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Estado de Minas

Luto: por que o ritual de despedida � importante?

A morte de um ente querido leva a um processo de elabora��o da perda. Em tempos de coronav�rus, essa viv�ncia n�o ocorre e isso pode impactar a sa�de mental da pessoa


postado em 01/06/2020 12:30 / atualizado em 01/06/2020 12:44

(foto: Reprodução/Interent/caminhosdapsicanalise)
(foto: Reprodu��o/Interent/caminhosdapsicanalise)

O luto � um processo natural de resposta a uma quebra de v�nculos, ou seja, quando se perde algu�m ou algo significativo na pr�pria vida. A viv�ncia do luto � de extrema import�ncia para ajudar na elabora��o das perdas, por isso � normal, esperado e necess�rio. � o que esclarece a psic�loga do Grupo Oncocl�nicas Fl�via Sorice. Mas essa � uma situa��o que se complica quando o ritual da despedida n�o acontece. Uma circunst�ncia cada vez mais comum em tempos de pandemia. Poucas pessoas s�o autorizadas a participar dos enterros de entes queridos, que ocorrem tamb�m sem o intervalo comum do vel�rio, quando se encontra o conforto da presen�a de amigos e outros familiares.

 

"Os rituais de despedida s�o organizadores e muito importantes para um processo de luto normal dos indiv�duos. Esses rituais cont�m elementos tradicionais, familiares e de repeti��es, mas que contribuem muito para a melhor elabora��o daquela perda espec�fica", explica a psic�loga. Segundo ela, as principais fun��es dos rituais s�o marcar a perda de um membro da fam�lia, facilitar a express�o p�blica do sofrimento, possibilitar que o falecido seja lembrado, ofertar algo de previs�vel ao enlutado, introduzir o novo papel social que o enlutado ir� desempenhar, promover um espa�o limitado para chorar a perda, possibilitar um espa�o para compartilhar mem�rias e sentimentos.

 

Psicóloga do Grupo Oncoclínicas, Flávia Sorice explica que os processos de despedida são organizadores para o processo de luto normal(foto: Arquivo pessoal)
Psic�loga do Grupo Oncocl�nicas, Fl�via Sorice explica que os processos de despedida s�o organizadores para o processo de luto normal (foto: Arquivo pessoal)

 

Por outro lado, o impedimento desse ritual pode trazer um s�rio impacto na sa�de mental das pessoas, ampliando o risco de um luto complicado, ou seja, quando o processo se d� de forma mais intensa e duradoura. Quando o indiv�duo n�o consegue processar a situa��o vivida, nem se despedir da forma que lhe permitisse ter um maior senso daquela realidade e concretude da morte. E � o que vem acontecendo em rela��o �s mortes provocadas pela COVID-19. Muita gente tem ficado sem informa��es corretas sobre o estado de sa�de de pacientes quando est�o internados e, no momento do �bito, a dor parece maior, muito pela aus�ncia deste ato normal de despedida.

 

"Muitos hospitais tentam contribuir no processo de despedida propondo estrat�gias remotas, ou seja, comunicar com aquele ente querido em processo de morte atrav�s de videochamadas, mensagens de voz, cartas, entre outros. Outra possibilidade �, ap�s o funeral, criar um per�odo memorial em casa junto �s fotos do falecido, acendendo uma vela e seguir os rituais de sua religi�o ou cultura", orienta a especialista.

 

� comum, em rituais de funeral, receber conforto com as palavras e abra�os dos amigos que trazem lembran�as da pessoa que se foi. "Portanto, pode-se criar neste momento um espa�o on-line no qual essas pessoas queridas deixam suas condol�ncias. L�deres religiosos podem ofertar um espa�o para aquela fam�lia, de forma virtual, para ajudar no conforto, caso isso fa�a parte de um ritual familiar. � tudo muito novo e, portanto, tamb�m � um momento de nos reinventarmos", diz Fl�via.

 

PROCESSO O significado, a forma de vivenciar o luto, os rituais de passagem e o processo de enlutamento variam muito conforme cada sociedade, cultura e religi�o, como elucida a psic�loga, e n�o � poss�vel precisar, em termos de tempo, quando termina o luto. Mas h� um par�metro de consenso de que, na perda de um familiar pr�ximo, dificilmente a elabora��o se d� em menos de um ano e, em pacientes que j� viviam um processo de doen�a grave, ou j� recebiam um acompanhamento paliativo, muitas vezes o luto se inicia antecipadamente, o que reduz esse tempo no p�s-�bito por muitas quest�es j� estarem elaboradas e ressignificadas. "J� quando � uma morte repentina, inesperada e precoce, este tempo de luto pode se prolongar e trazer muitos transtornos psicol�gicos", ressalta Fl�via.

 

J� para o psic�logo e professor do curso de servi�o social da Est�cio Ricardo Castro, por se tratar de experi�ncias humanas subjetivas, � imposs�vel prescrever qualquer resposta universal e total aos mecanismos ps�quicos. Em sua opini�o, n�o � poss�vel calcular um tempo do luto, seja em situa��es com ou sem pandemia. "N�o existe a situa��o e o tempo ideal do luto. N�o h� um processo de luto padr�o e, dessa forma, o tempo subjetivo para a elabora��o da perda n�o poder�, nunca, ser cronometrado. Ainda que consigamos encontrar semelhan�as e aproxima��es entre o nosso luto e o de outras pessoas que conhecemos, existem aspectos singulares que criam respostas subjetivas muito particulares. O luto � um processo complexo de elabora��o de uma perda e o seu tempo de dura��o est� relacionado diretamente � rela��o com aquilo se perdeu", constata.

 

O luto � uma experi�ncia solit�ria e singular para cada um, continua Fl�via Sorice. Vivenci�-lo � o que leva a uma reconstru��o e reorganiza��o da pr�pria vida. A partir do luto, os indiv�duos podem se situar novamente no mundo e encontrar um novo lugar em suas vidas para aquele que se foi. "As ressignifica��es come�am a acontecer. � essencial atravessar esse momento; afinal, ele faz parte da exist�ncia humana e nos lembra o qu�o fortes s�o os v�nculos que nos ligam �s pessoas que amamos. Caso perceba que este processo est� patol�gico, � importante buscar um aux�lio m�dico ou psicol�gico."

 

� evidente que as rea��es emocionais de quem perde pessoas queridas, por agora, podem perdurar por muito mais tempo do que duraria em uma sociedade sem a pandemia do coronav�rus. "Isto �, ainda que o luto seja tempor�rio, ele pode ser um caminho extremamente mais doloroso e intenso para aqueles que perdem pessoas queridas nesse momento, justamente porque as 'regras do jogo' do luto a que est�vamos acostumados mudaram", pondera o psic�logo. A regra agora � o isolamento social. Tanto para pacientes quanto para a fam�lia, h� um potencial devastador quando se � obrigado a passar os �ltimos momentos com algu�m de forma isolada, seja no processo da interna��o ou do pr�prio vel�rio e enterro.

 

"Como enlutar sem as presen�as f�sicas, os abra�os, os toques e os olhares j� t�o esperados em um momento de elabora��o de uma perda? O desafio � reinventar as possibilidades de elabora��o dessa despedida ao longo do tempo. Se s� � poss�vel que estejam presentes poucas pessoas nas interna��es e dentro dos vel�rios e das cerim�nias de enterro, seguiremos essas regras para o bem coletivo da sociedade", diz Ricardo.

 

� hora de estar mais dispon�vel para ajudar os enlutados nesse per�odo em particular. Ricardo lembra que as redes sociais e os telefonemas podem ser instrumentos poss�veis, ainda que n�o ideais, de manter a presen�a, a vigil�ncia, a escuta ativa e atenciosa, o cuidado, o acolhimento, o fortalecimento de la�os e o apoio emocional.

 

O ritual do luto, no fim das contas, ajuda a deixar o outro ir e autoriza a si pr�prio ficar e a existir sem a presen�a f�sica dele. Como lembra Ricardo, aceitar a morte � reconhecer que esse ser� um processo inevit�vel. "Isso n�o significa que as mortes, em tempos de pandemia, sejam lidas como qualquer processo natural de finitude da vida. Para isso, � importante que possamos colaborar. Em uma comunidade coletiva, � importante que suportemos o relato de dor que vem do outro em busca de elabora��o. Assim, construiremos condi��es coletivas para que a dor e o sofrimento, consequentes da morte/perda, sejam condi��o humana a ser superada. E n�o algo a ser negado", conta.

 

Palavra de especialista

Maria Clara Jost, doutora em psicologia, da Tip Cl�nica

 

Fechar um ciclo

“Neste momento da hist�ria, estamos testemunhando e experienciando um luto coletivo. Um luto decorrente de uma guerra em que o inimigo � invis�vel, n�o localiz�vel, n�o identificado. Um luto que n�o escolhe pessoa nem lugar. O medo toma conta de tudo e de todos e, agora, tamb�m nos tira a possibilidade de despedir, de estar ao lado, de se conformar, de fechar um ciclo, de se reorganizar, de ter coragem de seguir em frente. Todavia, tudo � novo neste tempo que estamos vivendo. Precisamos descobrir novos meios, novos caminhos, novas estrat�gias de enfrentamento. Viveremos o luto, de qualquer modo, porque ele � uma necessidade humana, por�m, teremos que viv�-lo de outra maneira. Talvez mais para dentro do que para fora. Talvez com menos gente, menos celebra��es, menos ritos. De fato, o rito � um momento institu�do culturalmente, aquele tempo do encontro comunit�rio quando quem padece pode se sentir acolhido na sua dor. Entretanto, n�o dependemos do rito de despedida para apoiar e se deixar apoiar, para calar e acolher o que cala, para ouvir o nosso choro e o choro daquele que sofre. O que nos d� for�a para continuar, apesar de tudo, e talvez como nunca antes, � a certeza de que estamos juntos no mesmo barco, no meio da mesma tempestade, portanto, que podemos, cada um e coletivamente, reinventar e reconstruir o caminho que se abre depois de vencido o combate.” 

 


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