O Minist�rio das Rela��es Exteriores recebeu em novembro de 1974 den�ncia de viola��o dos direitos humanos, encaminhada pela Organiza��o das Na��es Unidas (ONU), relatando casos de tortura de 335 mulheres brasileiras, entre elas Dilma Vana Rousseff. A atual presidente � a 56ª mulher descrita no anexo 7 da den�ncia da ONU. No documento em ingl�s ela � apresentada como uma “estudante de Minas Gerais, presa em S�o Paulo em 1970, condenada a 13 meses em agosto de 1971 no estado da Guanabara, bem como a quatro anos pelo Segundo Tribunal Militar em S�o Paulo, em 18 de setembro de 1971”.
Apesar de a primeira den�ncia, que chegou em setembro de 1972, relatar atrocidades cometidas pelos militares, o governo s� analisou formalmente o aviso em maio de 1975 e decidiu ignorar o alerta da ONU, alegando que o documento atacava a imagem de importantes quadros do regime. “A cita��o de conceituados oficiais de nossas For�as Armadas, como os generais Conf�cio, Bandeira, Oct�vio Medeiros e Euclides Figueiredo (todos da ativa) e comandante Clemente, atual diretor da Academia de Pol�cia (reserva), como supostos torturadores leva-nos a crer ser prudente n�o darmos cr�dito a tais den�ncias”, escreve o tenente-coronel Juarez de Deus Gomes da Silva, diretor da Divis�o da Seguran�a de Informa��es do Minist�rio da Justi�a, � �poca.
As den�ncias de viola��o aos direitos humanos chegaram � ONU por interm�dio da Federa��o Sindical Mundial, ent�o presidida por Enrique Pastorino, que assina o texto. Al�m das mulheres torturadas, o documento lista mulheres mortas e desaparecidas durante exerc�cio de milit�ncia revolucion�ria. Relato da organiza��o internacional informa ao governo brasileiro sobre viol�ncia sexual contra as mulheres, praticada pelos militares. “Em S�o Paulo os oficiais, sargentos e agentes da Opera��o Bandeirantes frequentemente estupram presas pol�ticas antes, durante e depois de infligirem torturas cru�is. (…) Na cidade de Belo Horizonte, em unidade policial, jovens entre 12 e 15 anos s�o torturadas na presen�a de presos pol�ticos, como forma de demonstra��o. (…) Mulheres fazem visitas e s�o obrigadas a tirar a rouba e se submeter a exame ginecol�gico”, traz a den�ncia da ONU encaminhada ao Minist�rio das Rela��es Exteriores.
Al�m de determinar o arquivamento das den�ncias, a consultoria jur�dica do MRE indicou que o documento fosse analisado pelo Minist�rio da Justi�a, aos cuidados do Departamento de Pol�cia Federal. “Todavia, se outro for o entendimento de vossa senhoria, creio que esta consultoria poucas condi��es tem de adentrar pelo m�rito da quest�o sem o precioso concurso do Departamento de Pol�cia Federal”, assina Edelberto Luiz da Silva, que ocupava o cargo de consultor jur�dico do minist�rio.
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Os documentos revelam que a ordem era ignorar as den�ncias internacionais, mas os militares estavam preocupados com o estrago que a repercuss�o das agress�es poderia causar na imagem do Brasil no exterior. A ordem interna era tratar os relatos como “t�cnica subversiva de tornar a imagem negativa do pa�s no exterior”. Para contornar as cr�ticas que recebia de institui��es internacionais que monitoravam as viola��es aos direitos humanos, os militares criaram um gabinete interministerial para avaliar as den�ncias que chegavam. O Itamaraty seria o respons�vel por reunir as den�ncias, como coordenador do grupo de trabalho.
Mas uma ordem expressa em um of�cio do Minist�rio das Rela��es Exteriores deixa claro que toda informa��o ter� que ser compartilhada, acabando assim com qualquer possibilidade de a pasta respons�vel pelo contato com institui��es estrangeiras cuidar sozinha das den�ncias. “O Minist�rio da Justi�a funciona como �rg�o interno de coordena��o ao qual ser�o transmitidas as informa��es recebidas pelo Itamaraty dos organismos internacionais”, ordenaram os militares, para controlar as informa��es que chegavam do exterior.
Em vez de apurar as den�ncias, os documentos mostram que os militares se apressaram em escalar consultores jur�dicos para elaborar “defesa” do Brasil junto � ONU, se o organismo internacional decidisse questionar o pa�s de forma mais incisiva. As informa��es sobre viola��es de direitos humanos eram tratadas como “dossi�s” contra o governo. “No sentido de que o presente processo deva ser instru�do para servir de base � resposta que o Brasil deva apresentar como defesa, no �mbito da ONU. Assim, proponho o seu encaminhamento � DSI deste minist�rio para que informe a respeito das acusa��es formuladas no dossi� anexo”, orientou o consultor jur�dico H�lio Fonseca, antes de o governo decidir ignorar a resposta � ONU.
No documento, o Minist�rio da Justi�a tamb�m lista nomes de desaparecidos e mortos pol�ticos que representariam o maior “risco” para a imagem do pa�s, pois o epis�dio dos crimes n�o tinha suporte jur�dico elaborado pelos consultores. Al�m da den�ncia da Federa��o Sindical Mundial, o governo militar foi acionado a responder por agress�es a outros 1.081 cidad�os brasileiros relacionados pela ONU.