O �cio entendido como meio para o bem-estar eleva a criatividade e a produtividade e melhora a qualidade das rela��es interpessoais
(foto: DEZALB/Pixabay)
Exercer o direito de n�o fazer nada � mais simples do que parece. Parar, desacelerar num mundo que imp�e rotinas estressantes de trabalho e de cuidados com a casa e a fam�lia, mesmo em tempo de pandemia. A polonesa Olga Mecking, escritora, jornalista e tradutora, faz sucesso com seus artigos em defesa da pr�tica do �cio entendido como bem-estar publicados no New York Times, The Washington Post, The Guardian e BBC. Com a grande repercuss�o da teoria, ela, que vive na Holanda com o marido alem�o, acaba de lan�ar o livro “Niksen – Abra�ando a arte holandesa de n�o fazer nada”, pela editora Rocco.
A express�o niksen ganha espa�o como tend�ncia de bem-estar diferente de outras t�cnicas surgidas nos �ltimos anos. N�o se assemelha � mindfulness, uma forma de concentrar aten��es e n�o s� diminuir o estresse e a ansiedade. Nem se parece com o termo dinarmaqu�s hygge, que tem uma abordagem sobre a casa e o ambiente; nem sequer com o minimalismo, que sugere simplificar tudo o que se tem para conquistar uma vida mais leve. A ess�ncia da pr�tica do “nada fazer” � reservar momentos, sem cobran�as, para ver o tempo passar. A proposta de comportamento do niksen � praticar o �cio para eliminar o estresse e aumentar o bem-estar f�sico e mental.
A t�cnica integra a onda da chamada slow life, express�o inglesa associada ao slow movement, movimento que prop�e a desacelera��o da sociedade, um basta ao ritmo fren�tico que o mundo atual imp�e. A empreendedora Val�ria Chociai, de 43 anos, graduada em hotelaria e especialista em administra��o de restaurantes, servi�os e gest�o de pessoas, aderiu a esse movimento depois de ter vivido uma crise de estresse, e encontrado ajuda de medica��es, terapia, treinamentos, e bons amigos.
“Quando entendi o que eu realmente queria da vida e comecei a contar para as pessoas meus novos objetivos fui chamada de louca, rom�ntica, irrespons�vel, rid�cula, mimada e mais um monte de adjetivos que a gente recebe quando decide ‘sair da casinha’. Percebi, ent�o, que precisava me encaixar em uma nova ‘tribo’”, afirma. Hoje, Val�ria divide seu tempo entre garantir mimos � cadela de estima��o Maria Mole, e estudar para se formar em psicoss�ntese pelo Centro de Psicoss�ntese de S�o Paulo.
Al�m de divulgar os princ�pios e benef�cios do slow life, ela defende a desacelera��o radical do ritmo de vida com a viv�ncia que acumulou durante o segundo de seus tr�s anos sab�ticos. No fim do ano passado, lan�ou o projeto “365 Convites para Desacelerar” (https://365convitesparadesacelerar. com.br/), uma jornada que acolhe pessoas interessadas em desacelerar por meio de um perfil fechado no Instagram. O objetivo � auxiliar cada participante a identificar, assumir e executar seus pr�prios processos de abrandar e respeitar o ritmo de cada um .
DEFINI��ES DE SUCESSO
O sentido de felicidade mudou, para Val�ria, ap�s a primeira crise de estresse e ansiedade que ela enfrentou, ao completar 30 anos. � �poca, um amigo a presenteou com o livro “Mil dias na Toscana”, inspirado na hist�ria real de uma chef americana que se apaixona por um italiano e se muda para Veneza. O casal sentiu a necessidade de desacelerar o ritmo de vida e se mudou para San Casciano dei Bagni, uma pequena cidade. “Foi quando minha vida mudou. Comunidade, natureza, tempo, simplicidade e prazer s�o cinco palavras que resumem a marca deixado pelo livro e descobri que existiam outras defini��es de sucesso al�m daquela que estava vivendo”, conta.
Importante transformar o desejo de desacelerar em projeto de vida. Afinal, a busca pelo prazer
de viver n�o merece ficar no campo dos sonhos
Val�ria Chociai, criadora do projeto 365 Convites para Desacelerar pelo mundo
Disseminar a ideia do �cio como meio para um fim n�o a preocupa. Val�ria lembra que quando as pessoas descansam e cuidam da sa�de f�sica, espiritual e emocional, seja por que motivo for, n�o s� elas t�m ganhos, mas tamb�m a fam�lia, comunidades, corpora��es, e o planeta. “Mesmo quando o descanso � um fim em si, como acredito que ele merece ser, h� aumento da criatividade, da produtividade, melhora na qualidade das rela��es e por a� v�o as consequ�ncias.”
O QUE � POSS�VEL CONTROLAR
Desacelerar o ritmo de vida n�o � tema recente e tem ingredientes de discuss�o que remontam aos tempos antigos, como destaca Val�ria Chociai. “Minhas pesquisas me levaram at� tr�s s�culos antes de Cristo. O estoicismo, que foi uma das escolas filos�ficas mais ativas, versou sobre assuntos correlatos ao �cio, ao respeito e � identifica��o com os ritmos da natureza, � diferencia��o entre o que podemos ou n�o controlar”, diz.
A empreendedora Val�ria Chociai lembra que quando as pessoas descansam e cuidam da sa�de f�sica, espiritual e emocional, n�o s� elas t�m ganhos, mas a fam�lia, comunidades, corpora��es e o planeta (foto: Arquivo pessoal)
A empreendedora cita o fil�sofo Alexandre Pires Vieira, tradutor de v�rias obras de S�neca, ao explicar que “no fundo, o �cio, para o fil�sofo, n�o � apenas uma quest�o de ter tempo para descansar e realizar atividades relaxantes. � um aspecto crucial da pr�pria vida, sem o qual n�o temos tempo nem energia para pensar, sendo assim for�ados pelas circunst�ncias a viver uma vida menos �til e realizadora do que de outra forma'”.
At� mesmo o discurso crist�o, baseado na abnega��o, no servir e no trabalho como fonte de dignidade, encontra na pr�pria “B�blia” refer�ncias sobre assuntos relacionados � desacelera��o. “Tudo neste mundo tem o seu tempo, cada coisa tem a sua ocasi�o”, � uma passagem de Eclesiastes, parte do Velho Testamento. Em meados dos anos 1980, o m�dico americano Larry Dossey criou a express�o “doen�a do tempo” para se referir � suposi��o obsessiva de que “o tempo est� fugindo, vai acabar faltando e � preciso estar sempre pedalando cada vez mais r�pido para n�o perder o trem”.
A empreendedora destaca ainda o trabalho de Carlo Petrini, fundador na It�lia do movimento slow food, cujo manifesto prega ideais como os de “que nos sejam garantidas doses apropriadas de prazer sensual e que o prazer lento e duradouro nos proteja do ritmo da multid�o que confunde frenesi com efici�ncia”.
“Importante transformar o desejo de desacelerar em projeto de vida. Afinal, a busca pelo prazer de viver n�o merece ficar no campo dos sonhos”, afirma Val�ria Chociai.
FORMAS DE DESACELERAR PELO MUNDO
Dolce far niente (It�lia): express�o que significa, na tradu��o literal “doce n�o fazer nada”, semelhante ao lekker niksen holand�s, j� que descreve o n�o fazer nada como algo delicioso.
Sesta (pa�ses do Mediterr�neo, principalmente Espanha e Fran�a): mais conhecida como aquela hora no meio do dia, quando o clima est� quente para ficar na rua e, por isso, � considerado perfeito para uma soneca, e tamb�m um tempo usado para o niksen
Shabat (tradi��o dos judeus): come�a no p�r do sol da sexta-feira e termina no p�r do sol do s�bado, e � um tempo para os judeus se dedicarem �s ora��es, � fam�lia e � comunh�o
Wu wei (China): o conceito chin�s de wu wei pode ser traduzido como uma “n�o a��o”, interpretada tanto de maneira positiva quanto pessimista. Tem origem no ensino taoista de Lao Ts�, um dos mais influentes fil�sofos chineses