimentos por uma Covid.

Na cerim�nia incrementada de verde-amarelo e desavermelhada para sinalizar boa vontade com o novo mundo (imagino que n�o deve ser f�cil arrancar a camisa vermelha de certos militantes, salvo a p� de cabra), Lula estava cercado por pelos companheiros da velha guarda, de partido ou de copo, que pensam como ele ou mais � esquerda ou muito mais � esquerda: Boulos, Dilma, Dino, Freixo, Gleisi e muitos etceteras.

Nesse universo encapsulado � perfei��o pelo hino Lula-l� nost�lgico da mem�ria afetiva que os une, reciclado pelo instinto marqueteiro de Janja, era natural que o discurso do candidato transpirasse suas cren�as e sua vis�o de mundo. Dele e desse universo.

Foi limpo, objetivo, abrangente, consistente e meio po�tico, do balan�o do passado �s promessas de futuro, passando pela cr�tica do presente sem comprar briga com as elites. Mandou bem no tom de concilia��o para afastar as suspeitas de vingan�a pessoal, defender uma frente suprapartid�ria e recha�ar o clima de belicosidade que Jair Bolsonaro (n�o foi citado) alimenta:

— N�o esperem de mim ressentimentos, m�goas ou desejos de vingan�a. (...) Queremos construir um movimento cada vez mais amplo de todos os partidos, organiza��es e pessoas de boa vontade que desejam a volta da paz e da conc�rdia ao nosso pa�s. (...) Chega de amea�as, chega de suspei��es absurdas, chega de chantagens verbais, chega de tens�es artificiais. O pa�s precisa de calma e tranquilidade para trabalhar e vencer as dificuldades atuais.

Mas n�o deixou de ser na parte da economia, como � de seu estilo, de sua heran�a gen�tica e de suas conveni�ncias, a s�ntese do corporativismo que define o PT e a esquerda em suas concep��es de governo.

N�o s� porque � ostensivamente claro contra privatiza��es (Petrobras e Eletrobr�s, para in�cio de conversa) e radical a favor dos bancos p�blicos, mas enf�tico em tudo quanto � a��o que resulta, come�a ou termina na responsabilidade do Estado. 

A parte econ�mica � toda concebida pela a��o do dinheiro e dos agentes p�blicos: saneamento, constru��o de casas, financiamento da agricultura familiar e ao ambiente, pesquisa universit�ria,  desenvolvimento sustent�vel e est�mulo ao empreendedorismo, outra forma de dizer que o Estado vai produzir empres�rios � custa de incentivos. 

Na concep��o geral da pe�a, o setor produtivo que de fato gera a maior parte da riqueza, dos impostos e dos empregos, respons�vel pelas 20 milh�es de carteiras assinadas nos governos do PT, s� aparece contemplado como resultado de investimentos em infraestrutura, tamb�m do Estado.

H� um par�grafo, curto como todos, sobre criar um "ambiente de estabilidade pol�tica, econ�mica e institucional" — pelas m�os do Estado, claro — que incentive os empres�rios com a "garantia de retorno seguro e justo, para eles, para o pa�s e para o povo trabalhador".

Repare no "justo", como reflexo condicionado de uma tenta��o de controle estatal — sobre os limites do lucro, no caso — que de fato permeia quase tudo o que se fala. E onde um consumidor aparentemente subsidiado pelo Estado � que produz a riqueza e o empres�rio bem sucedido, n�o o contr�rio:

— Se os trabalhadores n�o t�m dinheiro para comprar, os empres�rios tamb�m n�o ter�o para quem vender. 

� a concep��o at�vica de que o desenvolvimento � produzido por forte presen�a estatal, da interven��o de t�cnicos, professores, pesquisadores, auditores, fiscais, m�dicos, engenheiros de planejamento estatal e burocratas em geral que comp�em o estamento burocr�tico onde sempre esteve a base eleitoral do seu partido.

De tal forma impregnada, que quase sempre confunde qualidade dos servi�os p�blicos com aumento de sal�rios e de pessoal das categorias neles envolvidas. Ou se vincule uma coisa � outra, sem que haja rela��o direta entre as duas coisas.

� imposs�vel reivindicar das categorias que puxam greve a servi�o do partido, sobretudo nas �reas de educa��o e sa�de, que defendam o que pode ser melhor para um servi�o p�blico racional: demiss�es, remanejamentos, readequa��es, reciclagens, puni��o dos relapsos,  promo��o dos produtivos e informatiza��o. Menos gente ganhando mais em ambientes profissionais.

Assim como � imposs�vel pedir num discurso de Lula, como neste, que defenda a redu��o do tamanho do Estado, em forma de desburocratiza��o, simplifica��o e redu��o da carga tribut�ria, que � o que de fato o empresariado precisa para ajudar o pa�s crescer.

Tirar o governo do cangote de quem produz, tirar Bras�lia das costas do Brasil, como pontificou muito bem Paulo Guedes no que foi a grande promessa e a grande diferen�a com o modo petista de ser. E n�o reabilitar penduricalhos trabalhistas, a �nica reforma que Lula defende quando pode e defendeu subliminarmente no discurso de s�bado.

Quando o governo de Dilma Rousseff come�ou a fazer �gua e se intensificaram as press�es por reformas e cortes, ele chegou a desafiar que apontassem o que cortar no servi�o p�blico. A depender dele, o Estado n�o pode ser enxugado em um s� office-boy. 

� uma ideia de governo do Estado, pelo Estado e para o Estado. De quem todos dependem e devem pedir obedi�ncia.

Um tipo de concep��o respeit�vel de quem acredita que ela funciona, porque sobrevive e se alimenta do recall de boas recorda��es dos seus dois governos — crescimento, emprego e renda — que embalam seus atuais n�meros nas pesquisas.

Mas h� que se fazer a pergunta crucial: funciona?

O resultado da interven��o movida a gastan�a forte no seu segundo governo aumentou a m�quina p�blica e o endividamento para inflar campe�s nacionais, fazer obras internacionais e subsididar a produ��o, abrindo m�o de receita. E acabou armando uma bomba de efeito retardado que caiu no colo de Dilma e deu no que deu.

Lula, no s�bado e sempre, recheia os n�meros exuberantes de seus governos, sem contar que desabaram todos depois (faculdades particulares quebradas, milhares de obras paralisadas, toneladas de dinheiro no ralo, quase toda a classe trabalhadora endividada no cr�dito consignado) e sem lembrar que a melhor fase do seu governo foram a dos primeiros quatro anos.

Em que seguiu justamente os princ�pios da racionalidade e sustentabilidade cont�bil negociados com a equipe de FHC pelo seu ministro da Fazenda, Ant�nio Palloci, e criou as bases do desenvolvimento que viria a desandar depois.

Encarou reformas importantes (como a da Previd�ncia de 2003) e organizou as contas de tal forma a quitar a d�vida externa (emprestou dinheiro ao FMI) e fazer um colch�o vistoso de reservas internacionais que segurou o pa�s na quebra mundial de 2009. 

� esse Lula e essa concep��o de governo que convinha estar em pelo menos parte de seu discurso de lan�amento, n�o s� por �bvio. Mas at� mesmo como parte do esfor�o de aproxima��o com a centro-direita em que investe com sinceridade.

Um discurso escrito a quatro m�os por, sei l�, seu redator preferido Luiz Dulci e um tucano cl�ssico como Arm�nio Fraga — como se repetindo o pacto Malan/Palocci — daria � sua candidatura um vi�s mais equilibrado entre as duas for�as que se esfor�a por juntar.

N�o parece muito honesto ou convincente propagandear a disposi��o de se abrir para todas as correntes de opini�o, do centro para a direita, se os sinais que emite em seus testamentos orat�rios s�o excludentes. Ou de tenta��o hegem�nica, como se diz da aspira��o petista de dominar as alian�as em que se mete.

Tenho poucas d�vidas de que Lula leria tamb�m um discurso assim, mesmo em meio ao universo fechado dos seus pares, se entendesse que ele ajudaria a expandir suas alian�as. Ou at� mesmo mudar a cabe�a da turma que n�o tira a camisa vermelha nem a p� de cabra.

Ele � do tipo livro aberto para se escrever o que conv�m, dependendo das circunst�ncias. N�o � � toa que evita dar clareza � sua pol�tica econ�mica, porque sabe que ter� que fazer a que for poss�vel, confiando em sua velha capacidade de negocia��o.

— Eu sou o �nico candidato cuja pol�tica econ�mica n�o deveria preocupar as pessoas, porque eu j� fui presidente duas vezes. N�s n�o discutimos pol�ticas econ�micas antes de ganhar as elei��es — disse � Time. — Voc� tem que entender que em vez de perguntar o que eu vou fazer, apenas veja o que eu j� fiz.

Imagino que sabe que, pelo menos no primeiro ano, j� com o Centr�o aboletado no governo, vai ter que governar com uma boa por��o de Arm�nio no discurso com cara de Dulci.

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