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Estado de Minas Photoshop da realidade

Padr�es e estilos disseminados na internet determinam comportamento e atitude de jovens

Influ�ncia das redes sociais pode ser ben�fica, mas tamb�m provocar doen�as na busca por uma imagem ideal


10/06/2019 07:00 - atualizado 07/06/2019 15:55

A estudante Rayane Rodrigues Pessoa, de 15 anos, passa seis horas do dia nas redes sociais e gosta de interagir, mas reconhece que nem tudo são flores no mundo virtual
A estudante Rayane Rodrigues Pessoa, de 15 anos, passa seis horas do dia nas redes sociais e gosta de interagir, mas reconhece que nem tudo s�o flores no mundo virtual (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

Momento de transforma��es, explos�o de sentimentos, profus�o de horm�nios, crises, anseios, medos, desejos e euforias. Ciclo que significa desafios. Ao longo da hist�ria, os jovens encontram paradigmas que perfazem um elo com o contexto sociocultural de uma �poca espec�fica. No s�culo 21, um dos fatores que mais refletem na vida e no comportamento dessa gera��o certamente � a experi�ncia com as redes sociais. O perigo � a determina��o de padr�es e estilos que, quando trazidos para a pr�tica de cada um, s�o na verdade uma maquiagem para um cen�rio irreal.

Na mesma hora em que o virtual se sobrep�e �s viv�ncias palp�veis, olho no olho, surge uma perspectiva alterada que pode se tornar objetivo para muitos. Mas tentar ser uma c�pia do que se v� na internet acaba sendo um pre�o alto a pagar. Ao querer se encaixar em modelos que, na maioria das vezes, n�o lhe servem, o jovem � suscet�vel a amargar desgastes emocionais graves. Em alguns casos, desembocam at� em riscos para a sa�de mental. Al�m de relacionamentos interpessoais prejudicados, a realidade � colocada em segundo plano quando o que se almeja � o universo "perfeito" visto pelas telas.

A estudante Rayane Rodrigues Pessoa, de 15 anos, revela que usa bastante as redes sociais - s�o seis horas ligada por dia, desde os 13. Divide a rotina de estudos com o acesso ao mundo online. Ela gosta de ver fotos, v�deos, segue alguns canais e procura assuntos variados. Conta que tem amizades, mas com a maioria dos amigos se relaciona � dist�ncia - no Facebook s�o 1,5 mil amigos e no Instagram 400 seguidores. "Por�m n�o tenho contato real. Na verdade, contando quem eu converso frequentemente, s�o quatro ou cinco pessoas". E nem tudo s�o flores - ela sabe disso. "� uma ilus�o, uma realidade maquiada. Quando eu realmente preciso, n�o aparece um para ajudar. Muitas vezes n�o tem ningu�m com quem eu possa contar de verdade. Todo mundo curte suas coisas, mas ningu�m te entende, ningu�m te ouve. E isso acontece com todos, n�o s� comigo", diz.

Para Rayane, o mundo virtual se imp�s ao real. Mesmo quando est� com um amigo frente a frente, o celular n�o sai da m�o. H� um m�s, a jovem come�ou a fazer terapia. Vai ao psic�logo uma vez por semana. Extremamente ansiosa, j� passou por epis�dios de depress�o, e considera que as redes sociais agravaram esse quadro. "� uma frustra��o. Ou�o muito que n�o vou conseguir por ser do meu jeito. 'Voc� n�o vai conseguir ser o que quer', escuto. As redes sociais acabam atrapalhando, com cobran�as para se adequar a padr�es". De seis meses para c�, tamb�m frequenta um grupo em uma igreja em BH, que buscou pelo mesmo motivo. "S�o coisas que n�o me servem, que n�o me realizam", lamenta.

IMPACTO

'Ninguém fica postando fotos de lugares feios onde precisou ir, problemas ou discussões que teve, tristezas e frustrações. Isso por si só já é uma distorção, já que a vida, de forma geral, tem mais desafios e situações a serem resolvidas do que momentos de lazer, diversão, viagens' - Jaqueline Bifano, psquiatra
"Ningu�m fica postando fotos de lugares feios onde precisou ir, problemas ou discuss�es que teve, tristezas e frustra��es. Isso por si s� j� � uma distor��o, j� que a vida, de forma geral, tem mais desafios e situa��es a serem resolvidas do que momentos de lazer, divers�o, viagens" - Jaqueline Bifano, psquiatra (foto: Guilherme Breder/Divulga��o)
A internet a todo instante lan�a moda, estilos de vida, padr�es de atitudes e, por isso mesmo, h� limites, como explica a psiquiatra Jaqueline Bifano. Os usu�rios s�o impactados diretamente por tais arqu�tipos, posicionando-se de forma moldada pelos influenciadores digitais, e almejam ter a vida que veem pelas redes sociais. "Isso passa a ser o modelo, o ideal, afinal na internet est�o todos sempre bem, bonitos, na moda. E os jovens passam a desejar se enquadrar nestes padr�es fabricados. O mundo digital tem os influenciado intensamente. Haja visto o lan�amento de diversos livros, principalmente pelos youtubers, intitulados, por exemplo, "como cheguei at� aqui”, como se fosse um manual a ser seguido, uma meta. O pior � que a maioria desses pseudo autores n�o passam de 15 anos de idade, salvo exce��es. N�o t�m a menor experi�ncia pois, como o seus seguidores, s�o jovens descobrindo a vida", reflete Jaqueline.

Em meio a padr�es t�o impregnados de devaneios, nas redes sociais os jovens buscam mostrar o melhor de si, expor uma vida sem turbul�ncias, por�m o que se percebe � a concep��o de uma realidade virtual que n�o condiz com aquela fora da tela, acrescenta a psiquiatra. "Por outro lado, os jovens que assistem a essa vida 'perfeita', se sentem inferiores por n�o terem o mesmo n�vel de vida e felicidade que seus influenciadores demonstram ter. N�o percebem que � uma vida ilus�ria, fict�cia, que as coisas n�o funcionam como um conto de fadas. Entretanto, almejam tanto aquela vida ut�pica, infiltrada em sua mentalidade, que podem ser levados a atos extremos, como automutila��o, suic�dio, entre outros problemas causados pela depress�o", alerta a especialista.

Mundo idealizado
N�o corresponder �s expectativas pode contribuir para aumentar a inseguran�a do jovem e lev�-lo � depress�o, dist�rbios alimentares e outras patologias psicol�gicas


A adolesc�ncia � quando s�o sedimentadas as tend�ncias de comportamento que aparecer�o ao longo de toda a vida. Se, nessa fase, surge uma imagem adulterada da realidade, sem a no��o certa sobre os desapontamentos e desafios inerentes � vida, quando o indiv�duo se depara com qualquer situa��o adversa que n�o corresponda a esse mundo idealizado tende a sofrer uma rea��o emocional mais forte. "O choque interno entre essas vers�es de mundo incompat�veis pode contribuir para a inseguran�a, baixa autoestima, uma autopercep��o distorcida em um vi�s negativo. A tend�ncia � que ocorra uma falta de persist�ncia e des�nimo, que �s vezes se tornam cr�nicos, e at� culminar em depress�o, dist�rbios alimentares, ansiedade, ou outras patologias psicol�gicas", orienta Jaqueline.

Estar em uma realidade fict�cia afeta o amadurecimento e a perspectiva sobre o cotidiano, continua Jaqueline. O ponto de vista se torna mais superficial e, por vezes, isso acarreta decep��es e adoecimento. "� comum que, nesses casos, a realidade passe a ser encarada com uma sensa��o de espanto, j� que o jovem sempre foi condicionado a perceber as conquistas e ideais como algo desvinculado do esfor�o que existe por tr�s daquilo, como se as coisas fossem f�ceis. A partir da�, se depara com um mundo repleto de imprevistos, desafios e dificuldades que n�o est� acostumado a ver. O preparo emocional � comprometido, n�o h� uma base consolidada, j� que as opini�es e conceitos que carrega n�o tiveram embasamento na realidade", diz Jaqueline.

A imagem distorcida que se propaga nas redes sociais surge do fato de que, em um primeiro lugar, as pessoas s� publicam o lado bom das coisas. "Ningu�m fica postando fotos de lugares feios onde precisou ir, problemas ou discuss�es que teve, tristezas, frustra��es . Isso por si s� j� � uma distor��o, j� que a vida, de forma geral, tem mais desafios e situa��es a serem resolvidas do que momentos de lazer, divers�o, viagens", orienta a psiquiatra. Ela alerta ainda para o chamado “efeito bolha”, criado pelos algoritmos das redes sociais que selecionam, conforme crit�rios estabelecidos pelas pr�prias redes, quais conte�dos v�o aparecer ao longo da navega��o. "Ou seja, a n�o ser que o usu�rio v� atr�s, ativamente, de informa��es que fujam do seu padr�o habitual, ele estar� sempre exposto ao mesmo padr�o de informa��es, e tende a enxergar o mundo de uma forma viciada, ou seja, de uma forma desvirtuada na compara��o com a realidade do todo".

PARADOXO

O perigo de considerar a vida a partir do que se encontra na tela do celular � o de se reduzir a realidade �quilo - de n�o desenvolver senso cr�tico, de viver � merc� de uma realidade totalmente manipulada, tanto pelos pr�prios usu�rios, quanto pelo pr�prio mecanismo de funcionamento das redes. "� um paradoxo, pois a tecnologia tem o potencial de facilitar o acesso � informa��o, encurtar dist�ncias, mas, ao mesmo tempo, se n�o for usada de forma cr�tica, a tend�ncia � exatamente contr�ria. A pessoa pode ficar vivendo aquela realidade extremamente restrita e tendenciosa e, dessa forma, fica desprovida tamb�m do seu papel como protagonista de sua vida, perdendo a no��o de suas responsabilidades diante de si mesmo e dos outros. � um sistema que incentiva o individualismo, o isolamento e a aus�ncia do questionamento", alerta a m�dica.
O estilo de vida e est�tica “vendidos” por grande parte das personalidades das redes sociais � algo extremamente planejado para que uma determinada imagem seja difundida, continua Jaqueline. Cada posi��o do corpo, cor, ilumina��o, textos ou produtos expostos s�o fruto de cuidadosos ajustes, e n�o correspondem ao que � natural do dia a dia. "Grande parte dessas pessoas tem a exposi��o de sua vida como uma profiss�o e, por isso, direcionam tempo para toda essa elabora��o da imagem pr�pria, com uma s�rie de recursos artificiais para que isso seja mantido. Mesmo que fosse poss�vel reproduzir isso, ser� que ser como aquela pessoa, ter as coisas que ela tem, ou levar o estilo de vida que ela leva pode mesmo trazer a felicidade? � o risco de querer copiar o mundo virtual", avalia.

Tudo isso muitas vezes significa justamente a falta de contato humano. O que � expressado pelos famosos “text�es”, declara��es e juras de amor - � recorrente n�o passar de ilus�o. "Quando algu�m se aproxima de outro fora das telas, talvez at� a quem dirigiu um afeto virtual, acaba n�o trocando meia d�zia de palavras, com dificuldade de dar um abra�o e olhar nos olhos. Pelo meio digital, o sujeito talvez se sinta mais protegido, principalmente quando n�o corresponde ao que era esperado. Pode ser mais f�cil esquecer. Um clique e aquela pessoa n�o � mais amiga, � descartada. As rela��es n�o s�o duradouras. Enquanto foi bom, valeu, mas elimina-se sem desgaste. No entanto, � sabido que isso gera um ac�mulo de sentimentos mal resolvidos, que podem se transformar em ang�stias que tendem a explodir alguma hora. Isso tamb�m pode vir a ser ponto de partida para doen�as ps�quicas".

No ambiente eletr�nico, a verdade est� camuflada e, se n�o � verdade, � mentira. A� est� a chave: viver em um mundo irreal, mentiroso, inexistente, � um engano profundo e, como diz o poeta, "mentir para si mesmo � sempre a pior mentira". "O usu�rio do mundo virtual est� t�o “na bolha” que n�o consegue enxergar a ilus�o de todo aquele contexto que ele deseja inserir em sua vida. Quando a pessoa come�a a enxergar por tr�s de tudo aquilo, pode ser uma decep��o grande, e nem todo mundo sabe lidar com isso", conta Jaqueline. Nesse ponto, os tipos de transtorno que podem surgir s�o v�rios, � algo que vai de cada um, na medida em que aparece um processo de somatiza��o. � comum partir de uma preocupa��o sobre a imagem corporal, al�m das compensa��es, como depend�ncias afetivas, consumo exagerado e alimenta��o desregrada. "O resultado � uma popula��o jovem que vai perdendo o gosto pela vida, que paralisa na falta de sucesso, pois s� tem um foco e, por n�o ver concretizados esses anseios, v�o perdendo o sentido de existir. A sa�de mental � comprometida. Perde- se a qualidade de vida, o vigor da juventude e aprisiona-se a vida em um quarto, uma tela", conclui a psiquiatra.

SENSO CR�TICO

Mariana Silva e Mendes, de 16 anos, passa cinco horas diárias on-line, e considera que o maior perigo é não desenvolver habilidades primordiais para a convivência no mundo palpável
Mariana Silva e Mendes, de 16 anos, passa cinco horas di�rias on-line, e considera que o maior perigo � n�o desenvolver habilidades primordiais para a conviv�ncia no mundo palp�vel (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

"Olha o tempo no celular, menina!", o pai aconselha. Almo�ando, no �nibus, quase o tempo todo Mariana Silva e Mendes, de 16 anos, est� conectada. Ela passa cinco horas di�rias online, em todo refresco que tem de suas atividades rotineiras. Desde os 12 � entusiasta das redes, mas n�o se deixa enganar. No Instagram, a estudante tem 840 seguidores, por�m revela que os amigos reais, com quem encontra apoio, n�o passam de dez. "J� sei que quase ningu�m pode me ajudar quando preciso. Nem me decepciono. Quando o virtual se sobrep�e, esquecemos dos contatos de verdade", diz, vacinada.

Para Mariana, o universo virtual n�o retrata a realidade, de forma generalizada. "Considero algo superficial. As pessoas exp�em suas melhores fotos, melhores momentos, as frases mais legais, quando est�o mais bonitas, mais felizes, ou em algum lugar de n�vel social mais elevado. Postam para mostrar que sua vida � aquela, mas n�o �. � um retrato falso, um photoshop da realidade", pondera.

Ela diz, esclarecida, que jovens t�midos, por exemplo, com dificuldade em manter rela��es pessoais, muitas vezes encontram nas redes sociais uma maneira de fuga. "N�o s�o soci�veis, se isolam atr�s das telas, em ambientes onde encontram retorno direto. Postei e j� recebo likes. Mas � uma resposta imediata que s� alimenta o ego. No geral, � como um narcisismo". Mariana hoje se considera bem resolvida com todas essas quest�es, entretanto nem sempre foi assim. Conta que j� enfrentou crises de ansiedade, frustra��o, problemas de autoestima, complexo com o corpo, com a apar�ncia - e j� frequentou um psic�logo por conta disso. "A adolesc�ncia � uma fase de conflitos. A maior quest�o � tentar se encaixar no estilo de vida, de se vestir, de se comportar. S�o pessoas da minha idade, vivendo as mesmas coisas que eu, com algo que admiro. Por�m, quando trago para o concreto, n�o � minha realidade. Voc� tenta copiar, mas n�o � a sua vida".

Na opini�o da jovem, o maior perigo � n�o desenvolver habilidades primordiais para a conviv�ncia no mundo palp�vel. "� uma perda no sentido social. Voc� acaba sem saber se portar no mercado de trabalho, sem saber resolver conflitos, por exemplo. Quando se est� na rede social, pode excluir uma foto, um coment�rio, uma postagem, um storie. No mundo real, se voc� toma uma atitude question�vel, cai em um deslize, n�o h� como apagar", compara. Atenta, Mariana chama as redes sociais de "bolha", em que o sujeito segue o que gosta, quem tem a opini�o em comum, uma vida "perfeita", entre aspas mesmo. "E nessa bolha voc� n�o pode ter um pensamento al�m. Est� em um espa�o em que encontra pessoas diferentes e, quando n�o aceita ou apreende essas diferen�as, pode se tornar agressivo e intolerante", completa.

Imagem distorcida
Compara��o com a vida "perfeita" das pessoas nas redes sociais pode provocar insatisfa��o do jovem com sua apar�ncia e frustra��o por n�o se enquadrar em padr�es


O psiquiatra Aloísio Andrade diz que, com influência direta na educação, formação e instrução dos jovens, os pais devem ficar atentos ao tempo em que os filhos têm passado diante das telas
O psiquiatra Alo�sio Andrade diz que, com influ�ncia direta na educa��o, forma��o e instru��o dos jovens, os pais devem ficar atentos ao tempo em que os filhos t�m passado diante das telas (foto: Euler Junior/EM/D.A Press )
"Adolesc�ncia � um per�odo de transforma��es, mudan�as, aceita��o e conflitos. � quando os jovens exercitam a defini��o de uma identidade baseada em experi�ncias mais amplas do que apenas as da fam�lia", esclarece o psiquiatra Alo�sio Andrade. Neste contexto, continua, o acesso �s redes sociais acaba se tornando n�o somente fonte de informa��o, mas de forma��o de quem est� em busca de seu novo eu e que n�o gosta mais de ser considerado crian�a, e tamb�m n�o pode e n�o quer ser comparado ao adulto.

In�meras pesquisas, no mundo todo, demonstram liga��o direta entre o tempo gasto em redes sociais com sentimentos e experi�ncias consideradas negativas entre jovens. "Na busca pelos novos '�dolos', surgem influenciadores, artistas, modelos que parecem ter uma vida maravilhosa, regada a viagens, boas comidas, �s melhores roupas e passeios, e que batem de frente com a dura realidade dos reles mortais, repleta de estudos, transforma��es, experi�ncias nem sempre positivas", pondera o m�dico. Na maioria das ocasi�es, constata-se que h� uma queda brusca em aspectos como a autoestima, satisfa��o com a vida, felicidade e um menor entusiasmo dos jovens com rela��o aos amigos e divers�o reais, al�m de queda da sensa��o de seguran�a.

Sob esse ponto de vista, Alo�sio considera o �mbito das redes sociais vago e vazio. "Pode ocorrer, por exemplo, insatisfa��o com a imagem corporal dos usu�rios ou intensificar conversas sobre apar�ncia. Isso tudo porque os internautas n�o est�o nos padr�es promovidos por essas 'celebridades'. Por outro lado, somos bombardeados por informa��es que podem gerar decep��o. Lidar com isso n�o � tarefa f�cil, por�m necess�ria", diz o especialista.

Nessa corrida, o mais importante n�o � viver e sim postar o que se est� fazendo. As pessoas n�o saem mais para se divertir, apenas para registrar o momento da divers�o, continua Alo�sio. "Experi�ncias como shows e pe�as de teatro n�o s�o mais para cantar e ver seus artistas prediletos, mas para fazer com que os outros saibam que voc� esteve l�. Se esquece de rir, de falar mais de si, de seus medos e anseios, com a preocupa��o apenas em que o mundo virtual pode e deve mostrar. Amigos se re�nem, cada um com seu celular, para tirar e publicar as fotos em que est�o mais bonitos, magros, no melhor �ngulo e paisagem e, juntos, esperam quantas curtidas esse cen�rio pode lhes render. � um excesso de exposi��o. N�o existe mais privacidade e ningu�m quer mais privacidade", alerta.

Mesmo ineg�veis os aspectos positivos das viv�ncias nas redes sociais, se essa experi�ncia for descontrolada ou abusiva, pode tamb�m acarretar consequ�ncias negativas, como a falta de socializa��o e isolamento, gerando ainda rela��es superficiais e doentes. "Al�m disso, as redes sociais levam ao aumento dos quadros de sedentarismo, diminui��o do rendimento escolar, dificuldades em estabelecer contato com terceiros e, em casos mais graves, quando est� instalada a depend�ncia da internet, poder� surgir sintomatologia ansiosa e/ou depressiva. Com rela��o ao sono, pode parecer uma boa ideia ir para a cama com o celular, com a falsa no��o de que este � um momento de relaxamento. Mas, ao passarem muito tempo nas redes sociais, os jovens acabam dormindo mais tarde e perdem a qualidade do sono por conta dos dispositivos eletr�nicos. Assim, est�o mais predispostos a apresentarem sintomas como press�o alta, obesidade, ataque card�aco, acidente vascular cerebral e depress�o", pontua o psiquiatra.

REGRAS E LIMITES

Com influ�ncia direta na educa��o, forma��o e instru��o dos jovens, os pais devem ficar atentos ao tempo em que os filhos t�m passado diante das telas, ensina Alo�sio Andrade. "A vida � feita de regras e limites, principalmente em fases de mudan�as, como a adolesc�ncia. Proibir n�o � o ideal. Os respons�veis devem atentar para qualquer mudan�a na vida e no comportamento dos jovens. Se notar que algo saiu do controle, procure ajuda de um profissional", diz."As pessoas gastam tempo navegando em redes sociais com o objetivo de esvaziar a cabe�a, como lazer ou forma de relaxar entre um compromisso e outro. O diferencial para que isso seja uma divers�o e n�o um problema est� no tempo que se gasta nesse ambiente virtual e qual o n�vel de import�ncia na vida do adolescente. Uma pergunta: o Instagram e o Facebook, depois de horas e horas de pesquisa no perfil de celebridades ou influenciadores digitais, faz com que haja uma sensa��o agrad�vel e recompensadora ao final do dia? Se sim, � lazer. Se o sentimento � de ang�stia, ansiedade ou depress�o e os pais est�o notando essa mudan�a na postura dos filhos, a divers�o virou um grave problema", diz.

Alo�sio ensina alguns exerc�cios para transformar esse quadro: tentar se desligar do mundo virtual, pelo menos um pouco, e lidar com pessoas reais, com problemas, tristezas e derrotas, mas tamb�m alegrias e conquistas. "� bom parar de seguir os perfis mais visitados que, na maioria das vezes, surtem ansiedade e infelicidade ao inv�s de bons sentimentos e procurar encontrar os amigos, passar mais tempo com familiares e realizar atividades que n�o dependam das redes", conta.

"As redes sociais, hoje, fazem parte da vida de muitos adolescentes em todo planeta e podem influenci�-los de um modo bom ou ruim", pondera a psiquiatra Jaqueline Bifano. As fontes online podem ser usadas para pesquisas escolares, o ambiente digital pode servir � cria��o de blogs que expressam criatividade, ou como um meio facilitador para encontrar amigos e parentes que andavam sumidos, por exemplo. "Os benef�cios de acessar a internet s�o infinitos. D� para conhecer o mundo, tirar informa��es de um lugar desejado, buscar rotas, adquirir novos conhecimentos, falar com pessoas novas e fazer amizade atrav�s das m�dias sociais. Mas, mesmo �til, a internet tamb�m tem o lado desagrad�vel. A� existe tudo quanto � tipo de perigo, desde gente vendendo armas, drogas, a pessoas mal intencionadas e at� assassinos. Existem ainda os crackers, aqueles que est�o dispostos a roubar senhas de banco, fotos pessoais, e tudo o que encontrarem de importante pela frente. � necess�rio tomar muito cuidado antes de sair por ai acessando qualquer site", acrescenta a m�dica.

DIVERS�O

A estudante de relações internacionais Marina D'Ávila, de 22 anos. acessa as redes mais de uma vez ao dia, mas prioriza o contato pessoal
A estudante de rela��es internacionais Marina D'�vila, de 22 anos. acessa as redes mais de uma vez ao dia, mas prioriza o contato pessoal (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)

A estudante de rela��es internacionais Marina D'�vila, de 22 anos, desde mais nova usa as redes sociais. Come�ou o acesso no ritmo em que os canais apareciam, no momento em que esse ingresso j� se tornava inevit�vel, at� pelo aspecto da inclus�o em grupos e facilidade para atender demandas corriqueiras, com mais agilidade. Ela utiliza o whatsapp, Instagram (em que tem 600 seguidores) e Facebook (tamb�m com 600 amigos, depois que h� pouco tempo realizou uma "limpeza", retirando pessoas com quem n�o mantinha tanto contato). Al�m da gradua��o, Marina faz est�gio na �rea e conta que, nos intervalos, quando n�o est� fazendo nada ou sozinha, olha o que acontece nas redes, as novidades, muito como forma de distra��o e divers�o. "Acaba sendo autom�tico. Acesso mais de uma vez ao dia, mas n�o sou muito f�", conta, ela que n�o se deixa enganar. A jovem det�m uma vis�o cr�tica sobre a conviv�ncia no contexto virtual. "Muitas vezes estou com amigos, e eles n�o largam o celular. Isso me irrita. Digo: 'vamos parar com isso gente, aproveitar a vida de verdade, est�o perdendo seu tempo. Prestem aten��o na vida, ela est� correndo!'".

Marina sabe que a internet atualmente � algo inerente � experi�ncia humana, principalmente como uma rica fonte de informa��o, mas, em seu ponto de vista, deve ser tida como meio, n�o como fim. "Prezo pelas rela��es ao vivo, carnais. Quando voc� conhece algu�m, logo pega o endere�o de seus perfis nas redes sociais, mas, no meu caso, para depois marcar de encontrar pessoalmente. N�o fico rendendo conversa pela internet. E perceber que, para alguns jovens, o excesso nessas condi��es pode causar problemas de sa�de � algo que me atinge, e isso � cada vez mais comum", lamenta. Hoje o celular se tornou uma ferramenta que vai muito al�m da fun��o original de um telefone, ligar e receber chamadas. "As pessoas est�o o tempo inteiro no celular, e nem sempre isso � bom. Come�a a perder o sentido", diz Marina. Por outro lado, quando as redes sociais s�o usadas com parcim�nia e intelig�ncia, podem representar boas viv�ncias e oportunidades.

Quando viaja, Marina gosta de registrar os passeios em fotografias (ali�s � uma arte que ela admira). "Coloco fotos legais, de momentos que quero guardar, como um �lbum de lembran�as. Exalto os instantes felizes, mas sei que a vida nem sempre � um mar de rosas", pondera. Sabendo usar com sa�de, d� para abusar das redes sociais.

A estudante Clara Lessa, de 17 anos, reconhece os pontos positivos e negativos do universo virtual
A estudante Clara Lessa, de 17 anos, reconhece os pontos positivos e negativos do universo virtual (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

� com equil�brio e discernimento que a estudante Clara Lessa, de 17 anos, encara o mundo dos relacionamentos virtuais. “Tem pontos negativos e positivos. � fonte de informa��o, pesquisa, entretenimento, uma maneira de conhecer coisas novas, culturas diferentes, em um ambiente democr�tico. � bom tamb�m para manter contato com quem se gosta, mas est� longe, como no meu caso, que tenho um pai que mora em outro estado. Por�m, entre tudo o que aparece, � preciso colocar na balan�a, saber o que te serve ou n�o. Ter a no��o de que a vida real acontece fora das telas”, diz, consciente.

Clara costuma ficar conectada cerca de tr�s horas di�rias - aos finais de semana esse tempo � maior. No Instagram, re�ne 700 seguidores, no Twitter 200 e pelo whatsapp tem uma lista de conversa com mais ou menos 500 pessoas, incluindo grupos. Entretanto, amigos mais pr�ximos, com quem t�m contato constante, s�o poucos. “Tenho a clareza de n�o me deixar influenciar negativamente pelas redes sociais. N�o h� como se distanciar totalmente. � muito dif�cil, mas seria bom. � um tipo de exposi��o em que existe muita hipocrisia. Muitas vezes ficar se comparando gera ansiedade”.

Para ela, h� que se tentar n�o seguir canais que trazem futilidades, que determinam modelos de beleza e comportamento ma�antes, n�o se espelhar sem entender que aquilo n�o � verdade o tempo inteiro. “Busco perceber se o que sigo tem mesmo utilidade, se me acrescenta. Ao contr�rio, isso pode ser prejudicial”, diz. Clara � atenta quanto a ter certeza de que certas fontes s�o confi�veis, j� que, mesmo com retornos r�pidos, tamb�m h� perigo. Ela lamenta que, no contexto das redes sociais, n�o h� meios de saber o que a pessoa est� sentindo ou pensando efetivamente. A jovem aprecia mesmo estar com a turma fiel de amigas, frente a frente. “Somos dez e nos encontramos sempre, principalmente por causa da escola. Quando estamos juntas e a conversa � boa, n�o tem porque ficar mexendo no celular. A gente tem mesmo � que largar o celular. Para mim, s�o essas as intera��es que realmente importam”.

Bem estar

Pesquisa conduzida por tr�s acad�micos das universidades da Georgia e de San Diego, nos Estados Unidos, publicada em 2018, revela que ficar em frente a telas para navegar na internet, acessar redes sociais ou jogar videogame tem impacto negativo no bem-estar de adolescentes. Os investigadores analisaram dados de um levantamento anual feito no pa�s com respostas de mais de 1 milh�o de meninos e meninas. Os pesquisadores observaram os �ndices de bem-estar, entendido como uma sensa��o a partir de diversos crit�rios, e identificaram uma queda brusca, desde 2012, em aspectos como autoestima, satisfa��o com a vida e felicidade. O estudo atestou tamb�m a redu��o no sentimento de satisfa��o como um todo, menos entusiasmo dos jovens na rela��o com amigos e na divers�o e queda da sensa��o de seguran�a. Segundo levantamento feito pela Hootshuite e We Are Social, o Brasil � um dos campe�es mundiais em tempo de perman�ncia na rede - est� em terceiro lugar. O internauta brasileiro fica, em m�dia, 9 horas e 14 minutos por dia conectado, atr�s apenas de Tail�ndia (com 9 horas e 38 minutos) e Filipinas (com 9 horas e 24 minutos). Outra pesquisa realizada nos Estados Unidos, pelo Pew Research Center, aponta que mais da metade dos adolescentes entrevistados (54%) considera passar muito tempo com o celular. Meninos e meninas possuem percep��es diferentes da quantidade de tempo que passam usando v�rias tecnologias. As meninas representam 47%, enquanto os meninos 35%, apesar de os homens passarem mais tempo jogando videogames (41% a 11%). "A internet, que deveria ser m�gica, torna-se para quem passa horas a fio no computador ou celular quase que uma cegueira, que os impede de ver como � a vida real com seus cheiros, gostos, prazeres, risadas, conselhos, alegrias e at� fracassos, e o qu�o fundamental isso tudo � para se viver bem e feliz", diz Alo�sio Andrade.


SAIBA MAIS:

Quando a rela��o com aparelhos conectados � internet vira compuls�o e come�a a atrapalhar outras esferas da vida, talvez esteja na hora dos pais e respons�veis entrarem em a��o, mostrando aos jovens uma outra maneira de encarar as redes. Entre os principais pontos est�o:

- Fa�a uma an�lise das postagens publicadas nos �ltimos tempos e se pergunte se aquilo acrescentou algo na vida de algu�m

- Fa�a com que o jovem entenda que esse excesso nas redes � prejudicial

- Fa�a com que haja uma reflex�o sobre a necessidade do adolescente usar esse tipo de rede. Se sim, estabele�am juntos o limite de tempo e monitore o tempo que se passa online

- As redes sociais podem e devem ser utilizadas como uma ferramenta de comunica��o, mas existe algo que a internet n�o pode proporcionar: a intera��o e o ambiente social, sendo que a permiss�o do seu uso excessivo leva � banaliza��o da intera��o social e � superficialidade das rela��es interpessoais.

Fonte: Alo�sio Andrade, psiquiatra

(foto: Arquivo Pessoal)
PALAVRA DE ESPECIALISTA - Tha�s Quaranta - psic�loga e neuropsic�loga

Um mundo de informa��es


"N�s vivemos na era da tecnologia e esse � um passo que n�o tem mais volta. Os meios de comunica��o e de acesso � informa��o evolu�ram muito, e h� pontos positivos nisso. Faz parte do dia a dia, ajuda nas intera��es, nessa instantaneidade das coisas, com muito mais agilidade. E pela primeira vez os adultos n�o s�o detentores de todo o conhecimento, uma vez que existe um mundo de informa��es que pode ser acessado de qualquer lugar. Por�m todo excesso faz mal, principalmente em uma fase de desenvolvimento como a adolesc�ncia, quando tudo tende a ser mais sens�vel, at� por quest�es hormonais, pelos jovens estarem em um per�odo de amplia��o da vida social, do amadurecimento de partes importantes da personalidade, o que vai se concretizar at� cerca dos 25 anos. E na internet n�o tem ningu�m que v� colocar limites. Muitos pais n�o conhecem tanto os filhos nas redes sociais, acabam n�o acompanhando toda sua viv�ncia nesse ambiente virtual, e a� come�am alguns problemas, muito pelo fato dos jovens ainda n�o terem adquirido todas as habilidades sociais, at� mesmo pela �tica do neurodesenvolvimento, ent�o s�o mais impulsivos, podem se expor sem pensar no futuro, e essa exposi��o poder� gerar grandes preju�zos. N�o necessariamente est�o evolu�dos emocionalmente para lidar com determinadas demandas que a internet pode trazer. Quando falo sobre os pais acompanharem os filhos nas intera��es na internet n�o � supervisionarem de uma maneira controladora, proibitiva. Por outro lado, o adolescente busca autonomia, e � importante ser respeitado. � essencial estar pr�ximo ao filho, saber o que est� sentindo, como se relaciona, entender seu universo. Se os pais n�o t�m proximidade com o filho, n�o sabem a m�sica que ele ouve, o que assiste, n�o t�m ideia de quem � o filho. Se ele tiver sofrendo uma ansiedade, se estiver em um momento abalado emocionalmente, n�o h� como perceber se n�o estiver presente. Presente n�o necessariamente nas redes, mas a presen�a f�sica. Um dos problemas das redes sociais passa pelo fato de que a pessoa s� compartilha o que est� disposta a compartilhar com o outro, seja uma viagem, uma frase, um v�deo. � um recorte da vida. Se n�o se tem o discernimento de aquilo � um recorte, o que d� margem para compara��es, o usu�rio pode come�ar a distorcer essa realidade. Para adolescentes, qual o grande perigo? � que essa realidade disfar�ada vai tamb�m ser agregada ao desenvolvimento da identidade, da personalidade. � primordial come�ar a educar essas crian�as, esses jovens, e isso pode partir desde a escola ou em casa mesmo. A ideia deve ser responsabiliz�-los por qualquer coisa que fazem na internet. Acho que � o que est� faltando para essa gera��o. Falta um pouco de respeito nesse ambiente, de uns com os outros e at� consigo mesmo."


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