
Maria Helena tem uma amiga, J�lia, e apesar da grande diferen�a de idade (s�o 20 anos a separ�-las) d�o-se t�o bem como se fossem companheiras de inf�ncia. Ambas se encontram semanalmente, em uma sess�o de terapia em grupo, destinada a amparar e a apoiar v�timas de ass�dio e abuso sexual. Ao lado de outras seis mulheres, incluindo duas jovens, de 18 e 19 anos, tentam tornar a vida menos sofrida.
O leitor e a leitora mais atentos perceber�o que estamos falando, no caso de Maria Helena, de um crime ocorrido h� quase 20 anos. Ela foi assediada e abusada sexualmente, em seu local de trabalho, quando tinha 32 anos. Como j� dito, com 35, obteve a aposentadoria, n�o sem antes percorrer um �rduo e sofrido caminho burocr�tico pelas entranhas do INSS. Hoje, recebe 2 sal�rios m�nimos e meio (1/4 do que ganharia se na ativa).
TRAG�DIA NACIONAL
Maria Helena � apenas um caso dentre milhares, ou talvez milh�es, de outros semelhantes - e ainda piores - ocorridos anualmente no Brasil. Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econ�mica Avan�ada), s�o 822 mil casos de estupro por ano no Pa�s. Dados dispon�veis no site do Tribunal de Justi�a do Distrito Federal e Territ�rios (TJDFT) s�o ainda mais alarmantes e assustadores.
37,9% das brasileiras foram v�timas de algum tipo de ass�dio sexual nos �ltimos doze meses (cerca de 26,5 milh�es de mulheres). Ali�s, como n�o recordar de recente epis�dio ocorrido na Presid�ncia de um dos maiores bancos do Pa�s, a Caixa?
Por l�, encontramos n�meros da pesquisa “Vis�vel e Invis�vel: a Vitimiza��o de Mulheres no Brasil”, realizada pelo Datafolha, que mostra que Para quem n�o se lembra, Pedro Guimar�es, ent�o presidente e amigo pr�ximo de Jair Bolsonaro, pediu demiss�o, em junho do ano passado, em meio a dezenas de acusa��es de ass�dio sexual, supostamente cometidos entre 2019 e 2022. Atualmente, o ex-executivo � r�u em a��o penal e seu processo corre sob sigilo de Justi�a na 15ª Vara Federal de Bras�lia.
SEQUELAS E MORTES
Se barbaridades assim ocorrem na capital federal, em uma empresa do porte da Caixa, em alt�ssimo escal�o, imaginem o que se passa no chamado “Brasil Profundo”. Com quase 6 mil munic�pios, espalhados por 26 estados mais o Distrito Federal, nosso Pa�s conta com um dos maiores �ndices mundiais de ass�dio sexual no local de trabalho. Nesta quarta-feira (14/6), veio � tona mais um caso que, desta vez, n�o deixou sequelas psicol�gicas e emocionais � v�tima, pois, lamentavelmente, terminou em morte.
Uma jovem escriv�, de apenas 32 anos, n�o suportou o ass�dio brutal que sofria em uma delegacia de pol�cia de Caranda� (MG) e cometeu suic�dio. Ao contr�rio de Maria Helena, Rafaela Drummond n�o resistiu � press�o. E ao contr�rio de ambas, neste exato momento, mulheres impotentes encontram-se subjugadas por criminosos que abusam da autoridade, do poder, do dinheiro e da pr�pria caracter�stica do trabalho para mant�-las “escravas sexuais”.
Uma mulher abusada - e quanto mais jovem, pior - carregar� para sempre feridas incur�veis, que se mostrar�o presentes a cada dia, sob a forma de doen�as mentais, emocionais, psicossom�ticas e, no limite, do autoexterm�nio. O ass�dio sexual � um crime inomin�vel, e tanto pior se seguido de abuso f�sico, de contato, de… estupro! Deveria fazer parte dos chamados crimes hediondos, inafian��veis sob quaisquer atenuantes, porque a “porta de entrada” para o estupro.
CAD� O ESTADO?
H� males que poderiam - e podem - ser evitados a partir da devida aten��o e atua��o do Poder P�blico - lei-se, neste caso, Legislativo e Judici�rio. O ass�dio precisa ser tratado de forma mais severa pela Lei, assim como as den�ncias precisam ser levadas verdadeiramente � s�rio pelas autoridades policiais. No �mbito trabalhista, uma lei recentemente aprovada no Congresso Nacional introduziu o ass�dio sexual �s tais CIPAS (Comiss�es Internas de Preven��o de Acidentes). � um passo.
Mas esta � a realidade da minoria da minoria das jovens do Brasil. Escolher o emprego? Ter seguran�a e coragem para dizer N�O a um cretino abusador e denunci�-lo? Conhecer as leis e saber como e onde busc�-las? Contar com pais atenciosos e vigilantes? N�o, meus caros e minhas caras. Infelizmente, n�o � assim que a banda toca, principalmente em cidades menores, em regi�es carentes, em empregos prec�rios. Como sociedade que se pretende minimamente civilizada, � imperativa a mudan�a de prosa.
ENCERRANDO
Basta de toler�ncia e justificativas para o injustific�vel. Basta de omiss�o e leni�ncia com ass�dio e assediadores. Basta de relativiza��o e tergiversa��o. Basta de Maria Helenas, de J�lias (estas fict�cias, ainda que reais sob outros nomes) e Rafaelas - de carne e osso. Ou mudamos j�, como indiv�duos e sociedade, e aprisionamos em jaulas os selvagens, ou continuaremos o para�so do trogloditas, que olham para nossas mulheres e satisfazem, livremente, seus desejos sexuais, � for�a, seja f�sica ou psicol�gica, enquanto destroem a vida de suas v�timas.