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Estado de Minas SANDRA KIEFER

Um chamado da natureza

"Registrei cada pincelada de suas asas, seus volteios, sua fluidez. Imprimi a sua imagem na pel�cula da mem�ria"


15/05/2022 04:00

Ilsutração

 
Desci para o quintal naquela manh� de domingo. Tinha a inten��o de terminar de ler um livro, mas recebi um chamado urgente da natureza. Ela pousou ao meu lado, de leve. Tinha a forma de uma borboleta, das mais deslumbrantes que eu j� conheci. Meu primeiro reflexo foi tirar uma foto, mas eu n�o estava com o celular na m�o. Estava com o exemplar do livro. 
 
Fiquei feliz comigo mesma. Senti a falta da c�mera fotogr�fica, mas merecia os parab�ns por me desapegar do aparelho eletr�nico. Dar uma pausa no fim de semana. Dito isso, precisava improvisar. Na falta da m�quina, usaria as minhas pr�prias lentes oculares.
 
Olhei para a borboleta bem atentamente. Registrei cada pincelada de suas asas, seus volteios, sua fluidez. Imprimi a sua imagem na pel�cula da mem�ria. Tentei fixar o maior n�mero poss�vel de detalhes para poder depois repostar, ops, reportar o achado a voc�s, leitores da coluna. 
 
O desafio era grande. Confesso que eu olhava a borboleta, mas n�o a enxergava por si s�. Deu vontade de chamar meu filho para v�-la tamb�m, comprovar a sua presen�a, como se o inseto s� passasse a existir em rela��o a um referencial alheio a n�s duas. �ramos apenas eu e ela, naquele instante infinito. Eu colocaria tudo a perder se eu fizesse um movimento brusco. 
 
Voc� j� viu como as borboletas s�o ariscas? Reagem a qualquer aproxima��o humana. Voam para longe, livres. Para evitar isso, era recomend�vel n�o respirar profundamente. Presa naquela situa��o, eu me rendi. Decidi relaxar e me entregar �quele ato de medita��o sublime, inesperado. 
 
Devia estar sonhando, mas tive a sensa��o de que a natureza congelou diante da sua plateia particular, no caso eu. O efeito borboleta deu-se literalmente. Est�vamos unidas pela energia uma da outra.  Ela tamb�m relaxou. Pousou na margaridinha amarela, e ficou ali parada, sugando o p�len da mesma cor. Bebeu o quanto quis do alimento.
 
Na condi��o de observadora, fiquei aguardando at� que ela terminasse a sua refei��o, sem pressa. Conscientemente, eu me propus a sentir o momento presente. Calculei que iria durar pouco, at� o meu pensamento levantar voo junto com ela. Acontece que ela n�o desistiu de mim. Saltitou at� a pr�xima flor e continuou a se alimentar. Fez isso mais duas, tr�s, quatro vezes.
 
Minha nova amiga estava realmente determinada a chamar a minha aten��o plena.  Nunca tinha visto isso antes. Em geral, as borboletas fogem ao fazer contato visual com o ser humano. S�o como p�talas de flores levadas pelo vento, ef�meras. V�o embora antes que a gente possa dizer um ‘oh’ de admira��o. O intervalo de tempo � muito pequeno, quase como um flash, uma piscadinha de lado.  
Mas a minha borboleta era diferente, tanto na personalidade quanto na apar�ncia. Fugia ao padr�o das outras. As amarelas, por exemplo, vivem correndo. D�o um toque de alegria � rotina, e depois seguem o fluxo, animadamente, sem nem olhar para tr�s. J� as brancas s�o mais pacatas. Cumprem seu papel de mensageiras da paz, com gra�a e leveza. Depois batem em retirada, feito um pedacinho de papel picado, levadas pelo vento.
 
Nada se compara � borboleta do meu jardim. Vou tentar descrev�-la em palavras, mas n�o posso garantir. Se eu fosse voc�, parava de ler esta cr�nica a partir de agora. Por melhor que seja o texto, por mais que eu me esforce, essa borboleta nunca chegar� aos p�s daquele que voc� j� imaginou at� aqui. � como ver filme inspirado em livro.
 
O livro ser� sempre melhor, com poucas exce��es. Por mais premiado que seja o diretor, � miss�o imposs�vel reproduzir as cenas que cada leitor visualizou antes, na sua tela mental interior. Tamb�m os atores ser�o piores, a interpreta��o deixar� a desejar e o roteiro ir� apresentar falhas.   
Vamos l�. Nossa protagonista tinha o formato de uma mariposa, mas n�o era uma mariposa, disfar�ava bem. Podia ser preta, mas dava um reflexo azulado quando batia o sol. As asas eram contornadas da cor laranja. Nas extremidades, havia desenhos de c�rculos brancos, com o interior pintado de preto, lembrando as pupilas de uma coruja.   
 
Mas n�o era apenas um par de olhos, como os do “Caso da borboleta At�ria”, do livro de L�cia Machado de Almeida. Havia v�rios olhinhos distribu�dos pelas asas. E todos eles olhavam para mim. Nesse momento, entendi por que ela atra�a tanto o meu olhar.   

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