
O homem � um animal social. Arist�teles disse que, “por precisar do outro e de coisas, ele � um ser carente e imperfeito, buscando a comunidade para alcan�ar a completude”. Assim, quem vive sozinho e tem de encarar o isolamento social por causa da pandemia do novo coronav�rus enfrenta mais desafios para existir neste momento, o que requer aten��o, olhar e cuidados especiais.
A constata��o de que � imposs�vel viver sozinho, no sentido da solid�o e n�o da solitude, apresenta-se como mais uma grande prova imposta pelo risco de contamina��o da COVID-19. No filme N�ufrago, de 2000, Tom Hanks interpreta o personagem Chuck Noland, inspetor da Federal Express (FedEx), que sofre um acidente a�reo e vai parar em uma ilha deserta sozinho. Sem ningu�m para resgat�-lo por quatro anos, tentando sobreviver f�sica e emocionalmente, ele acaba adotando a bola de v�lei Wilson para se manter s�o at� voltar para a sua amada Kelly (Helen Hunt) e � civiliza��o. A intera��o do homem � vital para sua conserva��o, persist�ncia e continuidade.
Hoje, vendo as casas no papel de ilhas, no caso de quem vive sozinho, uma casa deserta, encontrar formas de conex�o com o outro � o caminho para alimentar a sanidade. E para isso � preciso contar com outro. Como escreveu S�o Tomas de Aquino, fil�sofo da escola escol�stica, fortemente influenciado por Arist�teles, na crise � tempo de crescer na virtude, no amor ao pr�ximo. Assim, quem vive s� tem de encontrar pessoas que o fa�am se sentir parte de algo maior que o espa�o vazio da sua casa invadida pelo sil�ncio.
A aposentada Ana Maria Ribeiro Mendes, de 66 anos, h� mais de 40 vivendo sozinha – ela n�o se casou e n�o teve filhos –, � um ser soci�vel, literalmente. Tem a vida agitada e cheia de compromissos com os amigos e o restante da fam�lia. At� ent�o, trabalhava na academia da sobrinha, agora fechada. Mas ela se comprometeu a lidar com tudo isso com sabedoria e otimismo. “N�o estou apavorada, em p�nico ou angustiada. Acredito que vamos superar tudo isso, se Deus quiser. N�o est� f�cil, claro, j� s�o 18 dias presa dentro de casa. Mas me ocupo com os afazeres, a casa nunca esteve t�o limpa e j� lavei roupa n�o sei quantas vezes. Se saio por necessidade, compras e consulta m�dica, na volta tem o passo a passo da limpeza, que, nisso, confesso, ando meio paranoica. No mais, me distraio vendo TV, lendo e comendo o dia todo, �s vezes, umas besteiras. Mas fa�o a minha comida, o que equilibra”, afirma.
Ana Maria � uma viajante, ent�o, a quarentena lhe tirou um dos maiores prazeres da vida: “Adoro sair por a�, conhecer lugares. Enquanto n�o posso, vou fazendo planos do pr�ximo roteiro. Ali�s, participo de muitos grupos, o que ajuda bastante”. Ela conversa diariamente pelo “zap” com a turma do pilates, das viagens, da Academia da Cidade e do lian gong (pr�tica corporal chinesa). Tem tamb�m telefonado com mais frequ�ncia para quem demorava a ligar, assim preenche o dia e um vai ajudando o outro.
Ainda que um levantamento da Universidade de Chicago (EUA) mostre que o Brasil est� no ranking dos pa�ses em que as pessoas menos vivem sozinhas, seja por raz�es culturais, emocionais ou financeiras, por outro lado, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), mais de 4 milh�es de idosos vivem s�. Por isso, diante da pandemia do novo coronav�rus, a solid�o � um aspecto que passa a fazer parte das principais discuss�es sobre sa�de mental durante a quarentena. Tanto em rela��o a esse p�blico quanto aos mais jovens, independentemente se escolheram morar sozinhos ou precisaram encarar uma realidade imposta pela vida.
Jos� Carlos Vasconcellos, fundador da TeleHelp, empresa de monitoramento emergencial que oferece �s pessoas com mais de 60 anos a possibilidade de viver de forma mais independente e segura, dentro e fora de suas casas por 24 horas (via acionamento de um bot�o de emerg�ncia), enfatiza que os idosos mais vulner�veis ter�o uma luta ainda maior. � essencial n�o apenas sensibilizar a popula��o para tentar garantir que ningu�m fique sozinho, mas repensar nossa rela��o com o envelhecimento.
“A solid�o costuma ser um dos sentimentos mais presentes e temos observado isso em nossos atendimentos. Se conhece algum idoso que esteja s�, ainda que n�o fa�a parte do c�rculo familiar, por que n�o entrar em contato com ele para prestar apoio? Essa pessoa pode estar se sentindo aflita, desamparada ou at� desinformada, e voc� poderia ajudar. Garantir� que ele seja menos propenso a correr riscos e sair de casa”, ressalta Jos� Carlos. Por conta da idade, esse grupo tende a se sentir mais exclu�do. “O isolamento pode desencadear sentimento de tristeza e solid�o e, por consequ�ncia, a depress�o, que � o que queremos e devemos evitar.”
INDEPEND�NCIA

“Acredito que vamos superar tudo isso, se Deus quiser. N�o est� f�cil, claro, j� s�o 18 dias presa dentro de casa. Mas me ocupo com os afazeres, a casa nunca esteve t�o limpa e j� lavei roupa n�o sei quantas vezes”
Ana Maria Ribeiro Mendes,
de 66 anos, aposentada
Mariella Ara�jo Figueiredo, de 33 anos, analista de comunica��o, decidiu sair da casa da m�e, Eni, de 67, h� dois anos. Tinha chegado a hora de ter o seu canto, maior independ�ncia. A decis�o, embora planejada, n�o foi f�cil. Afinal, a m�e tamb�m iria ficar sozinha, j� que a irm�, Isabella, vive h� anos em Bras�lia, e o pai, Jos� Roberto, em Montes Claros. “Mudei-me com minhas duas cachorras, Fel�cia e Porpeta, sabendo que seria um passo grande. Teve o baque inicial, a preocupa��o se daria conta. Mas me adaptei r�pido e, no in�cio, tudo � maravilhoso. Depois v�m os momentos de solid�o. Para lidar com ela, todos os fins de semana estava com minha m�e. E ainda preenchia o dia a dia com o trabalho, o pilates e a vida social com os amigos. Tudo parou com o coronav�rus.”
Agora, Mariella lida com o isolamento desde 20 de mar�o. “No meu trabalho, j� faz�amos um dia de home office, ent�o, tem funcionado bem. Ainda que as tarefas sejam prolongadas e � preciso cuidado para n�o extrapolar e afetar a sa�de. Preocupada com minha m�e por ser do grupo de risco, eu e a Isabella fazemos chamada de v�deo todos os dias. Eu me apego �s cachorras, que j� n�o me aguentam. Fa�o terapia h� um ano e continuo via Skype, o que ajuda muito, porque tem dia em que a tristeza bate, fica mais dif�cil. J� passei um dia inteiro no Netflix sem querer conversar com nin- gu�m. Mas sei que preciso reagir, fazer contatos porque sen�o vou me sentir mais s� do que j� estou.”
Os amigos s�o a fonte de resist�ncia de Mariella. Ela conta que tem uma rede que a apoia. Ajudam-se uns aos outros. Na primeira semana tudo foi tranquilo, na segunda j� passaram a falar de tristeza. Mas as chamadas por v�deo, hangouts e Skype s�o o escape. Todos s�o conscientes e est�o ficando em casa, logo criam estrat�gias. “Tem o almo�o de domingo, um grupo cozinha junto, o que dura umas tr�s horas e vamos conversando; e o happy hour, com mais gente, amigos de S�o Paulo, quando falamos, falamos e tomamos nossa cerveja. Assim, seguimos fazendo a nossa parte.”