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Estado de Minas VITALidade

H� um tempo para partir?

Existe mesmo um tempo em que a idade torna a vida t�o insuport�vel que n�o nos � mais poss�vel viver, sen�o com muita dor e sofrimento?


28/03/2022 08:03

Alain Delon, jovem e idoso
Alain Delon, em dois momentos (foto: snl / wikimedia commons)


Na semana passada, o filho do ator e gal� do cinema Europeu nos anos 60 e 70, Alain Delon, afirmou que o pai havia solicitado seu aux�lio para praticar suic�dio assistido na Su��a, pa�s em que vive atualmente e no qual a pr�tica � permitida.

O suic�dio assistido ocorre quando uma terceira pessoa auxilia outra a retirar sua pr�pria vida. No Brasil a pr�tica � considerada crime, prevista no artigo 122, do C�digo Penal Brasileiro.

Depois das declara��es do filho sobre o poss�vel suic�dio assistido, o ator publicou no seu Instagram uma mensagem na qual afirma que sua decis�o j� havia sido tomada h� muito tempo e que havia vivido uma vida linda, mas tamb�m muito dif�cil. Disse, ainda, que o deixava at�nito o fato de envelhecer, com todas as dores e dificuldades que precisava enfrentar diariamente.
   
A decis�o do ator n�o aconteceu de uma hora para outra; o gal�, hoje com 86 anos, afirmou em uma entrevista em 2010, para a TV5 Monde, que a decis�o por 'escolher' o momento da morte dele era resultado de um racioc�nio l�gico pois, segundo Delon, quando se chega a uma certa idade e n�o se tem o desejo de permanecer vivo � custas de aparelhos, inje��es e interna��es hospitalares, n�o h� outra solu��o que n�o a de decidir pelo t�rmino da exist�ncia.
   
N�o pretendemos fazer qualquer ju�zo de valor sobre a decis�o do artista, uma vez que, pelo menos ao que parece, ele se encontra l�cido e plenamente capaz de tomar suas decis�es, de modo que resta somente a ele decidir autonomamente sobre os rumos de sua exist�ncia. O que pretendemos questionar � se existe mesmo um tempo em que a idade torna a vida t�o insuport�vel que n�o nos � mais poss�vel viver, sen�o com muita dor e sofrimento ou se podem existir maneiras de ressignificar o ato de envelhecer.
   
Nas sociedades do ‘espet�culo”, o envelhecimento est� intimamente ligado � ideia de mortalidade, o que faz com que escrever, pensar ou falar sobre a morte seja visto pelos demais como desagrad�vel. Em um mundo no qual o sujeito deve consumir, n�o se deve perder tempo pensando na pr�pria finitude e, consequentemente, na responsabilidade pela constru��o de uma vida boa para si e no aux�lio para o pr�ximo.
Essa perniciosa rela��o que foi feita entre o processo de amadurecimento e a morte faz com que muitos idosos passem a representar seu pr�prio envelhecimento apenas na perspectiva das perdas que acontecem ao longo do caminho, ignorando aquilo que aprenderam com sua hist�ria e dos ganhos que o avan�ar da idade traz consigo.


   
De acordo com os fil�sofos Heidegger e Kierkegaard, a morte � parte da exist�ncia humana e, uma vez admitida essa certeza, o ser humano conseguir� alcan�ar uma vida mais plena pois, ao ser colocado frente � sua pr�pria finitude, o sujeito tem condi��es de compreender sua responsabilidade na constru��o de si mesmo e no aux�lio que deve aos demais. � de Heidegger a ideia de que o ser humano pensa na morte na perspectiva do “se”, quando deveria represent�-la na perspectiva do ‘quando’.
   
Como n�o somos preparados para pensar em nossa pr�pria extin��o e no tempo limitado que temos para a realiza��o de nossos objetivos, quando a idade come�a a nos tirar vitalidade, disposi��o, forma f�sica, beleza e sa�de, podemos cair na tenta��o de pensar que a vida deixou de fazer sentido e que n�o vale mais a pena ser vivida.

No entanto, insistimos que ela vale, mesmo com as perdas e sofrimentos que o processo de amadurecimento traz consigo, pois a verdade � que n�o h� uma �nica doutrina filos�fica, psicol�gica, teleol�gica ou moral que n�o chegue a uma conclus�o id�ntica: o ser humano sofre! Sofre em decorr�ncia das vicissitudes pr�prias do fato de ter um corpo - dor, enfermidade, degenera��o -; e das relativas � sua psique - tristeza, ang�stia, melancolia ou desamparo.
   
As perdas experimentadas no processo de envelhecimento – e elas s�o muitas – podem ser raz�o para nossa infelicidade, se nos apegamos demasiadamente a elas, ou podem ser uma esp�cie de liberta��o, na medida em que aprendemos que n�o precisamos nos encaixar a padr�es que nunca nos ca�ram bem.

Nossas sociedades necessitam urgentemente ressignificar o ato de envelhecer, a fim de que, ao alcan�armos certa idade, n�o nos sintamos alijados da nossa pr�pria exist�ncia e, consequentemente, tenhamos vontade de partir, ainda que antes da hora. Muitas vezes nossos velhos s�o abrigados em institui��es de longa perman�ncia (antigamente chamadas de asilo) ou confinados no quarto dos fundos da casa dos filhos, para que n�o perturbem os demais com suas rugas, suas hist�rias e, principalmente, com seu corpo fr�gil, a nos lembrar a todo instante que tamb�m somos fadados � extin��o e que, portanto, temos tempo limitado para construir nossa trajet�ria nesse mundo.

Sobre a pergunta que abriu a coluna da semana: se h� um tempo para partir ou se h� um tempo em que a dor e o sofrimento ocasionados pelas perdas que acompanham o processo de envelhecer podem tornar a vida t�o insuport�vel a ponto de acharmos que ela n�o vale mais a pena ser vivida, n�s (in)felizmente n�o temos a resposta. Mas uma coisa podemos afirmar sem medo: gastar tempo pensando em nossa pr�pria finitude, fazendo da ideia da morte uma conselheira s�bia para a exist�ncia, bem como ressignificar o ato de envelhecer, podem ser importantes instrumentos a nos ajudar na manuten��o do nosso prazer de estar vivo.

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