A pandemia provou o valor da ci�ncia para a sociedade, mas, no Brasil, cientistas enfrentam problemas como falta de investimentos e desvaloriza��o profissional
Laborat�rio do Instituto de Ci�ncias Biol�gicas da Universidade Federal de Minas Gerais
(foto: DOUGLAS MAGNO/AFP)
A ci�ncia no Brasil vive um paradoxo. Ao mesmo tempo em que � essencial n�o s� para a vida, mas para o desenvolvimento e inova��o do pa�s, em plena pandemia de COVID-19, momento em que os cientistas comprovaram que s�o fundamentais e insubstitu�veis, ci�ncia e cientistas foram os mais desvalorizados, atacados e at� prejudicados. Desde questionamentos quanto aos seus feitos, orienta��es e fake news at� corte de verbas minando trabalhos precisos, atrasando e pondo em risco resultados preciosos para a sociedade.
H�rcules Pereira Neves, coordenador cient�fico do Instituto de Inova��o e Incorpora��o Tecnol�gica Ci�ncias M�dicas, enfatiza que a pandemia tornou mais evidente a for�a de institui��es cient�ficas brasileiras como a Fiocruz e o Instituto Butantan, que j� tinham posi��o de destaque tanto nacional quanto internacionalmente, mas que passaram a ser percebidas de forma mais evidente pelo p�blico.
“Entretanto, ficou tamb�m evidente que grande parte da tecnologia de que necessitamos vem de fora. A produ��o cient�fica brasileira ainda � modesta, particularmente quando se fala em pesquisa translacional, ou seja, aquela que est� orientada a transferir seus resultados � pr�tica de sa�de e, finalmente, � sociedade. No Brasil, ainda � raro que a pesquisa efetivamente se transforme em produto.”
Historicamente, H�rcules Neves explica que o Brasil sempre foi um dos pa�ses que mais veem seus cientistas retornarem ap�s passar por forma��o no exterior. Entretanto, o alto custo da pesquisa, aliado � situa��o que temos de desconex�o com o setor industrial, faz com que nossos cientistas se sintam cada vez mais atra�dos a se fixarem no exterior.
“O perfil do cientista brasileiro ainda � fortemente acad�mico, com volume relativamente modesto de publica��es e ainda mais fraco de patentes. Precisamos de uma ci�ncia que se encaixe de forma mais efetiva na cadeia de valor e que se preocupe mais em dar retorno a quem paga por ela. Por outro lado, precisamos tamb�m de um setor industrial mais preparado para absorv�-la.”
H�rcules Pereira Neves, coordenador cient�fico do Instituto de Inova��o e Incorpora��o Tecnol�gica Ci�ncias M�dicas: "A produ��o cient�fica brasileira ainda
� modesta, particularmente a pesquisa translacional, ou seja,
que est� orientada a transferir seus resultados � pr�tica
de sa�de e, finalmente, � sociedade" (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Conforme H�rcules Neves, o foco dos professores na prepara��o dos novos cientistas ainda est� na forma��o de disc�pulos.
“Eles deveriam se preocupar mais em preparar bons autodidatas que possam caminhar independentemente. Precisamos tamb�m de mais ci�ncia fora das universidades. Uma evid�ncia disso � a import�ncia das atividades desenvolvidas pelas institui��es cient�ficas, tecnol�gicas e de inova��o (ICTs) no enfrentamento da COVID-19. Elas t�m sido fortes, mas poderiam ser ainda melhores. A pesquisa cient�fica tem ficado cada vez mais cara. Aumentar seus aportes n�o � a �nica solu��o: precisamos tamb�m de tornar os investimentos mais eficientes.”
ATUA��O NOT�VEL
H�rcules Neves garante que h� anos a FCM-MG tem tido atua��o not�vel na pesquisa cl�nica, com fortes parcerias tanto locais quanto internacionais, com destaque ao Centro de Investiga��es Cardiol�gicas na Universidade do Colorado, em Denver, nos EUA. Ela promove interc�mbio de seus alunos com as universidades de Miami, nos EUA, e Lille, na Fran�a, entre outras.
“Al�m disso, a institui��o tem sido pioneira em �reas como a cirurgia rob�tica. Com quatro dos cinco rob�s de �ltima gera��o instalados em Minas Gerais, atingimos a marca de 3 mil cirurgias em novembro. Nossas atividades em pesquisa e desenvolvimento fortalecem-se por meio da valida��o cl�nica dos resultados, feitas n�o s� em nosso sistema como tamb�m em hospitais parceiros.”
H�rcules Neves destaca que, da mesma forma que estamos todos conectados globalmente, sobretudo gra�as � internet, a comunidade cient�fica hoje tem a capacidade de se integrar mais. Segundo ele, tal integra��o tem permitido um acesso mais imediato �s informa��es mais recentes.
“No contexto da pandemia, isso se tornou ainda mais evidente: temos tido acesso imediato a dados e resultados, da mesma forma que nossos colegas espalhados pelo mundo. Mas � importante ressaltar que isso n�o � de gra�a; consequentemente, esse acesso tem que ser devidamente priorizado no que tange a investimentos futuros.”
Eduardo Fran�a, diretor do c�mpus Buritis do UniBH: "Nosso ecossistema de aprendizagem pressup�e projetos de pesquisa e trabalhos relacionados � �rea da extens�o, fortalecendo o trip� universit�rio" (foto: Maykel Douglas/Divulga��o)
H� dois anos, a mantenedora da Faculdade de Ci�ncias M�dicas de Minas Gerais (FCMMG), a Funda��o Educacional Lucas Machado, criou o Instituto de Inova��o e Incorpora��o Tecnol�gica Ci�ncias M�dicas. H�rcules Neves revela que o Instituto rapidamente estabeleceu as pr�prias linhas de pesquisa, todas voltadas ao aspecto translacional.
“Entre os resultados mais marcantes, saliento o desenvolvimento de uma plataforma de diagn�stico molecular in vitro orientada a testes r�pidos realiz�veis em campo, longe do laborat�rio. Seu produto � um teste altamente sens�vel e espec�fico, de custo baixo e f�cil utiliza��o, j� validado, e que pode ser usado desde em patologias como a COVID-19 at� o diagn�stico precoce do c�ncer.”
PROJETOS
J� Eduardo Fran�a, diretor do c�mpus Buritis do UniBH, destaca o que a institui��o tem feito para pensar o futuro da ci�ncia dentro da universidade privada. “Nosso ecossistema de aprendizagem pressup�e projetos de pesquisa e trabalhos relacionados � �rea da extens�o, fortalecendo o trip� universit�rio, que conta com o ensino em sua articula��o. Relativamente � pesquisa e � extens�o, conseguimos atingir e transformar positivamente a comunidade do entorno, especialmente em um cen�rio de substanciais cortes para incentivos na �rea acad�mica.”
Para Eduardo Fran�a, ao pensar a ci�ncia e a forma��o de cientistas, � importante problematizar a dicotomia presente no Brasil entre o mundo do trabalho e o ambiente acad�mico universit�rio. “A ressignifica��o desta quest�o passa pelo reconhecimento das institui��es de ensino superior como formadoras de profissionais qualificados, mas tamb�m como verdadeiros polos de solu��es para problemas reais que se apresentam na sociedade, de modo abrangente. Com a escassez de recursos para pesquisas nos �ltimos tempos no Brasil, � fato que outras oportunidades precisam ser consideradas.”
PARTE DO DNA
Jos� Ant�nio Ferreira, professor das disciplinas de microbiologia m�dica e de epidemiologia e sa�de coletiva no curso de medicina da Faseh, enfatiza que a institui��o privada tem a pesquisa e a extens�o em seu DNA. “O investimento institucional em pesquisa come�a na escolha de um corpo docente, que tem expertise cient�fica e capacita��o espec�fica para conduzir projetos com excel�ncia. A institui��o tamb�m tem um programa s�lido de inicia��o cient�fica, onde alunos e docentes/pesquisadores recebem apoio log�stico e financeiro para condu��o de pesquisas nas diferentes �reas da sa�de.”
Ele destaca os projetos de extens�o, que em conjunto com a administra��o p�blica municipal/estadual e a popula��o, proporcionam � comunidade acad�mica a oportunidade de socializar o conhecimento e transpor as barreiras existentes entre a institui��o de ensino e a comunidade. A Faseh investe na internacionaliza��o, processo que integra diferentes atividades, tais como colabora��o em pesquisa, mobilidade acad�mica e projetos internacionais de desenvolvimento em educa��o superior. “Hoje, temos acordos bilaterais de ensino e pesquisa com algumas das maiores universidade dos EUA. Desde 2009, pesquisas nas �reas da sa�de p�blica, doen�as infecciosas, sa�de da crian�a e da mulher v�m sendo desenvolvidas em conjunto com a universidade de Stanford (Calif�rnia), Universidade de Emory (Ge�rgia) e, mais recentemente, Universidade de Miami.”
Jos� Ant�nio Ferreira conta que todas as pesquisas conduzidas pela equipe de professores e pesquisadores da Faseh t�m car�ter multidisciplinar. “Um exemplo disso � a linha de pesquisa que temos conduzido com a Universidade de Emory na �rea da hansen�ase. Nesse campo espec�fico, temos projetos que envolvem atendimento/tratamento de pacientes, pesquisa de novos m�todos para diagn�stico laboratorial da doen�a, investiga��es em m�todos inovadores de preven��o e controle e, n�o menos importante, estudos sobre estigma e preconceito na doen�a.” Ele destaca o trabalho em parceria com praticamente todas as �reas da sa�de. “Institui��es como Fiocruz, UFMG, UFJF-GV, FCMMG e Fhemig t�m contribu�do diretamente para o sucesso dos projetos de pesquisa coordenados pela Faseh”.
Tr�s perguntas para...
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Ana Cristina Gomes Santos Hostt,
p�s-doutora em imunologia, pesquisadora, professora e coordenadora de �rea da sa�de da Una Cristiano Machado
Cientistas no Brasil que, com a pandemia, perderam verbas para pesquisa, est�o em busca de respostas para tantos desafios. O que vem sendo feito? Qual o cen�rio dentro da universidade? O cen�rio nos remete a um verdadeiro apag�o cient�fico. Para se ter uma ideia, o Brasil investiu em pesquisas em 2020 apenas 16% do que investiu em 2014. Bolsas de inicia��o cient�fica, mestrado, doutorado e p�s-doutorado foram cortadas. Estamos falando de estudantes que operam, diariamente, as pesquisas no Brasil. Todas as pesquisas no pa�s que s�o publicadas t�m as m�os desses estudantes. S�o mentes brilhantes, que investem e dedicam seu tempo, muitas vezes dia e noite.
Sem essa for�a de trabalho qualificada e criativa, os grupos de pesquisa n�o conseguem sustentar seus projetos j� em andamento, manter os animais de experimenta��o, as c�lulas e culturas de micro-organismos na �rea de sa�de, por exemplo. As universidades, neste cen�rio desolador, buscam parcerias p�blico-privadas, financiamentos internacionais e colabora��es com pesquisadores nacionais e internacionais.
Com tantos cortes, exportamos esses pesquisadores. Muitos doutores v�o residir fora do Brasil e passam a contribuir com a ci�ncia e a inova��o tecnol�gica de pa�ses investidores em pesquisa. Os que ficam, muitas vezes, seguem desmotivados devido �s condi��es financeiras delicadas e � instabilidade e falta de perspectiva por emprego e aloca��o no mercado de trabalho. Neste momento, temos doutores extremamente qualificados desempregados. As universidades e centros de pesquisa acabam perdendo seus talentos.
Qual o investimento nos cientistas dentro da institui��o? Com a pandemia, houve perda de verbas? O investimento financeiro em pesquisa � m�nimo. O Brasil � um pa�s que, historicamente, investe pouco em pesquisa quando comparado a outros. Contudo, j� tivemos momentos me- lhores. Em 2008, havia v�rios institutos criados, denominados institutos nacionais de ci�ncia e tecnologia. Todos eles foram extintos.
A pandemia trouxe a necessidade imensa de desenvolvimento de vacinas. Temos pesquisas sendo realizadas para desenvolvimento de vacinas efetivas que podem chegar ao mercado e � popula��o em breve, mas os recursos financeiros s�o necess�rios. Al�m das pesquisas aplicadas, temos uma s�rie de projetos de base, que n�o exatamente geram produtos, mas que s�o essenciais para que os avan�os tecnol�gicos aconte�am, assim como para amplia��o de conhecimento em diversas �reas.
Muitos foram interrompidos. Em 2020, durante a pandemia, os pesquisadores contaram com recursos da ordem de R$ 5 milh�es, algo irris�rio perante o n�mero de pesquisadores e grupos de pesquisa do Brasil. Ou seja, hoje, o CNPq tem em torno de 25% menos pesquisadores ativos no pa�s. Al�m do mais, desde 2013, os bolsistas n�o t�m reajustes em suas bolsas. Um estudante de mestrado recebe em torno de R$ 1.500 e o de doutorado, R$ 2.200. H� uma defasagem, portanto, na remunera��o recebida.
Qual a preocupa��o para o desenvolvimento de futuros cientistas? Qual o diferencial? O que � ofertado? Os futuros cientistas, alunos de inicia��o cient�fica, de mestrado e doutorado, muitas vezes continuam suas pesquisas, mas n�o conseguem publicar seus trabalhos em revistas internacionais pela escassez de reagentes, equipamentos e insumos, como tamb�m a necessidade de recursos para pagamento das publica��es. Com isso, seus curr�culos ficam defasados, ou, ao menos, com uma produ��o cient�fica reduzida.
As patentes, que tamb�m podiam ser geradas, muitas vezes n�o s�o registradas. Em anos anteriores, havia a possibilidade de interc�mbio para outros pa�ses para aquisi��o de expertises em �reas e desenvolvimento de habilidades, mas esse n�o � mais o cen�rio. Por�m, � ineg�vel a criatividade e talento dos cientistas brasileiros. Pela capacidade de superar desafios e dificuldades experimentais, nossos pesquisadores se destacam em laborat�rios de todo o mundo. Isso devido ao corpo docente dos programas de p�s-gradua��o e tamb�m �s linhas de pesquisa e projetos apresentados.
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