Quando o sujeito recebe o resultado de um exame que atesta a presen�a de uma doen�a que amea�a a vida, est� a� o princ�pio do sofrimento. E, seja qual for a doen�a, invariavelmente envolve diferentes dimens�es de sofrimento, da dor f�sica �s ang�stias espirituais e existenciais. Muitas vezes, o falecimento ocorre nas unidades de terapia intensiva, sem que o paciente esteja pr�ximo da fam�lia, muitas vezes submetido a procedimentos que causam afli��es e que n�o v�o mais salvar sua vida.
O paliativista intercede junto ao enfermo e seu n�cleo familiar, a fim de minimizar fatores causadores de agonia e assegurar o m�nimo de bem-estar, dignidade, autonomia e independ�ncia neste momento em particular. Para os profissionais em sa�de, o que fica � o ensinamento de que cuidar de algu�m n�o significa apenas entregar exames, receitar medicamentos ou indicar procedimentos. � poss�vel prover outro tipo de aten��o, que aproxima e conecta as pessoas, sem 'abandonar' o paciente.
Diferentemente de como foi declarado durante a CPI da COVID-19, o que suscitou tamanha discuss�o, principalmente considerando, coincid�ncia ou n�o, a proximidade do dia dedicado ao tema, os cuidados paliativos, bem-feitos e bem conduzidos, n�o t�m nada a ver com eutan�sia, ou com deixar o paciente morrer sem oferecer a ele o melhor tratamento. A decis�o deve partir de um di�logo sincero entre a equipe m�dica, os parentes e o paciente, se ainda estiver consciente – s� assim ser� tra�ado o melhor caminho a seguir, e isso vai de cada um.

"O pensamento � justamente o contr�rio: os cuidados paliativos s�o a principal forma que o Brasil tem para combater a eutan�sia, que inclusive � uma pr�tica ilegal no pa�s", diferencia o geriatra Douglas Henrique Crispim, presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). Em entrevista � BBC News, ele esclareceu que o trabalho trata de discutir os tratamentos dispon�veis para aquele caso e pensar, seguindo a evid�ncia cient�fica, as op��es terap�uticas que n�o v�o funcionar e podem at� aumentar o sofrimento. A eutan�sia �, por defini��o, uma a��o ou uma omiss�o com a �nica finalidade de abreviar a vida de algu�m.
Os cuidados paliativos, refor�ou Crispim ao canal de imprensa, tentam trazer al�vio em todas as fases da doen�a e podem ser empregados em paralelo � terapia-padr�o. Por outro lado, um ponto a ser criticado � que, no Brasil, a equipe de cuidados paliativos em grande parte das situa��es s� � acionada nos �ltimos dias, quando n�o h� mais muita coisa a ser feita. A aplica��o precoce dos cuidados paliativos pode fazer toda a diferen�a.
Em 2015, o Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, dos Estados Unidos, coordenou pesquisa com dois grupos de pessoas portadoras de c�ncer em est�gio grave, a fim de aferir a efici�ncia dos cuidados paliativos no al�vio do sofrimento. Os resultados em pacientes que receberam o tratamento logo depois do diagn�stico foram comparados aos efeitos no segundo grupo, que esperou tr�s meses antes de iniciar esse tipo de cuidado.
A primeira turma apresentou uma taxa de sobreviv�ncia ap�s um ano relativamente maior em compara��o com os outros indiv�duos, al�m do que os pr�prios cuidadores demonstraram melhor qualidade de vida e menos taxas de sintomas depressivos quando as terapias s�o iniciadas com anteced�ncia. Dessa forma, com base tamb�m em outros dados em evid�ncia, a partir do ano seguinte a Sociedade Americana de Oncologia Cl�nica passou a recomendar os cuidados paliativos como parte integrante do tratamento do c�ncer.
E n�o s�o apenas pessoas com c�ncer as �nicas que podem se valer dos cuidados paliativos. Quadros como doen�a renal, pulmonar, card�aca, ou qualquer doen�a que ameace a continuidade da vida, podem se beneficiar. A equipe paliativista � multidisciplinar e formada por profissionais de diferentes especialidades, como m�dico, enfermeiro, psic�logo, assistente social, terapeuta ocupacional, fonoaudi�logo, odontologista e fisioterapeuta, al�m de outras especialidades, se for a indica��o.
ESPA�O DE CONVIV�NCIA
Nos �ltimos seis anos, o movimento paliativista brasileiro ganhou for�a com a cria��o de um grupo, o @paliativas, que pelo Instagram tem mais de 120 mil seguidores. A criadora do canal � Ana Michelle Soares, tamb�m autora dos livros “Enquanto eu respirar”, de 2019, e “Vida inteira”, de 2020, lan�ados pela Editora Sextante. Ela tamb�m est� � frente da Casa Paliativa, espa�o de conviv�ncia para pacientes com enfermidades que amea�am a vida.

Ana Michelle foi diagnosticada com c�ncer de mama em 2011, aos 28 anos e, em 2015, recebeu a not�cia de que a doen�a havia se espalhado para outras partes do corpo. � �poca, observou nos registros m�dicos que, dali para diante, o tratamento seria paliativo, e para ela o termo soou estranho. Tudo isso contou em entrevista � BBC News.
"Era como se eu estivesse morrendo. E eu me sentia bem. Quando finalmente compreendi, percebi que era algo �bvio, que deveria ter sido oferecido a mim desde o come�o do meu tratamento. Decidi ent�o come�ar a fazer cuidados paliativos por mim mesma. Fui atr�s de terapia, suporte espiritual e resolvi muitas quest�es que me causavam sofrimento", disse � reportagem. Hoje, 10 anos depois de descobrir o c�ncer, ela continua o tratamento, mas relata a melhor conviv�ncia com a doen�a gra�as aos cuidados paliativos. "Posso at� estar com uma doen�a grave. Mesmo assim, ainda vale a pena viver da melhor forma poss�vel", complementou � BBC News.
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Essa � uma especialidade nova na medicina?
Da forma como existe hoje, o paliativismo data entre o fim da d�cada de 1960 e o in�cio dos anos 1970, surgido primeiro no Reino Unido. Com forma��o em enfermagem, servi�o social e medicina, com o objetivo de aliviar o sofrimento humano, a brit�nica Cicely Saunders (1918-2005) � a pioneira na �rea. Em 1967, ela inaugurou o St. Christopher's Hospice, em Londres, que fornece cuidado integral ao paciente com doen�a grave.
De acordo com o site da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), Cicely ganhou notoriedade pela frase "ainda h� muito a fazer", que era repetida toda vez que um paciente dizia ter ouvido de profissionais de sa�de que "n�o h� mais nada a fazer". A psiquiatra su��a Elisabeth K�bler-Ross (1926-2004) � outra refer�ncia. Ela � autora do livro “Sobre a morte e o morrer” (Editora WWF).
Mas o conceito de cuidado integral do sofrimento � bem mais antigo que isso. Atualmente, a medicina disp�e de f�rmacos para acabar com os inc�modos f�sicos. A dor chega a atrapalhar o pr�prio tratamento. Pode gerar ansiedade e depress�o e interfere diretamente na qualidade de vida do paciente.
Quando esse deixa de ser o inc�modo principal, a equipe de cuidados paliativos consegue atuar com mais tranquilidade em outros aspectos importantes. Isso envolve uma s�rie de outros fatores, que v�o desde quest�es existenciais, como qual o prop�sito da vida e o que h� depois da morte, at� coisas pr�ticas, como os direitos do paciente e o transporte at� o hospital.