
Na �ltima quarta passada, o ministro Luiz Fux suspendeu por tempo indeterminado a implementa��o do chamado juiz de garantias, previsto no pacote anticrime aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro de 2019. A decis�o foi tomada no mesmo dia em que Fux assumiu o plant�o do Supremo Tribunal Federal (STF) e, na pr�tica, derrubou decis�o anterior do presidente da Corte Dias Toffoli, j� que dificilmente o tema ser� discutido pelo plen�rio.
A liminar se fundamentou principalmente em argumentos t�cnicos, na medida em que, para Fux, a proposta de lei deveria ter partido do Poder Judici�rio, j� que afeta o funcionamento da Justi�a no pa�s; e que a lei foi aprovada sem a previs�o do impacto or�ament�rio. No entanto, talvez os principais argumentos contr�rios sejam mais pr�ticos: qual o principal problema da Justi�a brasileira? A parcialidade dos ju�zes que acompanharam o inqu�rito policial ou a morosidade que leva � impunidade? O caso no Jap�o do ex-presidente da Nissan-Renault, Carlos Ghosn, pode ilustrar um pouco a discuss�o.
Ghosn fugiu do Jap�o porque tinha certeza que seria condenado. A taxa de condena��o dos acusados no pa�s do sol nascente chega a 99,9%. A l�gica japonesa � que o acusado � culpado at� que se prove o contr�rio. O modelo “linha dura” � altamente aprovado pela popula��o, pois na cultura japonesa – cheia de idiossincrasias como qualquer outra –, a impunidade n�o � aceit�vel. Ainda que possam existir excessos, a certeza da puni��o � provavelmente um dos fatores que colocam o Jap�o entre os 20 pa�ses onde a percep��o de corrup��o � menor, segundo o �ndice da organiza��o Transpar�ncia Internacional de 2019, publicado tamb�m na semana passada. N�o sobrou muita op��o para Ghosn. O jeito foi se meter em uma caixa de instrumentos musicais e fugir para um ambiente que fosse mais control�vel. No L�bano, o executivo certamente n�o enfrentar� o mesmo rigor que estaria sujeito no Jap�o.
Por todo exposto, provavelmente cogitar a cria��o de algo parecido com um juiz de garantias no Jap�o seria motivo de risos no cidad�o comum, em especial quando explicitados os argumentos para a exist�ncia de 2 ju�zes: um magistrado para atuar no processo emergencial cautelar, no qual, por exemplo, s�o determinadas quebras de sigilo, busca e apreens�o, pris�o preventiva ou tempor�ria, homologa-se dela��o premiada, por exemplo; e outro julgador respons�vel por instruir o processo, analisar os argumentos em tese j� maduros da acusa��o e da defesa, e por fim, por julgar a causa.
Em tese, o envolvimento do juiz no processo de produ��o de provas o induz a ser mais facilmente convencido pelos argumentos da acusa��o, prejudicando a imparcialidade no exerc�cio da magistratura. Esse modelo �, com algumas varia��es, aplicado em pa�ses como Alemanha, Portugal e It�lia.
Sem desmerecer os argumentos dos defensores do juiz de garantias, � relevante observar que nosso sistema como um todo j� �, por natureza, garantista. Ou seja, j� est�o dispon�veis uma gama enorme de recursos judiciais, que podem ser amplamente explorados pelos diferentes graus de jurisdi��o. Esse � um dos motivos que nos leva a ser um pa�s com alta percep��o de corrup��o e impunidade. Para citar o mesmo �ndice de 2019 da Transpar�ncia Internacional, o Brasil ocupa apenas a 106ª coloca��o, muito atr�s da Argentina, na 66ª posi��o, e a anos luz de dist�ncia do Uruguai, na 21ª, e do Chile, na 26ª, para citar apenas alguns sul-americanos.
Outro aspecto que a cria��o do juiz de garantias parece desconsiderar � que o Brasil j� tem um dos Poderes Judici�rios mais caros do mundo. O governo central brasileiro despende 1,3% do PIB com o Judici�rio, quatro vezes o gasto da Alemanha (0,32%), oito vezes o do Chile (0,22%), dez vezes o da Argentina (0,13%), sem que se reflita, como visto, na redu��o percep��o da corrup��o.
A despeito do que j� � gasto hoje, necessariamente para implementar o juiz das garantias ser�o conduzidos novos concursos para ju�zes e ser� requerida uma estrutura administrativa mais robusta. Em suma, fala-se no emprego de mais recursos sem que se solucionem os problemas j� existentes de efici�ncia no Judici�rio, como as limita��es de pessoal e tecnologia na condu��o de investiga��es de crimes complexos ou, ainda, a larga discrep�ncia na produtividade dos ju�zes em diferentes estados, sen�o dentro de um mesmo tribunal – aspectos que asseguram a redu��o da impunidade e utilizam a estrutura judicial que hoje j� existe.
Ghosn, que � brasileiro nascido em Rond�nia, mas tem tamb�m cidadania francesa e libanesa, teve uma prerrogativa que poucos t�m: escolher � qual jurisdi��o se subjugaria. Como nenhum desses pa�ses extradita seus nacionais, o pa�s destino da sua fuga cinematogr�fica provalvelmente ser� tamb�m o respons�vel pelo seu julgamento.
Apenas para manter a compara��o, o L�bano ficou na 137ª posi��o no ranking da Transpar�ncia Internacional, ou seja, ainda bem atr�s de Fran�a e Brasil. N�o por acaso Ghosn optou por ficar com a vista do mediterr�neo. N�o fosse a liminar de Fux, Ghosn poderia ter mais um argumento para ponderar um retorno ao seu pa�s natal.
