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Estado de Minas Dist�rbios ps�quicos

Campanha Janeiro Branco chama a aten��o para a sa�de mental dos brasileiros

Casos de adoecimento t�m se tornado constantes, especialmente entre profissionais da �rea


21/01/2020 13:00

(foto: Ulrike Mai/Pixabay )
(foto: Ulrike Mai/Pixabay )

Ver o dia amanhecer e ter a sensa��o de que a vida est� nublada foi a defini��o que a t�cnica de enfermagem Vanessa Soares, de 37 anos, deu ao relatar os anos em que viveu com depress�o. Depois de ficar por um ano negando que algo de estranho estava acontecendo com a sa�de mental dela, em 2008, ap�s a primeira tentativa de suic�dio, procurou por um psiquiatra e o diagn�stico foi s�ndrome de Burnout. Naquele per�odo, Vanessa trabalhava em dois empregos como t�cnica de enfermagem e ainda fazia faculdade. “Quando comecei a trabalhar em dois hospitais, com jornadas de trabalho extensas, achei que daria conta. Com o tempo, ficava angustiada ao chegar ao trabalho, me perguntava o porqu� de estar ali e � noite n�o conseguia dormir, remoendo os acontecimentos do dia, uma imensa ansiedade.”

A s�ndrome de Burnout, ou s�ndrome do esgotamento profissional, � um dist�rbio ps�quico. Sua principal caracter�stica � o estado de tens�o emocional e estresse cr�nico provocado por condi��es de trabalho f�sicas, emocionais e psicol�gicas desgastantes. De acordo com Lourdes Machado, presidente do Conselho Regional de Psicologia e psic�loga especialista na �rea de sa�de p�blica e sa�de mental, o sintoma t�pico da s�ndrome de Burnout � a sensa��o de esgotamento f�sico e emocional que se reflete em atitudes negativas, como aus�ncias no trabalho, agressividade, isolamento, mudan�as bruscas de humor, irritabilidade, dificuldade de concentra��o, lapsos de mem�ria, ansiedade, depress�o, automutila��o, pessimismo, baixa autoestima.

Definido por Vanessa como “anos cinzas”, a t�cnica de enfermagem e graduanda do curso de enfermagem j� passou por todas as etapas de sofrimento que uma pessoa com depress�o enfrenta, o que resultou em tr�s tentativas de suic�dio. O sentimento de solid�o, de falta de pertencimento e de acolhimento fez com que sentisse uma dor que, segundo ela, nenhum analg�sico tirava. “Tinha f�cil acesso aos medicamentos e, com isso, me automedicava para dormir, mas quando acordava, a dor na alma vinha junto e n�o tinha vontade de me levantar cama. Em 2008, quando tive a primeira ca�da no fundo do po�o tamb�m veio a primeira tentativa de tirar a vida, queria dar fim �quela dor. A segunda e a terceira foram em 2009 quando tamb�m tive uma reca�da muito forte e esse processo ficou at� 2010. Foi uma fase muito sombria, foram os piores anos que vivi na depress�o, tive mais baixos que altos.”

TRANSTORNOS

O esgotamento profissional, a ansiedade e a depress�o sofridos por Vanessa � realidade na vida de muitos profissionais da �rea de enfermagem. De acordo com dados de 2017, do 1º Boletim Quadrimestral sobre Benef�cios por Incapacidade da Secretaria de Previd�ncia/Minist�rio da Fazenda, no Brasil, transtornos mentais e comportamentais s�o a terceira causa de incapacidade para o trabalho, correspondendo a 9% da concess�o de aux�lio-doen�a e aposentadoria por invalidez.

Segundo a presidente do Conselho Regional de Psicologia, situa��es de grande estresse no ambiente de trabalho com carga hor�ria elevada, ambiente de trabalho que exige do funcion�rio um desempenho al�m do que � poss�vel, situa��es de ass�dio moral e de ass�dio sexual, s�o situa��es que comprovadamente est�o relacionadas com o aumento da preval�ncia de transtornos mentais.

Atualmente, no Brasil, s�o cerca de 2,5 milh�es de profissionais da enfermagem, t�cnicos e enfermeiros, dentro das unidades de sa�de. Cerca de 70% do quadro de empregados dos hospitais, cl�nicas, UPAS e Postos de Sa�de s�o compostos por eles e 88% desses profissionais s�o mulheres.

De acordo com a presidente do Coren, Carla Prado Silva, a maioria das mulheres que atuam como enfermeiras tem tripla jornada de trabalho. “No meu trabalho como fiscal do Conselho, vi muitos ambientes sem infraestrutura para atender o profissional: sem local para descanso, lazer e atendimento psicol�gico. J� encontrei hospitais onde os enfermeiros descansavam em colch�es velhos dentro dos banheiros. Para agravar esse quadro, a terceira jornada de trabalho em casa � um fator que propicia o desencadeamento da depress�o.”

Lourdes Machado acrescenta que, al�m das situa��es de grande estresse em casa e no trabalho, existem situa��es de ass�dio moral e de ass�dio sexual que comprovadamente est�o relacionadas ao aumento da preval�ncia de transtornos mentais. Foi o que aconteceu com �rika Ferreira, de 39 anos, h� 15 enfermeira. “Desde o in�cio da minha profiss�o, trabalhava em dois hospitais, um durante o dia e outro � noite, e sempre com plant�es nos fins de semana. No in�cio, achava bom, n�o tinha nenhum sintoma de depress�o, mas com o passar do tempo senti um desgaste muito grande, pois o setor do neonatal tem muitas situa��es que mexem muito com o nosso emocional, mas mesmo assim, n�o eram essas as situa��es que mais me desgastavam.”

O que a desgastou, segundo �rika, foi quando a dire��o do hospital a convidou para coordenar o CTI neonatal. “Nunca fui coordenadora, n�o tinha experi�ncia e manifestei que n�o queria, mas assumi esse cargo a contragosto, o que falei n�o foi ouvido, as minhas potencialidades como profissional n�o foram respeitadas.” A bomba rel�gio explodiu em 2014, ap�s dois anos trabalhando nessas condi��es. Com muita ansiedade, ins�nia, sem vontade de levantar da cama, sem prazer em se distrair nas horas de lazer, a enfermeira n�o viu apoio psicol�gico dentro do hospital e procurou um psiquiatra particular.

Depois disso, foi afastada por 40 dias e ao passar no setor da psiquiatria da medicina do trabalho, foi reavaliada recebendo mais tempo de afastamento. Ap�s meses afastada, ao voltar ao trabalho, �rika foi realocada ao posto de origem, o banco de leite.

Ap�s o retorno, a rela��o de trabalho demorou a se estabilizar. �rika desenvolveu uma desconfian�a perante os l�deres e teve que recorrer � psicoterapia para ressignificar o trauma vivido.

Humanizar a profiss�o
Enquanto sofrem com problemas de sa�de mental, trabalhadores da �rea sentem a falta de assist�ncia psicol�gica para lidar com o sofrimento do outro sem adoecer

A enfermagem � uma ci�ncia centrada no cuidado. O profissional da enfermagem envolve habilidades para administrar os aspectos t�cnicos com conhecimentos fisiol�gicos, psicol�gicos e culturais no processo de tratamento dos pacientes. De acordo com a Pol�tica Nacional de Humaniza��o – Humaniza SUS – a humaniza��o � a valoriza��o dos usu�rios, trabalhadores e gestores no processo de produ��o de sa�de. Por�m, n�o existe lei regulamentada que garanta a esses profissionais um suporte psicol�gico nas institui��es para lidar com o sofrimento humano sem o absorver.

Segundo levantamento do Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais, Coren, a maioria dos hospitais em Minas Gerais n�o oferece nenhum tipo de assist�ncia psicol�gica, cursos e treinamentos que abordem a sa�de mental dos profissionais da enfermagem.

Essa realidade tem in�cio desde a forma��o acad�mica. Na maioria dos cursos, os estudantes s�o preparados para os cuidados t�cnicos da profiss�o e quando a humaniza��o da profiss�o � abordada, o estudo se limita apenas dos enfermeiros em rela��o aos pacientes. Para o estudante de enfermagem Daniel Albino, de 25 anos, na faculdade h� uma consider�vel abordagem sobre a humaniza��o da profiss�o para com o paciente, mas n�o � visto com a mesma �nfase na humaniza��o do profissional.

"Temos uma disciplina de sa�de metal, mas n�o aprofunda as quest�es dos profissionais. Chegamos ao mercado sem saber lidar com o sofrimento do outro e evitar que isso nos adoe�a" - Daniel Albino, de 25 anos, estudante de enfermagem (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
“A enfermagem n�o pode ser apenas tecnicista. � necess�rio que proporcione aos futuros enfermeiros o entendimento ps�quico, pol�tico e social da profiss�o. Temos uma disciplina de sa�de metal, mas n�o aprofunda as quest�es dos profissionais. Chegamos ao mercado sem saber lidar com o sofrimento do outro e evitar que isso nos adoe�a. Percebo que tem aumentado a abordagem do assunto sobre a depress�o, mas � sazonal, apenas no m�s de setembro, e isso deveria ser o ano todo para que os alunos tenham o real entendimento da humaniza��o da profiss�o”, ressalta Daniel.

Coautora do livro N�o aguento mais!, a enfermeira e professora universit�ria Lucinete Santos considera importante ter disciplinas que possam trabalhar o conte�do sobre cuidados paliativos, psicologia e pol�ticas p�blicas em sa�de mental para que o futuro profissional tenha em mente j� na sua forma��o que ir� prestar cuidados aos pacientes em condi��es diversas.

INFORMA��O

Para entender melhor a realidade das doen�as do campo emocional, � necess�rio saber a quantidade de profissionais diagnosticados para, dessa forma, levantar solu��es mais eficazes de preven��o e combate. Por�m, a divulga��o da quantidade de profissionais da enfermagem que est�o passando por algum tipo de adoecimento mental ainda � tabu nas institui��es.

Procurados pela reportagem, em nota, a Funda��o Hospitalar do Estado de Minas Gerais, Fhemig, informou que tem em seu quadro de pessoal - auxiliares, t�cnicos e enfermeiros - 6.225 profissionais lotados nas 20 unidades assistenciais, entre elas o Pronto Socorro Jo�o XXIII, o Hospital Infantil Jo�o Paulo II e a Maternidade Odete Valadares. A nota informa que a Ger�ncia de Seguran�a e Sa�de do Trabalho da Fhemig mant�m um servi�o psicol�gico de atendimento aos profissionais, al�m de uma equipe de media��o de conflitos e ass�dio moral.

Mas foi negada a informa��o do n�mero de profissionais, mesmo preservando a identidade deles, diagnosticados com doen�as do �mbito mental. O motivo, segundo a nota, � o sigilo dos prontu�rios e a Comiss�o de �tica teria que acionar o sistema de dados, sendo que ainda n�o foi feito nenhum estudo interno que analisasse amplamente esses dados.

PREVEN��O


Depois de passar por tr�s est�gios, Daniel Albino percebeu que muitos dos seus futuros colegas de profiss�o j� estavam em quadros depressivos. Diante de toda press�o que os estagi�rios tamb�m passam, em junho de 2018, ap�s sair de um est�gio e sentir que estava entrando em depress�o, resolveu procurar uma atividade f�sica. “Entrei para uma academia e descobri que a dan�a era uma terapia. Seis meses depois, j� estava dando aulas em uma academia. Eu me descobri na dan�a.”

Daniel tem aproveitado os conhecimentos adquiridos na dan�a e na segunda forma��o acad�mica, educa��o f�sica, para promover a sa�de dos colegas de trabalho por onde ele faz est�gio. Na UPA de Vespasiano, Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, o estudante percebeu a car�ncia de atividades de promo��o � sa�de e promoveu uma manh� de atividades f�sicas com cerca de 20 profissionais da enfermagem, limpeza e administrativo. “Vejo que os profissionais precisam de atividades de bem-estar, isso � refletido no bom atendimento aos usu�rios do SUS. O resultado foi positivo, os enfermeiros ficaram mais relaxados e produtivos.”

Ap�s passar por um per�odo de estresse, em 2018, a enfermeira Danielle Veridiana buscou alternativas para driblar a doen�a. Concursada h� 11 anos, a enfermeira trabalha no setor de neonatologia no Centro Materno Infantil (CMI) Juventina Paula de Jesus, em Contagem, RMBH. “J� vi muita coisa durante esse per�odo e conclui que deveria fazer algo por mim e pelos outros para minimizar as interfer�ncias que levam os profissionais a se sentirem mal. Hoje, promovo no meu setor grupos de leitura, bate-papos e aconselhamentos de rotinas saud�veis para n�o se sentirem t�o sobrecarregados e sozinhos. N�o vejo as atividades como cura, mas como preven��o.”

Falta de pol�ticas p�blicas

A Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS) recomenda a jornada de 30 horas para profissionais na sa�de, j� que longas jornadas levam ao adoecimento dos profissionais. A espera pela vota��o do Projeto de Lei 2295/00 h� 20 anos, na C�mara dos Deputados, tem atrasado a solu��o do adoecimento mental. O PL fixa jornada de trabalho de 30 horas semanais para enfermeiros, t�cnicos e auxiliares de enfermagem. De acordo com a Presidente do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais, Lourdes Machado, algumas profiss�es t�m especificidades que fazem da redu��o da jornada de trabalho muito mais que um sinal de desenvolvimento social, uma verdadeira necessidade para assegurar e proteger a sa�de f�sica e mental dos profissionais e de quem depende deles.


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