postado em 11/10/2019 06:00 / atualizado em 10/10/2019 19:31
Os tr�s filhos de Edvaldo e Margareth, Daniel, de 31 anos, Pedro, de 27, e Leonardo, de 28, t�m autismo em graus diferentes (foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
O acompanhamento das crian�as com transtorno do espectro autista (TEA) � fundamental para garantir maior autonomia na fase adulta. Para pessoas mais velhas, por�m, as op��es s�o limitadas. Pedro Sphair Cavalcante, de 27 anos, foi diagnosticado aos 3. Desde ent�o, a interven��o � cont�nua. Mas, com o passar dos anos, ficou cada vez mais dif�cil encontrar acolhimento. “Com o tempo, eles se acostumam aos processos tradicionais de interven��o. As atividades acabam se tornando repetitivas, e eles pedem para sair do acompanhamento”, conta Margareth Sphair, de 58, m�e de Pedro. “O atendimento para adultos � quase inexistente.”
A interven��o, no caso de um adulto, segundo Fabiana Andrade, psic�loga e mestre em ci�ncias do comportamento, � voltada para garantir que os indiv�duos alcancem a autonomia. Aprender a lidar com quest�es sociais torna-se ainda mais significativo na adolesc�ncia e na maturidade.
Hoje, Daniel faz nata��o e participa das atividades na Funda��o Pestalozzi de Bras�lia, que, recentemente, passou a receber autistas. Desde bem novo, o desenvolvimento dele era diferente do dos irm�os. Mas os tr�s filhos de Margareth e Edvaldo Cavalcante, de 73, foram diagnosticados com algum grau do TEA.
No caso de Daniel, de 31, e Leonardo, de 28, o diagn�stico s� veio ap�s a maturidade. A psiquiatra explica que isso � comum porque, antigamente, para uma pessoa ser classificada como autista os crit�rios eram muito espec�ficos – o quadro deveria ser bastante acentuado. Atualmente, o diagn�stico inclui varia��es menos severas do TEA.
Tanto Daniel quanto Leonardo conclu�ram a faculdade, e o mais velho chegou at� a trabalhar. Mas delimitar um diagn�stico para ele foi um desafio � parte. O caso de Daniel chegou a ser confundido com transtorno do d�ficit de aten��o com hiperatividade (TDAH), aos 16 anos. Antes de descobrir o que realmente causava o comportamento do jovem, ele usou medica��es inadequadas. “Os rem�dios estavam me fazendo mal”, conta Daniel. J� durante o curso na faculdade, um neuropsiquiatra foi respons�vel por identificar o caso dos dois. “Ele se sentiu especial por ter a mesma s�ndrome do Bill Gates”, diz a aposentada.
No caso de L�o, a indecis�o e as rela��es sociais s�o o maior desafio. Daniel chama o garoto de filhinho da mam�e. “Mas ele � um encantador de pessoas. Onde passa deixa suas marcas, e � muito querido”, diz. A m�sica tamb�m � um fator importante de uni�o da fam�lia. Leonardo toca piano, Daniel domina as baquetas da bateria e Pedro gosta mesmo � de ouvir uma boa melodia – ele tamb�m tem sess�es semanais de musicoterapia.
“Receber o diagn�stico, nunca � f�cil, a gente leva o impacto inicial. Mas me dei conta de que, independentemente disso, eles seguem sendo as mesmas pessoas queridas, am�veis e capazes que conhe�o. N�o podemos deixar resultados m�dicos interferirem e passar a trat�-los como pessoas limitadas. Devemos incentiv�-los como qualquer um, entendendo as particularidades deles. Sem esse est�mulo, eles acabam ficando na zona de conforto. � fundamental lembrar que eles t�m muito espa�o para crescer”, diz.
INF�NCIA
O diagn�stico precoce de Fabr�cio Caminha Campos, de 8, foi crucial para alcan�ar os patamares de desenvolvimento que ele tem agora. A interven��o mais cedo facilita o desenvolvimento e promove uma vida melhor em sociedade. Desde bem pequeno, ele n�o atendia quando era chamado, n�o fixava o olhar, n�o interagia com os colegas e ignorava comandos simples. Associadas a essas caracter�sticas, a hiperatividade e a falta de interesse no mundo que o rodeava nortearam as desconfian�as de que Fabr�cio tinha algo diferente.
Fabr�cio Caminha (E) foi precocemente diagnosticado com autismo: menino adora viajar com a fam�lia (foto: Arquivo pessoal)
Impulsionados na busca por um diagn�stico, a fam�lia foi at� S�o Paulo visitar um especialista. Aos 3 anos, e ainda sem falar, Fabr�cio foi enquadrado com TEA. “A partir da�, foi uma corrida contra o tempo. N�o quer�amos perder a janela da neuroplasticidade cerebral – per�odo em que a aprendizagem � facilitada, por conta da maior quantidade de atividade neuronal –, e uma s�rie de acompanhamentos foram necess�rios para incentiv�-lo a se desenvolver”, conta a m�e, Mariana Caminha, de 39.
Desde ent�o, a rotina da crian�a � intensa – tudo para que ele se sinta o mais confort�vel poss�vel em sociedade. Fabr�cio encaixa na semana hor�rios para fonoaudiologia, terapias ocupacional e comportamental, grupinhos terap�uticos voltados para atividades acad�micas e habilidades sociais, acompanhamento com uma psicopedagoga, aula de ingl�s e nata��o. “� uma matem�tica para ele conseguir fazer tudo e n�o se cansar. Mas as terapias s�o l�dicas, o que se torna mais divers�o do que interven��o”, acredita Mariana.
As quebras de rotina n�o s�o bem-vistas por Fabr�cio, mas, por incentivo da fam�lia, desde pequeno, o garoto adora viajar. “Ele � uma crian�a do mundo”, descreve a m�e. Em uma recente viagem para a �frica do Sul, o garoto se divertiu e aprendeu muito sobre a natureza e os animais. Para ele, vivenciar as coisas sobre as quais aprende � um refor�o no processo de aprendizagem.
* Estagi�rio sob a supervis�o da subeditora Elizabeth Colares
** Estagi�ria sob supervis�o da subeditora Sibele Negromonte
Personagem da not�cia
(foto: Arquivo pessoal)
Camilla Andrade, M�e de Jo�o Davi e integrante do grupo Unidas pelo Autismo
Aprendi a ser m�e
“Dez anos antes de ser m�e do Jo�o, trabalhei com crian�as especiais no in�cio da inclus�o, na rede municipal de educa��o. Talvez, por isso, tenha conseguido notar bem cedo os sinais de desenvolvimento at�pico do meu filho. Quando ele tinha 7 meses, j� me indagava por que meu filho n�o respondia ao ser chamado, n�o balbuciava, n�o buscava contato, mas s� consegui o diagn�stico quando ele tinha 1 ano e 8 meses, depois de vencer a resist�ncia da pediatra, que afirmava n�o ter nada de errado, quando o levei a um neuropediatra. Poucos meses ap�s a primeira consulta, tive o diagn�stico. Foi um choque, chorei uma noite inteira, perguntando a Deus por que com meu filho. O luto cessou na manh� seguinte, quando comecei a procurar a ajuda de que ele precisava. Fui em psiquiatras, coloquei-o em todas as terapias poss�veis, me dediquei inteiramente a ele. Com o tempo, fui aprendendo a dosar a intensidade do tratamento, sem sobrecarreg�-lo, deixando-o ser crian�a. Aprendi tamb�m a ser m�e, em vez de coterapeuta, e ser mulher, al�m da cuidadora. A caminhada � longa, as terapias ser�o para toda a vida e os avan�os tamb�m, estamos s� no come�o, todo dia � um novo aprendizado e cada dia traz consigo uma alegria e uma surpresa diferente. Hoje, Jo�o Davi est� com 8 anos, j� fala, ainda com dificuldade e sem conseguir manter uma conversa, mas vai chegar l�. Cada dia ele me mostra o tamanho da sua for�a, capacidade, da sua alegria e do seu amor. E eu, a cada dia, admiro mais seu jeitinho t�o particular de se comunicar, de ver o mundo e de me amar. E como este amor traz vida para minha alma!”
Os sinais
Desde cedo, � poss�vel identificar sinais no comportamento da crian�a que possam indicar algum espectro autista. Para os especialistas, a partir dos 8 meses o beb� com TEA j� age
de forma diferente.
– Dificilmente interage com a m�e durante a amamenta��o
– Evita olhar nos olhos das pessoas
– Tem dificuldade em se encaixar socialmente
– Comunica-se com dificuldade
– Gosta de realizar movimentos corporais repetitivos
– Tem interesses em coisas muito espec�ficas, que n�o despertariam curiosidade em outras pessoas
– N�o demonstra afetividade
– N�o reage quando � chamado pelo nome
– N�o gosta de altera��es na rotina
– Tem dificuldades em gesticular com sinais
LIVRO
Para desmitificar
Em sua segunda edi��o, o livro O menino que nunca sorriu e outras hist�rias reais tem como objetivo lan�ar luz ao pouco falado mundo dos transtornos mentais, na fase inicial da vida. As hist�rias contadas foram ambientadas em um hospital p�blico do Rio de Janeiro e trataram de transtornos ps�quicos como autismo, depress�o e bipolaridade. F�bio Barbirato, chefe da psiquiatria da inf�ncia e adolesc�ncia da Santa Casa, no Rio, � um dos autores. “Nossa ideia � desmistificar esses transtornos em crian�as e adolescentes, para que os pais possam lidar com isso sem preconceitos, o que pode evitar problemas mais graves no futuro.”