
� dif�cil de imaginar uma fam�lia mineira que n�o tenha uma receita de doce de leite no caderno de receitas da vov�. Seja no formato pastoso ou mesmo em cubinhos, a iguaria faz parte da gastronomia do estado, remetendo �s tradi��es interioranas de Minas Gerais. O problema � que a vontade de devor�-lo com queijo ou de sabore�-lo depois do almo�o nem sempre condiz com a disponibilidade de algum parente de p�r em pr�tica os dotes culin�rios. No vocabul�rio do econom�s, diria ser a demanda muito superior � oferta. Assim sendo, diante da reduzida margem de lucro da cadeia leiteira, o beneficiamento do produto pode ser a solu��o para aumentar a rentabilidade da propriedade rural, transformando o l�quido branco em um valioso doce artesanal.
Em Minas Gerais, o produtor tem comercializado o litro do leite por R$ 1,0647 (em julho), segundo n�meros do Centro de Estudos Avan�ados em Economia Aplicada da Universidade de S�o Paulo (Esalq-USP). A remunera��o � considerada satisfat�ria pela cadeia, uma vez que at� 2012 n�o ultrapassava a marca de R$ 1. Para obter um quilo do doce, precisa-se aproximadamente 2,5 litros de leite, al�m de a��car e bicarbonato. Portanto, o investimento � de R$ 2,65, fora os gastos com outros ingredientes e a embalagem. Juntos, a conta n�o ultrapassa R$ 5. Ao consumidor, o quilo do doce sai por
R$ 20 – 400% acima do total gasto.
Ainda � fundamental ter uma sala de fabrica��o e envase manual, diz o professor da UFV. O espa�o permite ao produtor usar as boas pr�ticas necess�rias para ter um doce artesanal com padr�o industrial. Entre outros, Ant�nio de Carvalho indica a necessidade de se esterilizar e eliminar todos os res�duos dos potes antes do envase. E mais: para ter longa vida nas prateleiras n�o pode ter mofo, cristais e separa��o de fases. “Para fazer o doce, tem que ter ci�ncia. Se n�o, era s� pegar a receita da av� e repeti-la, mas a� n�o vai ter o padr�o. � preciso ter um produto id�ntico, mesmo que artesanal”, afirma o professor.
Outro importante detalhe para o sucesso do doce � a colora��o. Ao longo dos anos, em Minas Gerais, prevaleceu o doce de leite pastoso mais claro. O mercado atual, diz Carvalho, tem buscado o produto mais caramelizado, uma tonalidade um pouco abaixo da encontrada na Argentina e no Uruguai – os dois maiores exportadores do mundo. Com uma ressalva: nos pa�ses vizinhos, corante de caramelo, mais bicarbonato e aroma de baunilha s�o acrescentados � receita.
� poss�vel agregar ainda mais valor acrescentando outros sabores ao doce. Exemplos de mesclas que podem ser usadas s�o maracuj�, caf�, amendoim e chocolate. O produto ganha valor de mercado e pode ser vendido por pre�os mais altos. Durante a tradicional Semana do Fazendeiro de Vi�osa, os professores da universidade ministram curso gratuito sobre a produ��o do doce de leite.
Em Paraopeba, na Regi�o Central de Minas Gerais, o propriet�rio do restaurante Leite ao P� da Vaca aproveita o leite produzido na fazenda para ofertar produtos caseiros para os clientes. O doce de leite � um dos carros-chefe. O quitute � vendido em variados formatos. Segundo o gerente, Rafael Marinho, por semana, s�o processados, aproximadamente, 150 quilos de doce. “O leite bruto n�o teria tanta sa�da, o que implica em poss�veis perdas. Poderia negociar com grandes empresas, mas o lucro � menor”, explica. Transformado em doce, � poss�vel faturar 100% sobre o custo total. Hoje, os produtos feitos na ro�a (doces, lingui�a, p�es, queijos e outros) respondem pela metade do faturamento do empreendimento. O restante � referente ao restaurante e � lanchonete.
Boas pr�ticas A fazenda segue � risca todas as instru��es citadas pelo professor Ant�nio de Carvalho. Marinho acrescenta um fator fundamental � produ��o de um bom doce: a qualidade do leite. As mesmas boas pr�ticas precisam ser adotadas na fazenda para a capta��o do l�quido. “Leite ruim talha, perde”, diz. No restaurante, entre as normas sanit�rias seguidas pela doceira Maria Ant�nia, est�o o uso de toca; de tacho de cobre para n�o ter res�duos e de pedra de ard�sia para manusear o doce em cubos. “� preciso mesclar o sabor de uma receita caseira com o que o mercado exige. Muito lugar produz em fundo de quintal”, afirma Marinho.
Todas as quest�es citadas pelo professor da UFV est�o diretamente ligadas � gest�o do produto. O diretor-executivo do Sindicato da Ind�stria de Latic�nios do Estado de Minas Gerais (Silemg), Celso Costa Moreira, considera ainda ser um problema a ser solucionado a necessidade de o produtor tratar a fazenda como a uma empresa. “� normal fazer um doce excelente, que todos elogiam – familiares e amigos –, mas, quando saio para o mercado, me deparo com obst�culos a serem superados”, afirma.
A lista de desafios vai desde o pre�o poss�vel para o produto ao volume demandado por ele no mercado. O executivo ressalta que o doce de leite � uma iguaria tipicamente regional, com produ��o pulverizada, ou seja, n�o h� uma grande empresa que tenha o doce como produto principal.