
O ouvido humano consegue priorizar sons, uma habilidade que permite dar foco a determinadas vozes e facilita o processo de audi��o. � por isso, por exemplo, que se consegue ouvir claramente um colega durante o almo�o, mesmo com v�rias pessoas conversando no restaurante. Cientistas tentam incorporar esse mecanismo aos aparelhos auditivos. Com a ajuda de intelig�ncia artificial, um grupo americano conseguiu a fa�anha em um sistema que utiliza as ondas neurais do usu�rio. Os resultados foram divulgados na �ltima edi��o da revista Science Advances.
Os autores do estudo explicam que aparelhos auditivos modernos s�o excelentes para amplificar a fala enquanto suprimem certos tipos de ru�do de fundo, como os de tr�nsito. Por�m, aumentar o volume de uma �nica voz sobre as outras ainda � uma habilidade dif�cil de ser copiada. Essa dificuldade � chamada coquetel problem, em homenagem � cacofonia de vozes que se misturam durante aglomera��es barulhentas.
“Em lugares lotados, como festas, os aparelhos auditivos tendem a amplificar todos os falantes ao mesmo tempo. Isso dificulta severamente a capacidade do usu�rio de conversar de forma eficaz, essencialmente o isolando das pessoas ao seu redor”, explica Nima Mesgarani, pesquisador da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e principal autor do estudo.
Para imitar essa capacidade, o aparelho auditivo desenvolvido por Mesgarani e sua equipe, em vez de depender apenas de amplificadores de som externos, como microfones, tamb�m monitora as ondas cerebrais do usu�rio. “Anteriormente, descobrimos que, quando duas pessoas conversam, as ondas cerebrais do falante come�am a se assemelhar �s do ouvinte”, frisa Mesgarani.
SEM PR�VIA
Os pesquisadores publicaram uma vers�o anterior do mesmo sistema em 2017, que, apesar de promissora, tinha uma limita��o fundamental: precisava ser pr�-treinada para reconhecer falantes espec�ficos. “Se voc� estiver em um restaurante com a fam�lia, esse dispositivo reconhece e decodificar� as vozes. Mas assim que uma nova pessoa, como o gar�om, chega, o sistema falha”, diferencia o autor do estudo.
No aparelho atual, modelos matem�ticos complexos imitam as habilidades computacionais naturais do c�rebro (redes neurais), criando algoritmos de separa��o de fala. O novo sistema separa as vozes de falantes individuais dentro de um grupo e, em seguida, compara o som emitido de cada falante com as ondas cerebrais do usu�rio. O falante cujo padr�o de voz mais se aproxima �s ondas cerebrais de quem est� com o aparelho tem a sua voz amplificada.
Em testes com volunt�rios, o aparelho teve resultados extremamente positivos. “Esses pacientes se ofereceram para ouvir diferentes vozes enquanto monitor�vamos suas ondas cerebrais por meio de eletrodos implantados no c�rebro. N�s, ent�o, aplicamos o algoritmo rec�m-desenvolvido a esses dados”, conta Mesgarani.
O algoritmo rastreou a aten��o dos usu�rios enquanto ouviam falantes desconhecidos. Quando um volunt�rio se concentrava em um falante, o sistema amplificava automaticamente a voz dele. Quando a aten��o do usu�rio mudava, os n�veis de volume faziam o mesmo. “O resultado final foi um algoritmo de separa��o de fala que tem um desempenho similar ao das vers�es anteriores, mas com uma melhora importante: consegue reconhecer e decodificar uma voz, qualquer voz, imediatamente”, frisa o cientista.
PR�XIMOS PASSOS
Agora, a equipe busca uma forma de transformar o aparelho em um dispositivo n�o invasivo, que possa ser usado apenas no couro cabeludo ou ao redor do ouvido, e de refinar o desempenho do algoritmo. “S� testamos essa tecnologia em ambiente interno. Mas queremos garantir que ela funcione t�o bem em uma rua movimentada ou em um restaurante barulhento, de modo que, onde quer que os usu�rios estejam, possam experimentar o mundo e entender as pessoas ao redor”, adianta Mesgarani.
Para a otorrinolaringologista Thais Gomes Abrah�o Elias, o trabalho americano � extremamente importante, considerando o contexto atual de envelhecimento da popula��o. “V�rios estudos mostram que o idoso com perda da audi��o, chamada presbiacusia, tem at� seis vezes mais chance de sofrer com problemas de sa�de relacionados ao comprometimento cognitivo, como a dem�ncia, em compara��o com os que n�o t�m. Esses dados j� mostram a import�ncia de tratar esse problema”, diz.
A especialista ressalta que as caracter�sticas da tecnologia poder�o ajudar muitos pacientes caso seja aprimorada. “Esse aparelho foi testado quando duas ou no m�ximo tr�s pessoas falavam ao mesmo tempo. Sabemos que, na vida real, temos situa��es muito mais complexas, mas os dados mostram que os pacientes tiveram grandes progressos, relatando uma voz mais clara e limpa. Isso � um grande ganho”, avalia. “Outro ponto importante a ser frisado � que os usu�rios sentem dificuldade de adapta��o com os aparelhos dispon�veis justamente pela confus�o que pode ocorrer na capta��o desses sons. Tornar esse processo mais claro poder� ajudar nesse processo.”
