O vaso com as folhagens est� na sala de visitas, no mesmo lugar, h� 10 anos. Exige pouco: sombra e alguma �gua fresca. Faz parte da decora��o. Bastou o filho ter aulas de m�sica no mesmo ambiente, por�m, para acontecer o milagre. A planta floriu, pela primeira vez.
Ela abre a gaveta do arm�rio do banheiro e encontra um frasco novo de desodorante, do mesmo que costuma usar, de lavanda e lil�s. O dela j� estava no fim. Ela se sente abra�ada pelo presente.
Na pista de cooper, o morador do bairro passeia com o seu c�o Pug. Os dois t�m a mesma cara amarrada, mas ao v�-la, o bichinho late para ela, como se estivesse cumprimentando, dando um “oi”. O tutor dele, ent�o, � obrigado a sorrir.
Durante a caminhada, na mesma noite, ela quase pisa em uma peninha branca, linda, parecendo uma pluma. Dizem que, quando isso acontece, � sinal de que o anjo da guarda est� por perto. Verdade ou n�o, ela se sente protegida.
Ela vai buscar o filho na casa do amigo, que mora no Santa L�cia. J� conhece as ruas do bairro, que levam nomes de estrelas e planetas, mas erra o caminho. Em vez de passar pela Via L�ctea, vai pela Lua. E agora? Pega o Cosmos ou entra em Marte? O destino � a Rua Universo.
No Gutierrez, uma senhora de cabelos brancos toma sol deitada no passeio em frente de casa. Um velho tronco de �rvore serve de espregui�adeira. Quando d� um tempo bom, ela desce de mai� e viseira para a cal�ada. Pode ser vista at� l� pelas 9h, na Rua Almirante Alexandrino, perto do Barroca T�nis Clube.
O p�ssaro constr�i o ninho em cima da janela do seu escrit�rio. Vira e mexe ele tenta entrar, batendo a cabe�a no vidro. Ela daria tudo para trocar com ele de lugar. “Voa passarinho, voa!”, pensa ela, lembrando a letra de um hino antigo da Copa do Mundo.
l Na volta do parque, a m�e pede a ajuda dos filhos para preparar o lanche. O ca�ula prop�e um suco improv�vel de mexerica, lim�o e ma��. O mais velho acrescenta catchup e tomate ao misto quente. Ningu�m se importa com o sabor. O gostoso � fazer bagun�a juntos.
Os filhos ensinam a m�e a jogar videogame. Ela percebe, pelos olhares, que eles a est�o deixando ganhar a partida. Erram os lances, de prop�sito. Quando ela consegue passar na primeira fase do jogo, fazem festa. Viva a mam�e! Ela se sente uma dinossaura, mas feliz.
A leitora Jamily Nacur, de 84 anos, encaminha o seu primeiro livro para a coluna. Envia o exemplar pelos Correios e convida para ir at� a casa dela, em um gesto de delicadeza. O t�tulo da obra j� encanta: “A Sonoridade do Sil�ncio”.
Nas 79 p�ginas, ecoam os versos: “N�o te esquives da morte, apresente a ela o seu projeto de vida”; “Que a tua roupagem seja de f�cil descarte”; “Regozija-te sob o seu sil�ncio e aprender�s a tua linguagem”.
Como ensina a autora, o sil�ncio fala, as pequenas coisas inspiram, a vida pode ser mais simples e bela. O cotidiano respira poesia.