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Estado de Minas

Acolhimento mais que necess�rio

Faltam profissionais capacitados para lidar com pacientes que sofrem com doen�as graves e terminais.


31/10/2021 04:00



Em 9 de outubro, foi comemorado o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos. Neste ano, o tema "N�o deixe ningu�m para tr�s – Equidade no acesso aos cuidados paliativos" referencia o significado da equidade nesse cen�rio. "O conceito se evidencia no atendimento aos pacientes de acordo com as suas necessidades, oferecendo mais a quem mais precisa e menos a quem requer menos cuidados, alocando os recursos exatos para alcan�ar um resultado igualit�rio", diz Marcela Mascarenhas, m�dica oncologista e especialista em cuidados paliativos do Grupo Oncocl�nicas.

Como a profissional enfatiza, a grande quest�o �: at� que ponto essa equidade vem sendo efetivamente exercida?. Sabe-se que, dos 40 milh�es de pessoas que precisam de cuidados paliativos no mundo, somente 14% t�m acesso, alerta a m�dica. "Costumo brincar que encontrar um profissional paliativista � como encontrar uma agulha dourada em um palheiro, porque infelizmente ainda estamos muito aqu�m da nossa real necessidade", constata.

Para a especialista, as consultas m�dicas n�o devem ter a produtividade pautada em n�meros de pacientes atendidos, e sim na qualidade desse atendimento. � necess�rio garantir que o paciente, quando sai da consulta, esteja acolhido, continua Marcela. "Que ele saiba que, caso tenha dor, essa dor vai melhorar. Que a fam�lia saiba que, mesmo no momento mais dif�cil da vida deles, n�o estar�o sozinhos. Que esse sofrimento vai ser cuidado por todos n�s da equipe", diz.


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(foto: Patr�cia Penna/Divulga��o)



Que ele saiba que, caso tenha dor, essa dor vai melhorar. 
Que a fam�lia saiba que, mesmo 
no momento mais dif�cil da vida deles, n�o estar�o sozinhos. 
Que esse sofrimento vai ser cuidado por todos n�s da equipe”

Marcela Mascarenhas, 
m�dica oncologista e especialista em cuidados paliativos 



Para o paciente diante de uma doen�a que esteja causando enorme sofrimento, ter algu�m que se importe com isso, segundo a oncologista, � uma forma de transmitir paz e conforto. "Precisamos fazer parte dos instrumentos que transformam a afli��o em al�vio."

SA�DE P�BLICA 

O governo de Minas Gerais estabelece diretrizes para cuidados paliativos na sa�de p�blica, por�m em muitos locais ainda n�o houve apoio e nem capacita��o dos hospitais para garantir essa oferta, critica Marcela. A lei � clara, mas a pr�tica � bem diferente. Pelo SUS, segue a m�dica, muitos servi�os acabam contando com a boa vontade dos profissionais de sa�de em atuar como paliativistas, sem ter subs�dios para tal.

"Fazem-se as leis, mas infelizmente muitas vezes n�o se pode garanti-las. Vejo diferen�a no acesso e na valoriza��o dos cuidados paliativos nos servi�os privados em que atuo, onde h� investimento adequado em recursos humanos, o que muitas vezes n�o ocorre no sistema p�blico de sa�de. E, como dizia Cicely Sauders, uma das nossas pioneiras: 'Cuidado paliativo n�o � uma alternativa de tratamento, e sim uma parte complementar e vital de todo o acompanhamento do paciente'".

Como uma reflex�o sobre a atual campanha mundial de cuidados paliativos, fica o apelo para o acesso equitativo at� 2030. "Precisamos lutar para uma mudan�a – � a mensagem que gostaria de deixar aqui. Sem d�vida nenhuma, a lei � uma grande conquista para Minas Gerais, mas precisamos tamb�m garantir que os profissionais da sa�de v�o conseguir atuar e que os pacientes, independentemente da sua condi��o financeira, realmente v�o ter acesso aos cuidados paliativos", deseja Marcela.

As primeiras estrutura��es da medicina paliativista moderna datam da d�cada de 1960, basicamente pelo trabalho da m�dica, enfermeira e assistente social Cicely Saunders, brit�nica pioneira na �rea, e sua contempor�nea, a psiquiatra su��a Elisabeth K�bler-Ross. No Brasil, onde esse tipo de aten��o come�ou a ser observado a partir dos anos 1980, o Conselho Federal de Medicina (CFM) reconheceu a medicina paliativista como �rea de atua��o apenas em 2011. � tudo muito novo, como diz o geriatra e m�dico paliativista Fabiano Moraes Pereira, coordenador da equipe de cuidados paliativos adultos do Hospital das Cl�nicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG), lembrando que, por isso mesmo, muito ainda h� que se compreender sobre o tema.

"O objetivo central dos cuidados paliativos � permitir a melhor vida poss�vel para o paciente, apesar da doen�a que amea�a sua vida. Ajudar o paciente a viver e a valorizar a vida. Afinal, a morte � um processo natural. As pessoas acham que � ajudar a pessoa a morrer, dar um rem�dio para isso, mas n�o � assim. Muitas vezes acompanhamos o paciente por meses e at� por anos, a fim de aliviar o sofrimento. E, assim, permitir que o indiv�duo entenda a sua doen�a e crie mecanismos de enfrentamento. Isso se estende para a fam�lia, para quem cuida dessa pessoa, e quem vai perd�-la", conta.
 



Especialmente em pa�ses em desenvolvimento, existe muito a ser desenvolvido nesse sentido, pontua o m�dico. "Estamos come�ando a entender melhor, no Brasil ainda engatinhamos. � preciso que todos se inteirem do assunto para diminuir a falta de informa��o. Fazer com que todo profissional de sa�de seja capaz de oferecer cuidados paliativos b�sicos", anseia Fabiano.
 
 
 
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Equipe de cuidados paliativos adultos do Hospital das Cl�nicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG), coordenada pelo geriatra e m�dico paliativista Fabiano Moraes Pereira (foto: Arquivo Pessoal)
 
PROCESSO LONGO 

Depois de 14 anos vivendo com Alzheimer, Iracy Soares da Fonseca faleceu em agosto, aos 86 anos. Todo o processo foi acompanhado de perto pelas duas filhas, as cuidadoras Geralda Aparecida, de 67, e Vanda Maria dos Santos, de 56. A decis�o pelos cuidados paliativos aconteceu depois de o m�dico indicar que nada mais poderia ser feito para evitar sua morte, 12 dias antes do falecimento. As filhas contrataram os servi�os da cl�nica Sa�de no Lar, e a equipe esteve em contato direto com elas por todo esse intervalo. Geralda conta que, se a m�e fosse procurar atendimento pelo SUS, provavelmente ia padecer sem assist�ncia, em suas palavras. Com os cuidados paliativos, os profissionais de sa�de ofereceram todo o apoio necess�rio.

"Ela recebeu oxig�nio, medica��o, o soro, apoio para o banho. Trouxeram uma cama com um colch�o excelente, com m�dicos e enfermeiros 24 horas por conta. N�o teve dor, n�o teve uma ferida. Teve todo o suporte, e p�de estar em casa todos esses dias. E um suporte para n�s tamb�m, que est�vamos cansadas, preocupadas, com o emocional abalado. Ela recebeu todo o carinho, e a gente tamb�m. Morreu com dignidade", diz Geralda.

A abordagem dos cuidados paliativos tamb�m ajudou no processo de conviv�ncia com o c�ncer para a enfermeira Denise Salvador. Ela descobriu em 2019 um c�ncer no p�ncreas j� em est�gio avan�ado, com met�stase para o f�gado e o pulm�o. Al�m do tratamento mais convencional com a quimioterapia, a fam�lia procurou atendimento em medicina integrativa em S�o Paulo, e o m�dico de l� atuou em conjunto com a equipe de cuidados paliativos em Belo Horizonte, pela cl�nica Sa�de no Lar. Depois do agravamento do quadro, Denise acabou falecendo em janeiro deste ano, aos 62 anos, n�o sem antes ter vivido bem at� quando foi poss�vel, ela que sempre esbanjou sa�de.

 
 
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A empres�ria Silvia Salvador e a m�e, Denise Salvador, que morreu de c�ncer este ano: equipe de cuidados paliativos esteve ao lado dela at� o fim (foto: Arquivo Pessoal)

"Todo o tratamento dela foi feito com o foco na sua qualidade de vida, para ter conforto. No in�cio, optou inclusive por continuar trabalhando, n�o queria se entregar para a doen�a", conta a filha, a empres�ria Silvia Salvador, de 33, sua grande companheira em toda essa experi�ncia. Quando o c�ncer se tornou mais severo, em outubro de 2020, a escolha da fam�lia foi por suspender a quimioterapia, que nada mais fazia al�m de causar efeitos adversos graves e retardar a doen�a, cujo desfecho j� era esperado, e voltar as energias totalmente para os cuidados paliativos. Come�ou o aux�lio de oxig�nio em casa, medica��o para a dor, drenagem de l�quidos que causavam incha�o na barriga, e medidas de al�vio para outros reflexos do c�ncer.

A equipe de cuidados paliativos esteve ao lado de Denise at� o fim. "N�o quer�amos que ela fosse para o hospital. Quer�amos que ela morresse em casa", lembra Silvia. E, quando chegou a madrugada de sua morte, ficaram ali o tempo inteiro. Entre um lampejo de lucidez em meio � seda��o derradeira, Silvia conta que a m�e acordou, olhou em volta, disse que se sentia bem, agradeceu por tudo o que foi feito por ela. E se despediu.

"Meu sentimento foi de tranquilidade pela passagem dela. Se tem como resumir tudo o que eles fizeram com esse tipo de cuidado, a palavra � dignidade. Dignidade para o fim da vida dela. Saber que foi plenamente atendida em suas necessidades, que fizemos tudo o que pod�amos. Isso me ajudou at� no processo do luto. Entender que n�o tem como mudar os planos de Deus, que o curso da vida deve ser seguido."



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