
— Mas como � que se explica que Lula esteja no topo das pesquisas e n�o possa sair � rua?
A pergunta � recorrente em minhas redes sociais ou nas pessoais 1.0, a cada vez que sai nova pesquisa eleitoral, e insistente a cada ato de fervor bolsonarista, em motociatas, caminhadas ou aglomera��es impressionantes como as deste domingo.
E vira deboche quando comparadas �s de fato fracassadas dos partidos da terceira via e do lulopetismo, como deu prova o esvaziado 1º de Maio em favor de Lula, tamb�m ontem, no Pacaembu.
Parto da explica��o mais �bvia de que pesquisas traduzem o momento, por mais que seja dif�cil responder a discrep�ncias reais entre institutos e viradas de �ltima hora, que provoca outra, recorrent�ssima:
— Se pesquisa acertasse, Dilma Rousseff seria senadora por Minas.
Adianta pouco explicar que pesquisas tamb�m influenciam comportamentos e mobilizam manadas.
Se o Jornal Nacional anuncia na v�spera da elei��o o favoritismo de uma candidata, a popula��o predisposta contra ela pode correr �s urnas na manh� de domingo para desmoralizar o resultado, como tudo indica que houve em Minas.
N�o � � toa que congressistas, vez ou outra, exercitam a tenta��o de proibi-las nas 72 horas anteriores ao pleito.
Acrescento minha tese do recall de polariza��o, derivada de uma famosa lei do marketing, a da dualidade. Que a disputa feroz de mercado acaba afunilando o gosto e a lembran�a do consumidor em duas marcas l�deres em forte oposi��o: Coca-Cola e Pepsi, McDonald’s e Burger King, Visa e Mastercard.
Ou a torcida pelos dois principais nomes ou ideias consolidados como oposi��o, em que a forte prefer�ncia ou rejei��o por um explica o outro: Rep�blica ou Monarquia, Democracia ou Ditadura, Atl�tico ou Cruzeiro, Emilinha ou Marlene, Pel� ou Maradona.
Instado a responder qual o melhor jogador do mundo, excluindo Pel�, o interlocutor vai recorrer ao primeiro nome que vem � mente de qualquer um que acompanhe futebol nos �ltimos 50 anos, ao sul do continente: Maradona.
(Ficou famosa a campanha de Washington Olivetto que posicionou o SBT em segundo lugar de audi�ncia no in�cio dos anos 90, quando havia d�vidas de qual emissora tinha a segunda posi��o contra o monop�lio inquestion�vel da Globo. N�o podendo competir com ela e dilu�do entre as outras redes, Olivetto o isolou na ideia de segundo lugar honroso, segunda op��o � l�der, que nunca mais saiu da mente dos telespectadores.)
� o que se d� com Lula em rela��o a Bolsonaro. � o primeiro nome a que se recorre como op��o inevit�vel diante da for�a que obteve por sua hist�ria de 40 anos na estrada eleitoral e as circunst�ncias da polariza��o que os puseram como espelhos que se explicam.
Pel� ou Maradona? Bolsonaro ou Lula? E as compara��es colaterais que suscitam rixas como em torcida de est�dio: ditadura ou democracia?, honestidade ou corrup��o?, rua cheia ou vazia?
Tamb�m n�o h� rela��o entre apoio de rua e de pesquisa, pela raz�o muito �bvia de que manifesta��es p�blicas como as de ontem puxam grupos segmentados e alinhados. S�o fortemente emocionais e energizadas, mas restritas � milit�ncia j� convertida.
Raras e longe de controle s�o as gerais de movimentos tect�nicos que arrastam multid�es de v�rios naipes em encruzilhadas hist�ricas, como a Marcha com Deus pela Fam�lia, em 64, as Diretas-J� no fim do regime militar, os impeachments de Collor e Dilma, em 1992 e 2016.
H� um enorme erro de dar a manifesta��es como as de ontem, bolsonaristas ou lulopetistas, o status de legitimidade da vontade da maioria, tenta��o comum a ambos.
� um velho sofisma da esquerda, antes detentora do monop�lio das ruas, chamar de "movimentos organizados da sociedade" o que s�o movimentos segmentados de seus grupos de apoio, em geral sindicalistas de pouco em comum com os interesses de fato majorit�rios da sociedade.
Idem para Bolsonaro, que ainda n�o desenvolveu um bom sofisma para sua tenta��o de dizer que seus manifestantes representam a vontade do povo brasileiro. Ataque ao STF em nome da liberdade de express�o, como ele quis qualificar ontem a motiva��o dos seus militantes, est� longe das preocupa��es da maioria real.
Dito isso, conv�m encarar que Lula tem de fato a base atual de cerca de 40% a 43% do eleitorado das pesquisas, que veio acumulando por tempo de estrada, servi�os prestados e um pouco por se tornar o Maradona como segunda resposta inevit�vel � disputa de egos da atual corrida eleitoral.
Por tempo, compet�ncia ou circunst�ncia, foi consolidando o apoio majorit�rio de pobres, funcion�rios p�blicos e a tr�ade de sonhadores que o v� como candidato anti-sistema desde sempre: universit�rios (professores e alunos), sindicalistas e artistas.
Essa massa, ampliada com a sustenta��o regional do apoio fervoroso de quase seita em metade do nordeste, lhe d�o um piso antigo e est�vel de 33% do eleitorado, consenso entre os estat�sticos de pesquisa eleitoral. Outros 7% a 10% acima disso adv�m de ter se tornado o outro polo maradonesco da equa��o.
Seu fiasco neste 1º de Maio se deve em primeiro plano � perda de capacidade de mobiliza��o das centrais sindicais, em decad�ncia desde a reforma trabalhista de Michel Temer, que lhes tirou o sustento. Mas muito tamb�m por estar sem palanque desde 2010, �ltimo do seu governo, n�o ter um discurso novo ou uma causa arrebatadora.
O contr�rio de Bolsonaro, aboletado no palanque di�rio da Presid�ncia e em causas mesmo que malucas. Por muito menos tempo, estrat�gia e circunst�ncias, est� tamb�m no patamar dos 33%. Tem o apoio majorit�rio, grosso modo, dos mais ricos, classe m�dia urbana, empres�rios, homens.
O contr�rio de Bolsonaro, aboletado no palanque di�rio da Presid�ncia e em causas mesmo que malucas. Por muito menos tempo, estrat�gia e circunst�ncias, est� tamb�m no patamar dos 33%. Tem o apoio majorit�rio, grosso modo, dos mais ricos, classe m�dia urbana, empres�rios, homens.
Tem fervor quase religioso de quase metade da regi�o norte e da tr�ade de pragm�ticos que o v� como melhor antagonista do seu espelho: agricultores, policiais, evang�licos — boi, bala e b�blia.
Donde que as pesquisas confluem para esses 33% de cada, � espera do outro ter�o do eleitorado, 33%, que resiste a ambos.
O fato de n�o aparecer um candidato que lhes fa�a p�reo � a melhor prova dessa cristaliza��o de Pel�/Maradona, Atl�tico/Cruzeiro, que n�o deixa alternativa para se considerar uma outra, a tal terceira via. Cristiano Ronaldo? Am�rica? Nacional de Muria�?
� um jogo de emo��es em que cada eleitor, como o torcedor de arquibancada, projeta no outro seus medos, �dios e recalques, o inimigo a destruir dentro de si mesmo. Em torcidas organizadas que podem at� redundar em morte.
E que, quase sempre, obscurece a capacidade de an�lise.
Boa parte do mal estar dos bolsonaristas com as pesquisas e a cobertura jornal�stica de seus atos deve residir na boa explica��o de Caetano Veloso, de que narciso acha feio o que n�o � espelho.
Outra parte na desconfian�a pertinente com suas falhas, a discrep�ncia de institutos, no primeiro caso, e a falsa equival�ncia no segundo.
Os institutos discrepam de fato e v�o confluindo para resultados semelhantes �s v�speras de elei��es, por raz�es insond�veis. E o jornalismo liberal � intrinsecamente prec�rio.
Por um tipo de heran�a, carma e conforto de ouvir os dois lados em propor��es iguais para evitar opini�o no corpo do notici�rio, ele evita encarar os fatos e tomar partido da realidade.
Voc� jamais ver� uma manchete do tipo "Atos pr� Lula foram mais esvaziados do que os de Bolsonaro". Ou vice-versa, embora n�o seja o caso de ontem. � at� poss�vel ler que um ou outro, isoladamente, foi esvaziado. Mas n�o uma compara��o que poderia soar militante.
� a tal falsa equival�ncia em que duas coberturas aparentemente isentas d�o sinal de volume correspondente e imparcialidade, mas que acaba cometendo o que, em outros casos, chama de "falsa simetria".
Aquela com que o lulopetismo rebate a compara��o a seu ver injusta entre Lula e Bolsonaro, levando-se em considera��o suas voca��es democr�ticas. E o bolsonarismo recorre para rejeitar qualquer equival�ncia entre os dois no quesito envolvimento com corrup��o.
Pesquisas e cobertura jornal�stica tradicional est�o pouco preocupados com isso, de dar conta dos anseios e medos coletivos, provis�rios e vol�veis, falsas ou verdadeiras simetrias. Pode ser dito sobre elas o mesmo que j� foi dito sobre o jornalismo em geral, que se trata do primeiro rascunho da hist�ria.
N�o � para levar pela primeira impress�o. Se aprofundar, ler bem lido, d� at� para chegar a uma meia verdade, provis�ria, que vai-se aperfei�oando com o exerc�cio da an�lise e do despreendimento para evitar preconceitos.
Outra op��o, bem pior, � o jornalismo militante de certos canais influentes de rede social, que, para evitar o espelho, satisfaz os narcisos. Mas a� a verdade nem chega a ser provis�ria. � limitada mesmo.