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Estado de Minas M�DIA E PODER

O charme do poder instintivo e sem deslumbre das Le�o, Danuza e Nara

A morte de uma e o seriado da outra me remetem ao fasc�nio e ao aprendizado com elas de ser simples, �ntegro e n�o se deslumbrar pelo poder, mesmo o desejando


25/06/2022 11:52 - atualizado 25/06/2022 12:43

Danuza e Nara Leão
A jornalista Danuza Le�o e a cantora Nara Le�o (foto: Divulga��o e Globoplay/Reprodu��o)
Sempre tive um fasc�nio ainda inexplicado pelas Le�o, Danuza e Nara, que se ampliou e me desafiou um pouco mais nos eventos recentes de morte da primeira e document�rio no streaming sobre a segunda.

Foram duas meninas simples que pareciam n�o estarem empenhadas para terem o poder excepcional que tiveram na segunda metade do s�culo 20, a n�o ser elas mesmas, com simplicidade e profunda integridade.

A certa altura da vida, ainda no come�o, por algum mecanismo inconsciente ou n�o, intu�ram que seriam maiores do que eram apenas por serem elas mesmas. Visceralmente aut�nticas.

Danuza estava l� pelos 14 anos, l� pelos finais dos anos 40, e sem roupa digna para ir ao cobi�ado carnaval do Copacabana Palace e se enrolou num peda�o de seda verde. Saiu de l� e para o mundo eleita a mais bonita da noite.

Nara estava um pouco a mais dessa faixa no final dos anos 50, de banquinho, viol�o, cabelo curtinho e uma vozinha de menina oposta em tudo ao vozeir�o e ao cabelo de laqu� das divas das paradas de sucesso. Mas j� eleita sem o saber a musa da gera��o de g�nios que iria fundar a Bossa Nova num apartamento da avenida Atl�ntica.

Danuza foi para Paris e para o mundo logo em seguida e nos quarenta anos seguintes, flanando como estrela principal de todos os sal�es do poder e de todas as festas em que pisou. De mulher de tr�s jornalistas influentes (Samuel Wainer, Ant�nio Maria e Renato Machado) a promoter e centro das maiores casas de divers�o da noite do Rio. 

Nara foi a primeira int�rprete, musa e refer�ncia quase insubstitu�vel que lan�ou os melhores compositores das m�sicas de tom confidencial do ritmo que ganharia o mundo. Nos 30 anos seguintes, at� morrer de c�ncer no final dos 80, sempre esteve no topo das paradas de sucesso.

Nenhuma das duas mudou um fio de cabelo ou puseram laqu� para chegar onde chegaram. Nara s� gravou o que quis, mesmo quando optou por Roberto Carlos e teve forte oposi��o de seu s�quito. Danuza brilhou como dona de casa e depois promoter que deixava seus maridos e os outros brilharem.

Quando Nara morreu de um c�ncer, depois de seu pai por suic�dio e o filho rep�rter da Globo Samuca, por acidente, ela entrava nos 50 e na fase em que, segundo diria em sua autobriografia, a gente come�a a perder. Mas tinha ainda outra vida pela frente e no mesmo diapas�o.

Como o vestido que n�o tinha e improvisou, j� meio cansada de ter ido a todas as festas, como dizia, tamb�m disse que n�o sabia escrever para o editor que lhe sugeriu um livro de etiqueta. S� podia ser, para quem vivia de receber e promover gente sem parecer a mais importante do sal�o.

Rabiscou o que sabia num caderno em espiral e entregou ao editor, na espera de que ele providenciasse um redator para dar ordem aos rabiscos. Pois ele leu e disse que o livro estava pronto como tal e assim seria publicado.

Como a Bossa Nova de Nara, Na Sala com Danuza, publicado no in�cio dos 90, virou refer�ncia em tom de confid�ncia de como se comportar. Substitu�a a frescura e os bons modos fabricados dos manuais de Socila pelo bom senso lastreado em simplicidade e bom humor.

Voc� podia ser e comportar como quisesse na sala, na mesa ou nos encontros, mas desde que n�o fosse chato. A base era a educa��o que vem de casa, que abominava o pedantismo, a afeta��o e o desrespeito. Um carnaval de sabedoria mundana cheio de ironia:

— Perguntar a idade de uma mulher � crime, s� que ainda n�o previsto no C�digo Penal. Ainda.

— Se voc� encontrar outra pessoa com uma roupa exatamente igual � sua, o que fazer? Sem perder o humor, chame o fot�grafo e pe�a para registrar a cena hist�rica.

— Nunca tente roubar a empregada de sua amiga, essas coisas n�o se perdoam.

— Se a sua bab� te convidou para ser madrinha de casamento, nada de ir simplesinha, com medo de chocar. V� superelegante, foi para isso que ela te chamou. E n�o se esque�a de mandar de presente o mais caro dos eletrodom�sticos. Foi para isso tamb�m que ela te convidou."

— Tratar uma pessoa mais velha por voc� � uma coisa que, contrariando todas as regras, costuma alegrar muito o cora��o de um idoso.

— Quando te perguntarem "Oi, tudo bem?" n�o engrene com um "Ah, minha filha, com uma gripe!" e a�, os detalhes. Sobretudo, n�o diga o nome dos rem�dios que est� tomando.

— Cuidado com o dedinho ao segurar qualquer x�cara. Ou um copo. Se ele insistir em levantar, use um esparadrapo ou Superbonder.

O manual em tom de viol�o e banquinho a projetou para substituir no ainda honor�vel Jornal do Brasil o colunista de pol�tica, cultura e comportamento que parecia insubstitu�vel, Z�zimo Barroso do Amaral. Dali para colunas em outros grandes jornais e oito livros sempre ousados, sem nunca ter deixado a impress�o de que sempre quis ser jornalista.

Tinha trocado definitivamente as roupas de brilho por camisetas simples, crach� e bloquinho de "profissional de imprensa" que vestia meio com orgulho nos eventos da noite.

Sua assistente no JB, Isabel de Luca, conta que ela deixava os amigos assistindo o espet�culo de fotos de Copacabana, da varanda de seu apartamento, no Ano Novo, e ia correr os bailes vestida de jornalista e bloquinho.

Confessou a Ruy Castro, o grande bi�grafo de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, que resistiu a fazer uma biografia dela ainda viva, sobre os tr�s maridos da mesma profiss�o:

— Acho os jornalistas divertidos. Chegam tarde em casa, t�m certas vantagens do poder, mas n�o se deslumbram e sabem de tudo antes dos outros.

Me parece a� sua chave: a simplicidade, a intui��o e esse fairplay dos jornalistas que, como ela nos bailes e sal�es, gozam e gostam da intimidade do poder sem parecer que a deseja e pretende us�-la. Nos melhores da profiss�o, com distanciamento cr�tico.

Algu�m j� ensinou antes dela que o jornalista s�rio n�o deve se aproximar demais de sua fonte para n�o ser cooptado e nem se afastar demais que perca a not�cia. Ou�o Danuza sugerindo, como numa de suas frases, que n�o se deve tocar e ficar a mais de 50 cent�metros do interlocutor, salvo se estiverem indo para o motel.

O jornalista, � luz da intui��o de Danuza, me parece o cara que est� sempre querendo ir para o motel com o poder, mas que deve manter a equidist�ncia, a integridade e o fairplay.

N�o deve ser s� coincid�ncia que um dia tenha recebido um pol�tico importante na reda��o e perguntado �s gargalhadas � sua assistente Isabel de Luca, assim que ele saiu:

— Ser� que eu dei pra ele?

Aprendi muito com os tr�s livros que li dela, sobretudo a autobiografia Quase Tudo, de 2003, onde ela confessou, para surpresa de todo mundo, que tinha chegado aos 70.

Parecia improv�vel para aquela jornalista de camiseta e crach� ou paquerando em Paris com a mesma disposi��o com que, quase 60 anos antes, tinha se enrolado no peda�o de seda verde para ir ao Copacabana Palace.

Dos ensinamentos de Na Sala com Danuza, al�m do que n�o se deve usar palito de dentes nem dentro do banheiro, com a luz apagada, levei para a vida o de jamais ser chato, nas rodas de conversa, nos primeiros encontros e at� no ato de escrever. 

Posso at� ser e encher o saco do leitor por incompet�ncia, mas nunca por consci�ncia. A ideia de n�o chatice, que herdei dela, tem tamb�m a ver com simplicidade, coloquialidade, respeito com os diferentes e uma integridade de quem pode at� estar errado, mas sendo sincero.

Ah, e que gosta de poder tamb�m. Mas gosta mais do jeito dela, que era tamb�m o de Nara, de estar perto dele sem se deslumbrar. Porque tudo passa. E a gente, como elas, tamb�m morre.

Aqui, artigos anteriores da coluna.







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