
O sistema imunol�gico defende o organismo o tempo todo, destruindo v�rus e bact�rias potencialmente perigosos. Por�m esse mesmo ex�rcito de c�lulas especializadas pode provocar uma rea��o exagerada diante de uma infec��o e, em vez de proteger, acaba levando os �rg�os � fal�ncia. A Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) reconhece essa condi��o – a septicemia ou sepse – como um grave desafio global. Contudo, artigo publicado na revista The Lancet mostra que, at� agora, o n�mero de mortes em decorr�ncia dessa complica��o estava subestimado. De acordo com os pesquisadores, a mortalidade associada ao problema � duas vezes maior do que se acreditava.
Uma em cada cinco mortes no mundo � causada pela sepse, garantem os pesquisadores da Universidade de Pittsburgh e da Universidade de Washington. Os c�lculos foram feitos a partir de estat�sticas de incid�ncia e mortalidade locais, regionais e nacionais colhidas de 1990 a 2017, de mais de 100 milh�es de pessoas, cruzadas com o Estudo Global de Carga de Doen�as. Trata-se de uma an�lise epidemiol�gica coordenada pelo Instituto de M�tricas e Avalia��o em Sa�de (IHME) da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington, composto por dados enviados pelos sistemas de sa�de do mundo todo, inclusive do Brasil.
Segundo os autores do artigo, as estimativas globais mais recentes de sepse foram baseadas em dados de adultos que deram entrada em hospitais de sete pa�ses de alta renda. Dentro desse cen�rio, a incid�ncia de casos severos foi de 19,4 milh�es, com 5,3 milh�es de �bitos. Por�m, ao se debru�ar sobre os dados de 195 pa�ses, os pesquisadores encontraram outra realidade: 48,9 milh�es de ocorr�ncias mundiais em 2017 e 11 milh�es de mortes.
A maioria dos casos – 85% – concentrou-se em pa�ses de baixa ou m�dia renda. O impacto maior foi encontrado na �frica Subsaariana, nas ilhas do Pac�fico Sul pr�ximas � Austr�lia e no Sul, Leste e Sudeste da �sia. A incid�ncia de sepse foi maior entre mulheres do que em homens. Em rela��o � idade, ela atinge o pico na primeira inf�ncia, com mais de 40% de todas as ocorr�ncias na faixa das crian�as menores de 5 anos. O Brasil est� em uma posi��o intermedi�ria, com 440 a 540 casos anuais em cada 100 mil pessoas. Para fins de compara��o, o Canad� tem os menores �ndices das Am�ricas (120 a 200 em 100 mil), seguido por Estados Unidos e Chile (200 a 270 em 100 mil). J� a Nig�ria, entre outros pa�ses africanos, registrou a incid�ncia de 2,5 mil a 3,4 mil no mesmo per�odo, 2017.
“A maioria das estimativas nacionais depende de bancos de dados administrativos hospitalares potencialmente imprecisos e usa defini��es de casos variadas, levando a estimativas d�spares mesmo dentro da mesma popula��o e dificultando a comparabilidade ao longo do tempo ou por local”, aponta o autor s�nior do artigo, Mohsen Naghavi, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington. “A maioria dos estudos � restrita a pacientes internados nos hospitais e exclui crian�as, ignora a causa subjacente da doen�a e avalia os dados por apenas um ou poucos anos.”
PREVEN��O No caso da mortalidade, os n�meros foram ainda mais distantes do que se estimava anteriormente. O pior cen�rio � o da Rep�blica Centro-Africana, onde de 50% a 65% dos �bitos registrados em 2017 foram em decorr�ncia de sepse. No Brasil, esse percentual ficou entre 16% a 20%. “Estamos alarmados ao descobrir que as mortes por sepse s�o muito maiores do que as estimadas anteriormente, especialmente porque a condi��o � evit�vel e trat�vel”, observa Naghavi. “Precisamos de um foco maior na preven��o da sepse entre os rec�m-nascidos e no combate � resist�ncia a antibi�ticos, um importante impulsionador da doen�a”.
A principal autora do estudo, Kristina E. Rudd, do Departamento de Medicina Intensiva da Universidade de Pittsburgh, contou, em nota, que foi motivada a pesquisar sobre a realidade da incid�ncia e da mortalidade por sepse depois de trabalhar na zona rural de Uganda, onde, segundo ela, “a sepse � o que v�amos todos os dias”. “Assistir a um beb� morrer de uma doen�a que poderia ter sido evitada com medidas b�sicas de sa�de p�blica realmente marca voc�. Quero contribuir para solucionar essa trag�dia, por isso participo de pesquisas sobre sepse. No entanto, como podemos saber se estamos progredindo se nem sab�amos o tamanho do problema? Se voc� olhar para as 10 principais causas de mortes globalmente, a sepse n�o est� listada porque n�o foi contada”, criticou.
Apesar das estat�sticas assombrosas, o estudo tamb�m revelou que as taxas est�o melhorando. Em 1990, havia um n�mero estimado de 60,2 milh�es de casos de sepse e 15,7 milh�es de mortes; at� 2017, a incid�ncia havia ca�do 19%, para 48,9 milh�es de casos, e as mortes, 30%, para 11 milh�es. A causa subjacente mais comum de morte por sepse em 1990 e 2017 foram as infec��es respirat�rias, como pneumonia.
Os autores do estudo destacam algumas medidas que podem ajudar a reduzir mais a incid�ncia da mortalidade. “Para come�ar, � uma infraestrutura b�sica de sa�de p�blica. Vacinas, garantia de que todos tenham acesso a um banheiro e a �gua pot�vel, nutri��o adequada para crian�as e assist�ncia � sa�de materna abordariam muitos desses casos”, diz Rudd. Imunizar-se contra a gripe e pneumonia � essencial, destaca o pesquisador e m�dico intensivista. “Al�m disso, precisamos fazer um trabalho melhor na preven��o de infec��es adquiridas em hospitais e doen�as cr�nicas, como diabetes, que tornam as pessoas mais suscet�veis a infec��es”.
DIETA OCIDENTAL O risco de desenvolver sepse grave pode ser maior em pessoas habituadas a consumir uma dieta ocidental rica em gordura e a��cares, segundo estudo da Universidade Estadual de Portland. O artigo, publicado na revista Pnas, analisou como esse estilo de se alimentar interfere na gravidade e nos progn�sticos da rea��o do organismo a uma infec��o, capaz de levar a choque e fal�ncia de �rg�os.
No estudo, ratos que foram alimentados com a dieta ocidental – caracterizada por ser pobre em fibras e rica em gordura e a��car – mostraram aumento da inflama��o cr�nica, gravidade maior da sepse, e taxas de mortalidade mais altas do que camundongos que receberam uma dieta normal. Brooke Napier, principal autora da pesquisa, diz que as descobertas sugerem que as cobaias tinham sepse mais grave e estavam morrendo mais rapidamente por causa de algo em sua dieta, n�o devido ao ganho de peso ou ao microbioma, a comunidade de bact�rias do corpo.
“O sistema imunol�gico dos ratos na dieta ocidental parecia e funcionava de maneira diferente”, conta ela. “Parece que a dieta est� manipulando a fun��o das c�lulas imunol�gicas para que voc� fique mais suscet�vel � sepse. E quando voc� fica com sepse, morre mais r�pido.”
UTI Napier afirma que as descobertas podem ajudar os hospitais a monitorar melhor a alimenta��o dos pacientes na unidade de terapia intensiva (UTI), j� que eles s�o os internos com maior probabilidade de desenvolver a condi��o. “Se voc� sabe que uma dieta rica em gordura e a��car se correlaciona com maior suscetibilidade � sepse e aumento da mortalidade, quando esses pacientes est�o na UTI voc� pode garantir que comam as gorduras certas e na propor��o correta”, aponta. “Se o hospital puder intervir na dieta enquanto o paciente estiver na UTI, isso poder� influenciar os progn�sticos.”
A pesquisadora conta que a equipe tamb�m identificou marcadores moleculares em camundongos alimentados com a dieta ocidental que poderiam ser usados como preditores para pacientes com alto risco de sepse grave ou para aqueles que precisam de tratamento mais agressivo.
